No Brasil, mulheres enfrentam diversos desafios para seguir nos estudos e trabalhar após serem mães. No entanto, os exemplos de superação que o GUIA apresenta a seguir mostram caminhos possíveis para que um sonho não impeça outro.
Agatha Galdino Silva, 22 anos, relembra quando descobriu que estava grávida. Em 2018, a estudante estava em seu penúltimo ano no curso de Publicidade e Propaganda na Faculdade Belas Artes, em São Paulo.“Quando descobri a gravidez vi o sonho da graduação se tornar distante”, diz a publicitária, hoje formada.
Ela compareceu às aulas durante todo o período da gestação. Depois que o filho Jordan completou 1 mês de vida, ela retornou as aulas, mas desta vez levando o seu bebê junto. A publicitária conta que a faculdade ofereceu licença maternidade de 4 meses. No período, ela receberia os conteúdos das aulas em casa. “Eu não aceitei. Era época de TCC e eu queria estar presencialmente nas aulas”, explica.
Diferente de algumas faculdades, a instituição em que Agatha se formou permite que as mães levem os filhos para as aulas. “Eles super me ajudaram. Algumas vezes até mudavam as salas de aula para facilitar a chegada com o carrinho”, conta.
O caso não é comum em todo o Brasil. De acordo com a lei, gestantes matriculadas em instituições de ensino têm direito ao regime domiciliar a partir do oitavo mês de gestação. Entretanto, não há regulamentação sobre a presença de filhos nas salas de aula. A permissão fica de acordo com a liberação ou não de cada instituição.
A questão divide opiniões. Algumas instituições defendem que o ambiente da sala de aula pode ser prejudicado com a presença de uma criança. Quando o acesso é permitido, a mãe pode ficar exposta a preconceito e julgamentos.
No entanto, Agatha contou com apoio. “A minha turma amava a presença do Jordan e os meus professores também”, conta. “Tive muito afeto e respeito. Eu amamentava durante a aula e, se eu precisasse sair, os colegas me passavam a matéria depois”, relata a jovem.
Ainda assim, Agatha conta que o seu maior desafio foi lidar com a sensação de estar atrapalhando as aulas. A jovem também tinha medo do julgamentos dos outros alunos da faculdade. A sua segurança não era a mesma quando fazia uma disciplina optativa em outra classe.
“Os alunos da noite me passavam insegurança, porque muitos já tinham trabalhado e estavam cansados. Teve um dia que meu filho tinha tomado vacina e estava chorando. Ele queria mamar toda hora. Os alunos me olhavam a todo momento; saí da sala, voltei e toda vez que ele resmungava o professor parava a aula. Aquela situação me incomodou demais e eu chorei muito voltando pra casa”, relembra Agatha. Naquela semana, ela procurou o professor da disciplina e disse que não era necessário interromper a aula.
A publicitária morava com a mãe durante a graduação. “Minha mãe me ajudava demais todos os dias. Ela sempre deixava o almoço pronto para quando eu chegasse”, diz. “O pai do meu filho também. Nas aulas noturnas, ele ia me buscar na porta da faculdade e nos dias de provas ia comigo para cuidar dele enquanto eu fazia a prova”, ela lembra.
Mesmo com os todos desafios e a dificuldade de manter a saúde mental equilibrando as duas coisas, Agatha diz que não mudaria nada em seus anos de graduação. “Foi importante incluir a terapia no meu dia a dia e enfrentar os obstáculos sempre com muito diálogo”, diz. “Mesmo andando quase 5km por dia, dormindo pouco ou passando a noite acordada para cuidar do Jordan, eu consegui concluir o TCC”, comemora.
“Eu literalmente entrei na faculdade uma adolescente com seus 17 anos e saí uma mulher. No futuro, vou poder contar isso para o meu filho e ele vai sentir orgulho. Ele me deu forças para seguir, lutar e resistir”, conclui.
Dois sonhos ao mesmo tempo
Essa correria e loucura de fim de curso, que Agatha relembra, é a atual realidade de Mayara de Jesus, 28. Mãe da Lais, de 1 ano e 7 meses, ela está no último ano de Nutrição, na Faculdade Anhanguera, em Campinas. “Saio do trabalho, tenho que me deslocar até uma cidade próxima para o estágio obrigatório. Chego às 23h em casa, quando vejo minha filha e aproveito um tempinho com ela”, conta. Depois que a pequena dorme, a mãe aproveita para fazer atividades da faculdade, ver aulas gravadas e correr com as coisas do TCC.
O tema do trabalho de conclusão de Mayara é introdução alimentar. A ideia e inspiração surgiu da experiência que teve com a própria filha no período que começou a incorporar outros alimentos além do leite materno.
Mayara conta que cursar Nutrição é um sonho desde o Ensino Fundamental. Ela não entrou assim que terminou o Ensino Médio por questão financeira. Depois de casada, retomou esse desejo, buscou bolsas de estudo e, aos 23 anos, ingressou no Ensino Superior. Quando estava no segundo ano de graduação, ela e o marido decidiram que era a hora de ter um filho. Apesar de pensar nos desafios de tentar conciliar maternidade e estudo, ela decidiu não adiar nenhum dos dois sonhos.
“Eu não quis esperar terminar a faculdade para ter o filho, porque eu estaria no auge do curso, ia querer me especializar e sei que filho ia acabar ficando para outro plano”, explica.
Mayara conta que frequentou a faculdade durante toda a gravidez. Quando Lais nasceu tirou três meses de licença. Não parou o curso, só deixou de participar das aulas presenciais. “Continuei estudando, fazendo atividades online, e os trabalhos para compensar. Foi desafiador, mas contei com o amparo dos professores nesse período e muita ajuda do meu marido sempre”, diz.
Com o fim da graduação próximo, Mayara planeja encontrar um trabalho na sua área, auxiliando outras pessoas a terem mais bem-estar. Como mãe, ela quer acompanhar mais o crescimento da filha. “Foi algo que tive que abrir mão um pouco pelo sonho da faculdade. Mas no dia em que ela andou sozinha, eu já tinha chegado da faculdade. Eu tinha medo de perder o primeiro passinho. Fiquei muito feliz”.
Na pandemia
A relação entre maternidade, trabalho e faculdade ficou ainda mais intensa na pandemia. “Essa experiência de mais de um ano de ‘mãe em home office’ tem sido muito difícil”, conta Helena Jacob, professora no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e mãe do Pedro de 10 anos.
As aulas agora mediadas por uma tela são acompanhas por gritos e brincadeiras. O momento de correção de provas e trabalhos tem pausas para preparar uma refeição e dar uma atenção ao filho. “É normal que o Pedro faça barulho: uma criança de 10 anos sozinha, sem amigos, em casa o tempo todo. Ele joga videogame depois da lição e se empolga. “, diz.
Além da rotina diferente, a professora fala da preocupação com o emocional do filho diante desse tempo fora da escola. “Eu já percebo que a sociabilidade dele está complicada. Temo pelas experiências de vida que ele está perdendo”.
Em relação às mães que trabalham ou estudam, Helena nota que há uma necessidade de atenção constante com os filhos que estão mais tempo em casa. Os filhos menores são muito dependentes. “Quando falamos sobre essa demanda por atenção, muitas vezes, as pessoas confundem. Não é falta de amor. É cansaço físico mesmo”, afirma.