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Adam Smith: quem era e o que realmente pensava o “pai da economia moderna”

Também chamado de "pai do capitalismo", Adam Smith defendia algumas ideias que fariam muitos liberais torcerem o nariz

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 5 jun 2023, 10h51 - Publicado em 4 jun 2023, 16h40
O filósofo e economista Adam Smith, homem branco de cabelos grisalhos
 (Domínio Público/Wikimedia Commons)
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Há 300 anos, nascia na Escócia um homem descrito como distraído e de jeito peculiar pelos amigos – e que, mais tarde, se tornaria um dos economistas mais importantes da história. Adam Smith ganhou, ao longo dos últimos séculos, a fama de precursor de uma infinidade de ideologias, correntes políticas e áreas do conhecimento: para muitos é o pai da economia moderna, mas vez ou outra também é referido como pai do capitalismo ou do liberalismo.

Mesmo tanto tempo depois de seu nascimento e morte, é compreensível que lhe atribuam tantos e diferentes títulos. Smith está longe de ser um pensador de uma única contribuição, e apesar de ter suas obras muitas vezes simplificadas, também não era imune a contradições e conflitos.

Como pôde o mesmo economista defender a livre atuação do mercado e atribuir ao Estado o dever de garantir uma educação universal, pública? É possível que o pai do liberalismo e do capitalismo defendesse que os mais ricos pagassem mais impostos?

Conheça a trajetória de Adam Smith e entenda por que seu legado ainda é alvo de disputas.

Um iluminista escocês

Adam Smith nasceu na cidade de Kirkcaldy, Escócia, em 1723 – não existem registros precisos sobre o dia exato do seu nascimento. Foi criado pela mãe, Margaret Douglas, e sequer chegou a conhecer o pai, que, segundo biógrafos, faleceu antes de seu nascimento. Herdou dele, no entanto, o exato mesmo nome.

As poucas informações sobre sua vida pessoal contrastam com a reconhecida carreira acadêmica e intelectual. Quando tinha apenas 14 anos começou a estudar Filosofia Moral na Universidade de Glasgow. Graduou-se e, poucos anos depois, em 1740, foi contemplado com uma bolsa para estudar na Universidade de Oxford. Apesar do prestígio de uma das mais antigas e célebres universidades do mundo, Smith decidiu abrir mão da bolsa alguns anos depois.

Com uma passagem por Edimburgo, onde lecionou aulas de retórica e literatura, Adam Smith retorna para a Universidade de Glasgow, sua primeira casa, em 1751, para dar aulas de lógica. Mais tarde, torna-se reitor na instituição.

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Foi por volta desta época que o pensador escocês passou a ter contato com grandes nomes do iluminismo, como David Hume, que tornou-se um amigo próximo. Com sua formação inicial em Filosofia Moral e em contato com o pensamento destes outros filósofos, Smith debruçou-se por um tempo sobre estes temas, e foi daí que nasceu a sua primeira grande obra: a “Teoria dos Sentimentos Morais“, de 1759.

Embora o livro tenha lhe rendido reconhecimento enquanto ainda era vivo, Adam Smith ainda é mais lembrado nos tempos atuais por suas contribuições na economia. O que muitos ignoram é que há um diálogo direto entre as duas áreas: enquanto em “Teoria dos Sentimentos Morais” ele refletia sobre a moral e a natureza humana sob a ótica da empatia e da compaixão, em “Uma Investigação sobre a Natureza e a Causa da Riqueza das Nações“, o autor também coloca na balança valores morais como o egoísmo para explicar o funcionamento do capitalismo e do mercado.

Um capitalista nasce no mercantilismo

Para entender a mais famosa e importante obra de Adam Smith, que ficou conhecida pela forma abreviada “A Riqueza das Nações“, é preciso entender o contexto histórico da Europa em que ele viveu. Do século 15 até o final do século 18, o continente experimentou um novo modelo econômico e político que se opôs ao feudalismo: o mercantilismo.

