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O papel da Funai, de sua criação até os dias de hoje

Entenda por que o órgão foi classificado como "anti-índigena" nos últimos anos e quais são as promessas daqui para frente

Por Luccas Diaz
Atualizado em 24 jan 2023, 09h01 - Publicado em 26 jul 2022, 09h00

A Fundação Nacional do Índio, mais conhecida pela sigla Funai, passou a se chamar, em janeiro de 2023, Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A alteração pode parecer sutil, mas indica uma mudança no rumo das política direcionadas aos povos originários no país.

Como já explicamos neste texto, o termo “índio” remete a estereótipos preconceituosos relacionados aos povos indígenas, além de ter conotação negativa ligada à selvageria e atraso. A palavra “indígena” é mais adequada para se referir aos povos originários, visto que se traduz como “natural do lugar em que se habita, aquele que está ali antes dos outros”.

Sob a gestão do presidente Lula, a atualização no nome da fundação acontece junto à criação de um novo ministério dedicado às políticas indigenistas, o Ministério dos Povos Indígenas, presidido pela ativista social Sônia Gajajara. Retomar os avanços na política indigenista brasileira é um dos objetivos da nova gestão Lula.

Nos últimos quatro anos, a liderança da Funai foi caracterizada por especialistas como uma gestão “anti-indígena”. Durante o mandato de Jair Bolsonaro, o órgão sofreu diversos cortes e limitações, além de ter concretizado a promessa do ex-presidente de não demarcar nenhuma terra indígena.

Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE contextualiza o que é, quais são as funções e como foi criada a Funai, além de apresentar dados sobre a gestão do órgão durante o governo Bolsonaro e as promessas para o governo Lula.

O que é a Funai

Fachada do prédio sede da Funai, em Brasília (DF)
A sede da Funai fica em Brasília (DF), mas há unidades de coordenação espalhadas por todo o país (Mário Vilela/Funai/Divulgação)

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas é o órgão indigenista oficial do Governo Federal brasileiro. Antes vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), é o responsável por garantir, promover e desenvolver os direitos dos povos indígenas do Brasil. Em janeiro de 2023, o presidente Lula integrou a fundação ao recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, presidido pela ministra Sônia Gajajara.

A sua atuação é difundida em diversas vertentes. Em linhas gerais, pode-se afirmar que o órgão tem o objetivo de preservar de modo sustentável a vida dos povos originários, incluindo suas terras, costumes, línguas e tradições.

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O trabalho da Funai inclui ainda estudos de reconhecimento, delimitação e demarcação de terras indígenas, além de ações de conservação e de controle de danos em possíveis impactos resultantes de interferências externas.

Compete ao órgão a garantia e o monitoramento de políticas que promovam uma ligação saudável entre os povos indígenas e as instituições federais, incluindo a proteção dos povos que vivem de maneira isolada, como os localizados na região do Vale do Javari, na Amazônia.

A sede da Funai fica em Brasília, no Distrito Federal, mas há unidades e bases de proteção espalhadas por todo o país, sendo a maioria em regiões de áreas de contato com povos indígenas. Alguns exemplos são a Coordenação Regional do Xingu (MT), do Alto Solimões (AM), de Guarapuava (PR) e Guajará-Mirim(RO)

Em que contexto a Funai foi criada

Crianças sentadas na escada de uma sede do Serviço de Proteção ao Índio
Antecessor da Funai, Serviço de Proteção ao Índio foi fundado em 1910 e extinto em 1967 (Arquivo Nacional Mapa Memória da Administração Pública Brasileira/Reprodução)

A Funai foi criada ainda durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), por meio da Lei nº 5.371, em dezembro de 1967, com a função de substituir o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Este, em vigor desde 1910 foi extinto naquele ano pelo presidente Costa e Silva, após uma série de escândalos de corrupção e crimes contra os próprios povos indígenas.

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Resumo: a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), do início ao fim

No contexto de criação do SPI, é importante ressaltar que o órgão buscava preencher uma lacuna na política brasileira em relação aos povos indígenas – considerando que a república havia sido declarada há apenas 21 anos, em 1889.

Até a sua criação, as únicas políticas indigenistas desenvolvidas no país eram feitas pela Igreja Católica, quase que exclusivamente por missionários ainda ancorados na ideia de catequização dos povos originários. A essa altura, a separação entre Igreja e Estado já havia sido oficializada na instauração da República, mas a mentalidade cristã perpetuava. O teor evolucionista difundido pelo SPI se baseava na concepção de que não se “era” indígena, se “estava” indígena.

Entenda clicando aqui o que é um Estado laico

A visão autoritária, tida até mesmo como paternalista por alguns estudiosos, pautou a existência dos povos indígenas como um obstáculo ao desenvolvimento do Brasil moderno, defendendo que esses indivíduos deveriam ser integrados à sociedade e contribuir para a economia nacional.

