“O Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para os defensores do meio ambiente”. A afirmação, que estampa o editorial do britânico The Guardian nesta quinta-feira (16), não é leviana. O próprio jornal a respalda com um número: em 2020, ao menos 20 ativistas ambientais foram mortos por aqui, segundo dados da organização internacional Global Witness. Nesta semana, o indigenista Bruno Pereira, servidor de carreira da Funai (Fundação Nacional do Índio) e reconhecido defensor dos povos indígenas, somou-se a essa estatística.
Maxciel Pereira dos Santos, Paulo Paulino Guajajara, Gilson Temponi, Osvalinda Pereira, Dilma Ferreira Silva, Bruno Pereira: como, afinal, o Brasil se tornou um dos países mais letais do mundo para quem defende o meio ambiente?
Os crimes por trás dos crimes
Para a Human Rights Watch, ONG de defesa dos direitos humanos, há uma relação direta entre desmatamento, redes criminosas e a violência contra ambientalistas no Brasil. No relatório de 169 páginas intitulado “Máfias do Ipê: como a violência e a impunidade impulsionam o desmatamento na Amazônia brasileira”, a organização indica que criminosos envolvidos na extração ilegal de madeira e de outros recursos naturais na Amazônia perseguem e ameaçam defensores do meio ambiente que se colocam contra seus interesses. As vítimas são em sua maioria indígenas e populações locais, mas por vezes funcionários públicos – como Bruno, servidor da Funai – também se tornam um alvo.
Dados reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) indicam que de 2009 a 2019 mais de 300 pessoas foram assassinadas no país em conflitos envolvendo demarcação de terras e recursos naturais na Amazônia. Por anos, estes números alçaram o país às primeiras posições de um ranking internacional lamentável: o de países que mais matam ativistas ambientais. Em 2019, o Brasil chegou a ocupar o terceiro lugar do levantamento elaborado pela Global Witness, com 24 mortes, atrás apenas da Colômbia (64) e Filipinas (43).
Em entrevista ao jornal Nexo, Sarah Shenker, responsável pelas campanhas da ONG britânica de proteção aos povos indígenas Survival International, afirmou que “a matança é particularmente intensa em áreas onde terras de povos indígenas foram roubadas ou invadidas e eles lutam para tentar retomá-las”.
Para completar, a violência se agrava à medida que os crimes contra ambientalistas seguem impunes. Dos 300 assassinatos registrados pela CPT, apenas 14 foram levados à julgamento, indica o relatório da Human Rights Watch.
Escalada
A devastação ambiental e a violência contra quem se opõe a ela é, certamente, tão antiga quanto o próprio Brasil. Mas para especialistas em meio ambiente, é inegável que a situação agravou-se nos últimos quatro anos. “Não surpreende que no Brasil de Bolsonaro as coisas tenham ficado muito piores, com sua retórica racista e propostas de abrir as terras indígenas para o agronegócio e a mineração de larga escala”, afirma Sarah Shenker, da Survival International.
O governo do presidente Jair Bolsonaro ficou marcado pela flexibilização de leis ambientais, pelo desmonte de órgãos como o ICMBio e por escândalos envolvendo madeireiras. O resultado foram recordes de desmatamento e queimadas, além do aumento da violência contra povos indígenas e outros ativistas do meio ambiente.
Dados do Centro de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (Cedoc-CPT) apontaram que os assassinatos no campo aumentaram 75% entre 2020 e 2021. Já as mortes por conflitos apresentaram um aumento de 1.100% no mesmo período, sendo a terra indígena Yanomami a mais afetada.
Em entrevista ao InfoAmazonia, o indigenista Carlos Travassos, que já atuou na Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai, afirma que a sensação de impunidade também cresceu nos últimos anos.
“Vimos no Vale do Javari como as palavras de um presidente influenciam no aumento do crime. Percebemos o surgimento de uma estrutura muito mais sofisticada, porque antes não havia tanto essa percepção da impunidade […] a estrutura criminosa começou a ganhar mais força”, afirma.
Acordo de Escazú: uma promessa que não saiu do papel
Em 4 de março de 2018, foi criado em Escazú, na Costa Rica, o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe – que ficou conhecido, simplesmente, como Acordo de Escazú. Trata-se do primeiro tratado entre países da região para proteção do meio ambiente e de ativistas defensores da causa.
Em determinado trecho, o acordo estipula que os países que o assinam devem garantir “um ambiente seguro e propício no qual as pessoas, os grupos e as organizações que promovem e defendem os direitos humanos em questões ambientais possam atuar sem ameaças, restrições e insegurança”. Na ocasião, o Brasil aderiu ao acordo, mas ele acabou nunca ratificado por aqui, já que não passou pela aprovação do Congresso.
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