Essa nova forma de governar tinha como princípio uma atuação muito forte do Estado, geralmente na figura do rei, que entendia a riqueza de uma nação como o maior acúmulo possível de bens. Nesta época, estes bens consistiam basicamente em metais preciosos. Outros princípios como o monopólio do Estado sobre toda a produção mercantil e manufatureira, e o protecionismo – aumento das tarifas alfandegárias para dificultar a importação e fortalecer, com isso, o mercado interno – também faziam parte do mercantilismo.

E foi tudo isso que Adam Smith criticou em sua obra maior.

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“A Riqueza das Nações” ficou conhecida como um manifesto contra o mercantilismo, em especial contra a atuação onipotente e onipresente do Estado.

Para começo de conversa, Smith sequer concordava que a riqueza de uma nação consistia na quantidade de ouro ou outros metais preciosos que ela acumulava. Para o pensador, a riqueza estava na capacidade de produção, que se daria em alguns moldes específicos. Um deles, por exemplo, era a especialização da mão de obra.

Tomando como exemplo a produção em uma fábrica de alfinetes, Smith mostrou por “a+b” – literalmente, já que fez uma porção de cálculos – que a divisão do trabalho resultava em um ganho maior de produtividade. É mais ou menos assim: um trabalhador pouco treinado que produz o alfinete todo, confeccionando e montando toda a peça, não seria capaz de produzir sequer vinte alfinetes em um dia. Mas uma fábrica que abriga dez funcionários e decide treinar todos eles em uma atividade específica, dividindo a produção do alfinete em etapas – com um endireitando o metal, outro moldando o corpo da peça, um terceiro a cabeça, outros montando a peça final, e por aí vai – produziria, ao final de um dia, cerca de 4.800 alfinetes.

No mundo de hoje, a constatação pode parecer um tanto óbvia, já que é desta forma que operam todas as indústrias. Agora imagine só que este modelo de produção acontece hoje justamente porque Smith – junto de outros teóricos que vieram depois dele, é claro – um dia apresentou esta teoria em seu livro. Dá para entender a importância de seu pensamento na constituição do mundo capitalista, não é?

+ Resumo: entenda o capitalismo industrial

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A mão invisível do mercado

Um outro princípio de Adam Smith mundialmente reconhecido, talvez o mais de todos, é a ideia da “mão invisível” – que ao longo dos últimos séculos foi muitas vezes revisitada e acabou conhecida como a “mão invisível do mercado“. Um dos fatos mais curiosos sobre essa famosa mão é que ela foi citada uma única vez nas centenas de páginas de “A Riqueza das Nações”, e em um contexto bastante específico:

“Quando (cada indivíduo) prefere a atividade econômica de seu país à estrangeira, ele só pensa em sua segurança, e quando dirige a primeira de forma que seu produto represente o maior valor possível, ele só pensa em seu próprio lucro; mas neste, como em muitos outros casos, ele é conduzido por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte de suas intenções.”

 

 

Para desvendar o que Smith defende neste trecho – e o que seria esta tal mão invisível – é preciso compreender uma outra lógica fundamental que fazia parte do seu pensamento, pelo menos neste livro. Ele afirma que na sociedade, as ações não são guiadas pelo altruísmo ou pela vontade de ajudar o outro: as pessoas agem sobretudo por egoísmo e para suprir as próprias necessidades. E isso não é necessariamente ruim.

Achou meio complicado? Adam Smith ajuda a entender melhor com alguns exemplos. Imagine um padeiro, um cervejeiro e um açougueiro. Eles não produzem pão, cerveja ou carne por benevolência ou porque desejam, com isso, ajudar as pessoas de uma comunidade que precisam destes produtos nas suas refeições. Fazem isso porque recebem algo em troca, e porque, de certa forma, também dependem de quem compra deles – além dos que produzem outros itens que eles também precisam para sobreviver.

Essas trocas comerciais não são, portanto, baseadas em um sentimento de altruísmo, mas no que Smith chama de “auto-estima”. “É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer – esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos”, resume no livro.

