Pela segunda vez, a população do Chile negou a proposta de reforma da Constituição redigida pelo Conselho Constitucional. O texto propunha uma nova Carta Magna para o país em substituição à que vigora hoje, herança do governo do ditador Augusto Pinochet. O documento rejeitado em plebiscito pelos chilenos neste domingo (17) havia sido elaborado por uma ala ultraconservadora.
Isso não significa, no entanto, que a população espera uma nova Constituição progressista. Isso porque uma proposta já havia sido rejeitada pelos chilenos antes, em 2022, quando redigida por alas da esquerda. Na ocasião, a Carta Magna apresentada era lida como identitária e muito progressista.
Afinal, o que querem os chilenos? De onde veio a ideia de mudar a Constituição hoje em vigor? Entenda aqui.
O golpe de 1973
Em 11 de setembro de 1973, o presidente socialista Salvador Allende, primeiro marxista a ser eleito democraticamente no Ocidente, foi derrubado pelos militares liderados pelo general Augusto Pinochet, dando início a uma das ditaduras mais sanguinárias da América do Sul.
Além do óbvio aspecto da violência, a ditadura de Pinochet, por meio dos economistas da Escola de Chicago, transformou o Chile no primeiro laboratório do neoliberalismo – modelo econômico, político e social que se tornaria hegemônico a partir da década de 1980, baseado, a grosso modo, no mercado como regulador da sociedade, por meio de privatizações de empresas e serviços públicos.
A Constituição de 1980 e os anos da Concertação
Ao contrário do que aconteceu no Brasil, no processo de redemocratização chileno não foi instaurada uma nova Constituição, mantendo-se a carta de 1980. Em 5 de outubro 1988, mesmo dia em que foi promulgada a nova Carta brasileira, o Chile, em plebiscito, decide pela não-continuidade de Pinochet no poder.
Em 1990, com o fim da ditadura, ascende a Concertação, uma coalizão de centro-esquerda que governaria o país durante duas décadas dentro dos marcos constitucionais de 1980, mais voltados a uma defesa de caráter liberal da propriedade privada e dos negócios em detrimento dos direitos básicos da população. Essa estrutura socioeconômica levou ao crescente endividamento da população, sobretudo os trabalhadores, idosos e estudantes, que, a partir dos anos 2000, começariam a tomar as ruas em protesto.
Anos 2010
Em 2010, em pleno auge da chamada “onda rosa” na América Latina, em que o continente fora governado por líderes e partidos não-alinhados automaticamente ao neoliberalismo, o conservador Sebastian Piñera é eleito para suceder Michele Bachelet, uma das figuras mais populares da esquerda chilena. A derrota da Concertação é o primeiro sinal de desgaste do pacto pós-ditadura. Piñera, no entanto, não foi capaz de lidar com as insatisfações, simbolizadas pelos protestos estudantis, e acabou derrotado pela própria Bachelet, que voltou ao poder em 2014. Sem condições políticas de dar cabo às demandas sociais, Bachelet devolveria o poder, quatro anos depois, a Piñera.
Os protestos
Em outubro de 2019, uma massa de manifestantes toma o Chile. Como aconteceu no Brasil, o preço das passagens de ônibus foi o estopim para as manifestações, que, como aqui, tornaram-se massivas após a brutal repressão do Estado. Nem mesmo as medidas autoritárias, como a prisão de 3 mil manifestantes, e de exceção, como o Toque de Recolher, foram capazes de barrar o ímpeto da população. No final de outubro, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas. Encurralado, Piñera convocou um plebiscito para outubro de 2020, no qual a maioria decidiu votar para a criação de uma nova constituição.
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