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Fim das “saidinhas”: o que são políticas de repressão

Criadas para coibir a criminalidade, as políticas públicas de repressão podem se tornar perigosas quando infringem os direitos humanos

Por Luccas Diaz
11 jun 2024, 15h00
Foto de cerca de presídio
Fim das saidinhas trouxe de volta velho debate: direitos humanos vs políticas de repressão  (Marcello Casal Jr./Agência Brasil/Reprodução)
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Desde 1984, a Lei de Execução Penal (7.210/84) permite que presos em regime semiaberto gozem de saídas temporárias da prisão por um curto período de tempo – geralmente em feriados como Natal e Réveillon. São as famosas “saidinhas“. Em 2024, no entanto, este benefício chegou ao fim. Uma proposta contrária à lei tem rodado no Congresso Nacional, a partir do projeto do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), de 2011. O novo projeto determina que só as saídas dedicadas exclusivamente aos estudos sejam permitidas.

Em sua essência, as saidinhas são formas de reinserir progressivamente o indivíduo encarcerado à sociedade. São exclusivas a presos em regime semiaberto, que tenham demonstrado bom comportado e que tenham cumprido, pelo menos, um sexto de sua pena. Nestas condições, podem ser feitas até cinco saídas, de sete dias cada, em um mesmo ano.

Ao projeto original do deputado Pedro Paulo foi adicionado a proposta do senador Sergio Moro (União-PR), que determina que apenas saídas com intuitos educacionais sejam permitidas, como para a realização ou conclusão do Ensino Médio, Ensino Superior, Supletivo ou cursos profissionalizantes. 

Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE explica quais são os impactos dessa nova lei na prática e como ela se relaciona com as chamadas políticas públicas de repressão.

+ Sistema carcerário brasileiro: entenda a situação dos presídios no país

Nova Lei das Saidinhas

Antes de ser aprovada, a Nova Lei das Saidinhas passou por um verdadeiro vai e vem entre Legislativo e Executivo. Em votação na Câmara dos Deputados, o projeto foi aprovado – com campanhas, principalmente, de políticos alinhados ao centrão e à direita. Seguiu assim para o Senado, onde ganhou as alterações de Moro. O texto alterado voltou para a Câmara, que mais uma vez aprovou a medida. Por fim, em abril deste ano, chegou às mãos do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) que, no entanto, vetou o texto, defendendo a reinserção social e os encontros familiares em datas comemorativas. O presidente citou que a medida era inconstitucional e feria os direitos humanos.

A medida retornou ao Congresso Nacional e o voto presidencial foi derrubado. Em uma sessão entre senadores e deputados no fim de maio, a autorização das saidinhas para eventos de ressocialização e encontros familiares foi derrotada, fazendo valer, assim, o texto anterior aos vetos do presidente.

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Dessa forma, a Lei 14.843/24 foi promulgada, também conhecida como “Lei Sargento PM Dias“, em homenagem ao sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais, assassinado em 5 de janeiro deste ano por um detento beneficiado com a saída temporária. Com a nova lei, passam a ser permitidas, portanto, somente saídas com intuitos educacionais.

Direitos Humanos vs. Políticas de Repressão

Desde a adição das saidinhas à Lei de Execução Penal, em 1984, o que não faltam são polêmicas entorno das políticas de ressocialização do indivíduo encarcerado. Ainda que milhares de detentos tenham gozado do benefício sem registros de criminalidade ou fuga, foram as exceções que ganharam a fama na imprensa e entre a população civil. A derrubada do veto do presidente Lula foi extensamente comemorada por políticos da oposição. “Saidinha incentiva a fuga nas cadeias e não ajuda na reintegração dos presos”, chegou a afirmar o relator do projeto no Senado, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

A nova lei abriu espaço para uma velha discussão que ronda todo Estado Democrático: direitos humanos versus políticas públicas de repressão.

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Em suma, as políticas de repressão são “ações, projetos e medidas que possuem caráter coercitivo e fazem uso da violência para coibir, controlar, combater e punir comportamentos ou práticas consideradas ilegais ou indesejadas pelo Poder Público, envolvendo o uso das Forças Armadas, policiamento, patrulhamento e intervenções que podem levar a multas, prisões e até mesmo execução de pessoas em confrontos mais violentos”, como explica Luis Felipe Valle, professor de Geografia e Atualidades do Colégio Oficina do Estudante.