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“Tribos foram dizimadas não só pelas balas assassinas, mas com a conivência, embora indireta, do SPI, que as chamava à ‘civilização’ e as ‘atraía’ sem ter meios para atender os primeiros embates, sempre danosos para a comunidade indígena”, escreveu José Maria da Gama Malcher, ex-diretor do SPI entre 1951 e 1955, no dossiê “Por que fracassa a proteção aos índios” de 1963.

A criação da Funai, em 1967, dessa forma, foi concebida como parte integrante do plano de reformar a estrutura administrativa do Brasil adotada pelo regime militar – para promover, sobretudo, o desenvolvimento político e econômico do interior do país.

O interesse militar no potencial lucrativo da Amazônia colocou a política indigenista como intermediária para a construção de estradas, hidrelétricas e para a exploração dos recursos naturais – motivações de cunho político e econômico.

Conheça neste link o legado de problemas deixados pela ditadura militar no Brasil

A Funai do governo Bolsonaro

O presidente da Funai, Marcelo Xavier
O ex-presidente da Funai, Marcelo Xavier (Isac Nóbrega/Wikimedia Commons/Reprodução)
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“Funai se transformou em Fundação Anti-indígena”, alertou, em junho de 2022, o dossiê “Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro“. O documento, publicado pela INA (Indigenistas Associados) e pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), coletou dados da política adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro desde os meses iniciais de sua campanha, em 2018, até o primeiro semestre de 2022.

Os órgãos classificaram a última gestão da Funai como “anti-indigenista”, marcada pela presença de militares em cargos de chefia, cortes no orçamento e desassistência geral aos povos originários. O documento compilou declarações polêmicas do ex-presidente em relação à fundação, como quando, ainda em campanha eleitoral, afirmou que iria dar “uma foiçada no pescoço” da Funai.

De acordo com o relatório, durante a gestão Bolsonaro, apenas 2 das 39 coordenações regionais do órgão foram lideradas por indígenas. O último presidente da fundação foi Marcelo Augusto Xavier, nomeado pelo próprio ex-presidente em julho de 2019.

Sua chegada ao órgão ocorreu pouco tempo depois da medida provisória que tentava submeter a função de demarcação das terras indígenas da Funai ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ter sido barrada duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Marcelo Xavier era ex-delegado da Polícia Federal no Mato Grosso e não tinha experiência prévia com políticas indigenistas. Sua proximidade com a bancada ruralista foi apontada pelo dossiê como um fator fundamental para entender sua conduta na fundação.

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Em uma audiência com produtores rurais para discutir questões agrárias do Mato Grosso do Sul, chegou afirmar que atendia aos interesses do grupo: “Eu estou colocando pessoas de minha confiança nas bases agora, justamente para atender aos senhores. Então, eu quero trazer aqui o recado a todos vocês que confiem no presidente da Funai.”

O que são direitos humanos? Clique aqui e confira um resumo sobre o tema

Ainda em campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro havia dito que não demarcaria “nem mais um centímetro” de terra indígena. A fala do presidente se concretizou: de 2019 a 2022, nenhuma terra indígena foi delimitada com o intuito de oficializar e garantir a dimensão do terreno – ainda que a Constituição de 1988 e o Estatuto do Índio prevejam este direito. Foi a primeira vez que isso ocorreu durante todo um mandato, desde a redemocratização.

Segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA), apenas 13,8% de todas as terras do Brasil são reservadas aos povos indígenas. Dentre desse perímetro, se encontram 725 terras indígenas, em diferentes estágios de demarcação.

A nova cara da Funai

Joenia Wapichana assume a presidência da Funai em cerimônia.
Joenia Wapichana assume a presidência da Funai em cerimônia realizada em janeiro de 2023. (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil/Reprodução)

Uma das promessas anunciadas pelo presidente Lula durante sua campanha eleitoral foi a retomada dos avanços na política indigenista brasileira, incluindo demarcação de terras e políticas direcionadas aos povos isolados. Já na primeira semana de janeiro de 2023, o presidente anunciou a criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas e a atualização no nome da Funai.

Lula escolheu para presidir o ministério a ativista Sônia Gajajara, conhecida internacionalmente pela sua luta na causa indígena. Ela é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e participou, no fim de 2022, da equipe de transição do presidente. Foi eleita em 2022 pela revista americana Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

Além de Gajajara como ministra, foi anunciado também o nome de Joenia Wapichana para a presidência da Funai – a primeira pessoa indígena a ocupar o cargo. A ex-deputada foi a primeira mulher indígena a se formar como advogada no Brasil, e também a primeira deputada federal indígena na Câmara. Wapichana já presidiu a Comissão Nacional de Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), participou da banca de discussões da Declaração dos Direitos Humanos, e ganhou diversos prêmios internacionais pela sua luta em prol da causa indígena, entre eles o Prêmio de Direitos Humanos da ONU, em 2018.

Ainda nas primeiras semanas do ano, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou Weibe Tapeba como o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. Tapeba é advogado, ex-vereador de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza e membro da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).

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