Um estudo recente publicado pelo pesquisador brasileiro Paulo Morceiro, da Universidade de Johannesburgo, África do Sul, mostrou que o setor agropecuário e extrativista superou pela primeira vez desde 1996, início da série histórica, a indústria de transformação na participação do PIB brasileiro. Enquanto esta corresponde hoje a 10,3% do PIB – quase a metade do percentual de 2008, pico da série – os outros dois setores somados correspondem a 16,2%.
Outro estudo lançado pelo IEDI mostrou ainda que os 10 produtos mais exportados pelo país são da agropecuária ou setor extrativista. A soja, o minério de ferro, o petróleo e os açúcares e melaços lideram a lista. Mesmo estados mais industrializados, como São Paulo, tem nas commodities o seu principal produto de exportação.
Você deve estar se perguntando o que isso tudo significa. Calma, nós vamos responder isso agora.
É ruim ter um agronegócio forte?
Não. O agronegócio brasileiro é bastante produtivo e moderno e traz muitas divisas para o país. Foi o que permitiu, por exemplo, que o país criasse seu colchão de reservas em dólar, que ajudam a proteger o país de uma eventual fuga de dólares – não fosse isso o real estaria muito mais desvalorizado e a inflação muito mais alta, como acontece na Argentina.
Além disso, a prosperidade do agronegócio leva também prosperidade econômica à sua própria região.
Mas não há impacto ambiental?
Sim, como há em outras atividades econômicas. Esta é uma questão que não deve ser desprezada jamais e faz parte das políticas de países como os Estados Unidos e mesmo a China. Não se deve, no entanto, colocar todo o agronegócio dentro da mesma cesta. A modernidade tecnológica e as regras internacionais fizeram com que parte do setor adotasse ações mais sustentáveis do ponto de vista ambiental.
Por que o agronegócio brasileiro se tornou tão importante?
São vários fatores. Um deles é o próprio território brasileiro, formado por grandes fronteiras agrícolas que seguem em expansão. O outro – é preciso dizer – foi o desmatamento verificado ao longo dos anos 90 até meados do início dos anos 2000. A ascensão da China, que demandava muitas commodities, foi fundamental para este avanço, sobretudo entre o início dos anos 2000 e meados da década passada, quando houve o chamado “boom” de commodities. Assim como os investimentos do Estado brasileiro em pesquisa para o setor, por meio da Empresa Brasileira de Agropecuária (EMBRAPA).
O que é a indústria de transformação?
É o setor da indústria que transforma um elemento em outro, seja ele qual for. Fazem parte deste meio desde as fábricas de calçados, bebidas, automóveis, produtos domésticos.
Por que a indústria de transformação perdeu participação no PIB brasileiro?
O Brasil é um país de industrialização “tardia”. O que isso quer dizer? Significa que nós nos industrializamos relativamente tarde em comparação aos Estados Unidos e à Europa Ocidental – e mesmo em relação à nossa vizinha, Argentina. O processo de formação da nossa indústria ocorreu entre 1930 e 1980 e foi baseado na chamada “substituição de importações”, ou seja, a troca de produtos importados por produtos nacionais. O forte crescimento econômico do país durante a maior parte do século 20 permitiu a criação de um mercado de consumo que sustentasse essa indústria.
A partir dos anos 1980, o setor começa a entrar em crise, sobretudo por razões externas. Essa crise se aprofunda ao longo da década de 1990, com a abertura do país para produtos importados – boa parte deles era proibida – e a criação do Plano Real, que tornou a nossa moeda equivalente ao dólar. Esses dois fatores tornaram produtos importados mais baratos que os nacionais, prejudicando a indústria.
Mas por que prejudicou a indústria se o real hoje vale muito menos que o dólar?
Apesar de o real ter se desvalorizado muito a partir de 2015, ele se manteve muito valorizado por um longo período. A atual desvalorização pode ter reduzido os danos da indústria, mas não reverteu o processo.
O Brasil é o único país do mundo que se desindustrializou?
Não. O processo de desindustrialização faz parte da realidade de diversos países. Mas há diferenças. Para um país de renda alta, como os Estados Unidos e a Inglaterra, os impactos são menores do que para os países de renda média, como o Brasil e a Argentina. Ainda assim, a desindustrialização tem causado problemas para quase todos os países ocidentais.
Por que é um problema não ter uma indústria de transformação forte?
Nós não podemos pensar a indústria nos moldes do século 20. O que significa isso? Com exceção da China, nenhum país produz tudo aquilo que consome – como era mais ou menos a regra no século 20. No entanto, é importante ter uma indústria sólida em determinados setores, como faz a Alemanha, por exemplo, com o setor automobilístico. E por quê? Porque a indústria gera muitos empregos qualificados, inovação e é um motor de desenvolvimento para diversas regiões. Os seus ganhos são, digamos, mais democráticos que os ganhos obtidos pelo agronegócio e setor extrativista.
A necessidade de indústrias de transformação se verificou neste ano, por exemplo, com a dependência da China para a obtenção de máscaras e insumos para vacinas.