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Para ele, não nos dirigimos à humanidade de alguém e não devemos apelar para as necessidades, mas sim das vantagens que as pessoas obterão se nos ajudarem.

É mais ou menos nesta mesma lógica que o filósofo e economista cita a “mão invisível” no livro. O mercantilismo tentava proteger o mercado interno aumentando as taxas de exportação, fazendo com que as pessoas consumissem produtos fabricados em sua própria nação. Com isso, fortaleciam o Estado. Mas Smith acreditava que não eram necessárias intervenções para fomentar um mercado local.

“Quando ele usa a frase em ‘A Riqueza das Nações’, na verdade está falando sobre por que os investidores optam por investir mais perto de ‘casa’ em vez de ir para o exterior”, explica Glory Liu, professora de estudos sociais na Universidade de Harvard, em entrevista à BBC Mundo. A autora diz que, no livro, Adam Smith defende que os investidores se sentiriam mais seguros no mercado de seu país porque já conhecem as leis, sabem melhor como poderiam lucrar. “No fundo, há menos incerteza do que se investissem em países que não conhecem, com regras e cultura diferentes”, explica.

Ou seja, eles estariam optando por esse caminho de investir no próprio país por interesse próprio, mas acabariam contribuindo para o bem geral. Este sentimento seria a “mão invisível” que os guiaria para tomar essa decisão.

O que acontece é que a ideia, mencionada apenas uma vez por Smith, ganha novos contornos e um papel fundamental para um pensamento econômico desenvolvido por economistas liberais no século 20, o neoliberalismo. A Escola Austríaca, de 1930, e a Escola de Chicago, de 1980, deram sua própria interpretação sobre o que Adam Smith estaria defendendo no livro: para eles, a “mão invisível” era a do mercado, e ela seria capaz de regular a economia – e praticamente toda a vida pública – sem nenhuma intervenção do Estado.

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Hoje, no tricentenário do pensador, essa interpretação já não é mais uma unanimidade. E olhar para o que Adam Smith falava a respeito de outros temas como desigualdade e educação ajuda a entender o porquê.

Estado mínimo – mas vivo, e suficiente para combater as desigualdades

Ao longo de décadas, Adam Smith foi “reconstruído” para caber nesse papel de defensor irrestrito do livre mercado. Esse é o argumento de Emma Rothschild, diretora do Centro de História e Economia do King’s College, em Cambridge. Em um livro lançado em 2001, a professora apresenta um outro Adam Smith, diferente do pai do capitalismo e descobridor da mão invisível do mercado, e reforça a importância de interpretar o autor à luz do seu tempo – evitando cair no famoso anacronismo.

Para Rothschild, é inegável que o economista escocês acreditava no potencial do “interesse próprio” – a “auto-estima” – para fomentar a economia. E que ele também era a favor do livre comércio. Mas o Smith que reconhecia a intervenção do Estado para reduzir a pobreza ou o que falava dos danos que a divisão do trabalho causava aos trabalhadores muitas vezes é deixado de lado.

O economista defendia que os impostos – que costumam estar no centro das críticas de neoliberais – são importantes para manter o funcionamento da máquina estatal. Mais do que isso, advogava por impostos proporcionais, o que na prática significa que mais ricos deveriam ser mais taxados.

Ele também acreditava que era função do Estado financiar uma educação universal, voltada a todos, porque acreditava que a especialização e divisão do trabalho erodiam a inteligência dos trabalhadores, tornando necessário uma atividade que compensasse esse dano.

Curiosamente, são argumentos que fariam neoliberais convictos torcerem o nariz.

Para o New York Times, a professora Emma Rothschild afirmou que não pretendia com seu livro cooptar Adam Smith para a esquerda ou direita. Queria, na verdade, mostrar a complexidade do economista e de sua “mente destemida”. Se tivesse que converter seus leitores a algo, seria apenas a “lerem Adam Smith por si mesmos”.

E aí, topa o convite?

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