Em tese, elas têm como objetivo reprimir toda e qualquer prática ilegal – seja tráfico de drogas, assaltos, sequestros, violência sexual, assassinatos, terrorismo etc. Mas deveriam, obrigatoriamente, fazer isso dentro dos limites da lei, e respeitando os direitos humanos. “Deve haver respeito às garantias e direitos previstos pela Constituição, incluindo o direito a um julgamento justo e imparcial, ampla defesa, presunção de inocência e a proteção da vida e da dignidade humana.”

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As políticas públicas de repressão ganham forma com leis que autorizam e legitimam o uso da violência – usualmente exercida pelas polícias e Forças Armadas. Mas não dizem respeito somente ao combate armado: também são políticas de repressão a aplicação de sentenças que podem envolver multas, censura e prisões.

Para o professor, quando essas políticas desrespeitam o limite da lei, o uso da violência tende a escalar e pode levar à violação do Estado Democrático de direito. Em última instância, levam a governos autoritários e tirânicos, como o nazismo, o fascismo, e as ditaduras militares e teocráticas.

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Repressão para quem?

A aplicação de políticas de repressão não é algo novo. Ronda a humanidade desde os tempos antigos: pense na máxima do “olho por olho, dente por dente” da Mesopotâmia. O objetivo era manter a ordem e a justiça por meio de medidas punitivas, que incluíam desde torturas e mutilação até penas de morte. No Império Romano, a crucificação era a maneira de punir aqueles que mais se desviavam da conduta imposta pelo Império – como foi com Jesus Cristo.  Na Idade Média, os hereges, as bruxas, os “inimigos da fé” eram queimados na fogueira: maneira de manter a ordem social, os valores e a autoridade da Igreja Católica.

Com o passar do tempo – e com o próprio crescimento da sociedade –, as políticas repressivas foram se tornando cada vez mais amplas. E cada vez mais alinhadas aos interesses do capitalismo. Durante a Revolução Industrial, políticas de repressão foram amplamente utilizadas pelo Estado em aliança com a burguesia para controlar os operários e proteger os lucros das empresas. Leis antissindicais, violentas repressões a greves, e constante vigilância sobre movimentos trabalhistas seriam alguns exemplos.

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Já durante o Apartheid na África do Sul (1948-1994), a minoria branca utilizou da violência estatal – incluindo prisões arbitrárias, tortura e assassinatos –, para manter o controle sobre a maioria negra e as etnias não-brancas. Sustentou, assim, uma estrutura de poder econômica e social que perpetuava a desigualdade e a opressão racial.

Ou seja, mesmo que a princípio as políticas de repressão sejam maneiras de promover a segurança social, elas acabam servindo também para impedir tudo que é indesejado pelo Poder Público e, no limite, são instrumentalizadas para servir a determinados grupos.

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“A própria Justiça pode se tornar um instrumento de repressão, com juízes e promotores agindo em conluio com o governo para aplicar penas severas a críticos e opositores, enquanto ignoram abusos cometidos por agentes do Estado”, explica o professor Luis. “Isso cria um sistema de justiça parcial e antidemocrático, onde os ricos e poderosos privilegiam-se de impunidade, enquanto os desfavorecidos enfrentam punições severas e desproporcionais.”

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Alternativas

Ainda que políticas de repressão sejam necessárias em certas situações, como no combate ao crime organizado e a grupos paramilitares, o professor ressalta que políticas públicas de acesso à educação, saúde, cultura e direitos sociais básicos, como habitação e salário digno, atuam como medidas preventivas, reduzindo os danos causados pela violência estatal no combate à violência ilegal.

“Ao garantir que as cidadãs e cidadãos tenham acesso a oportunidades educacionais de qualidade, cuidados de saúde adequados e habitação digna, os governos podem reduzir as desigualdades socioeconômicas que alimentam o crime, o fanatismo e a intolerância”, explica.

Em alguns países, observa-se que o investimento nessas políticas públicas promove justamente a queda da criminalidade e, por consequência, a menor necessidade de políticas repressivas. “Países da chamada Europa Setentrional, como Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca, conhecidos pela defesa do Estado do Bem-Estar Social, são exemplos bem sucedidos de lugares onde a ampliação do acesso a direitos como educação, saúde, cultura, saneamento, moradia e emprego digno combate, na medida do possível, tanto a criminalidade quanto formas de fanatismo político e religioso.”

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