Este texto foi originalmente publicado no portal Na Prática, parceiro do Guia do Estudante
Cerca de 13 milhões de pessoas estão desempregadas no Brasil, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O número representa, aproximadamente, 12,4% da população. Com um cenário pessimista para os empregos formais, as pessoas buscam alternativas de trabalho, seja para garantir alguma forma de sustento ou complementar a renda.
Com esse contexto, e a necessidade das pessoas de ganharem dinheiro para sobreviver, surgiu o que ficou conhecido como a uberização do trabalho. Esse modelo prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda. A advogada trabalhista Deborah Gontijo, do escritório Kolbe Advogados Associados, afirma que a uberização é, na verdade, a modernização das relações de trabalho.
“É natural que isso aconteça por conta do cenário econômico, não só do Brasil, mas do mundo. Há um grande aumento na automação e na inteligência artificial, que cuida das tarefas repetitivas. Isso faz com que aumente uma demanda por um novo tipo de trabalho, onde as próprias pessoas querem ter uma nova rotina, com autonomia nas tarefas e a possibilidade de optar por quando querem trabalhar”, explica.
Entendendo o conceito de uberização
O próprio nome varia da empresa Uber, na qual os motoristas possuem essa liberdade e atuam de acordo com a demanda dos clientes, se aceitarem a corrida (ou o trabalho). O modelo é visto como uma forma mais eficiente de atuação, não se restringe a quem trabalha com aplicativos. É o caso do consultor internacional de segurança Leonardo Sant’Anna, que presta serviços e ministra treinamentos nas áreas empresarial e patrimonial.
Ele acredita que o próximo passo do mercado é que cada pessoa se torne seu próprio empresário e gestor. “É melhor não só para mim, como para diversas outras pessoas. Hoje, o foco mundial está na gestão por resultados, em ter uma fonte de renda adicional, desburocratização para contratação, na efetividade do que você oferece, flexibilidade de jornada e horário e na melhoria da distribuição de renda. A uberização contribui com tudo isso”, defende.
Contudo, a advogada Deborah ressalta que o modelo, de certa forma, também traz uma precarização do trabalho. “Quando a pessoa não tem uma relação de emprego formalizada, ela perde algumas garantias, não recebe por horas extras, pode trabalhar muito a mais do previsto em lei, em horários prejudiciais à saúde. Ela arca com todos os riscos da atividade profissional”, exemplifica.
Já Rogério Dias, professor do UniCEUB e especialista em direito do trabalho, acredita que a uberização é sinônimo de precarização. “A pessoa que faz esse serviço não tem nenhum direito ou garantia. Ele está totalmente desamparado pela legislação. Levando em consideração o alto nível de desemprego, as pessoas estão se submetendo a isso para ter uma renda mínima e sobreviver”, avalia.
Contratos pontuais
O empresário Flávio Mikami é produtor de eventos e utiliza de mão de obra esporádica. “Temos uma equipe de sessenta pessoas que costuma trabalhar conosco, mas não é um emprego fixo. São chamados pelo serviço, que geralmente dura uma semana cada. Preferimos esse modelo porque os eventos não ocorrem com uma frequência tão grande”, explica.
Ele acredita que a tendência é crescer cada vez mais as contratações pontuais. “O único lado negativo é que os contratantes esbarram em problemas de legislação, que limitam, por exemplo, a periodicidade do trabalho. Se tivesse uma regulamentação maior em cima disso, facilitaria esse tipo de contratação, que é interessante para quem trabalha com serviços esporádicos”, aponta.
O advogado Rogério também percebe que a falta de regulamentação contribui com a precarização. “A regulamentação é necessária e precisa vir o mais rápido possível, mas ainda assim teríamos que avaliar o conteúdo dessa legislação. Porque se não proteger a pessoa de forma completa, não vale muita coisa. O ideal seria ter o salário mínimo e contribuições para o INSS. Mas se a regulamentação ocorrer, acredito que acabaria com grande parte desse tipo de serviço”, pondera.
Mesmo assim, Flávio percebe que a uberização é positiva para o trabalhador e para a economia do país. “É uma possibilidade a mais e de gerar renda. Há uma demanda de pessoas que estão sem poder trabalhar e que usam esses serviços pontuais como fonte de renda principal. Mas precisa regulamentar”, defende.
Prós…
- Alternativa para o desemprego
- Liberdade para escolher horários e tarefas
- Flexibilidade
- Você é seu próprio chefe
- Foco em resultados
- Possibilidade de aumentar a renda
- Mais tempo para a vida pessoal
E contras
- Falta de estabilidade
- Sem salário fixo
- Depende do esforço ativo do trabalhador
- Perda de garantias trabalhistas da CLT
- Falta de legislação
- Possível precarização do trabalho
- Falta de remuneração por hora extra
Competências e oportunidades
Diretor executivo da Associação Brasileira de Consultores Empresariais (Abracem), Carlos José de Medeiros aponta como características da uberização a disponibilidade de ir ao encontro do cliente, a não necessidade de exclusividade e possibilidade de explorar áreas fora da atuação principal, mas privilegiando suas expertises.
Ele defende que é necessário compreender quais são as competências que a pessoa desenvolveu ao longo dos anos para aplicá-las nos serviços. “Com o cenário econômico do país, as pessoas precisam buscar alternativas e percebem a necessidade de dar uma identidade para quem trabalha de forma independente. As perspectivas são positivas, mas é preciso manter os pés no chão”, avalia.
Carlos também percebe que as mudanças trazidas pela modernização da internet impulsionam alterações nos modelos de trabalho. “Quanto mais tecnologia temos, mais tempo sobra, seja para trabalhar mais, se dedicar à família ou à vida pessoal. Os robôs só acabam com o trabalho repetitivo, mas não com as oportunidades de trabalho”, conclui.
Dicas para o profissional lidar com a uberização
#1 Organize-se: você vai precisar saber administrar bem seu tempo, seus recursos e suas reservas financeiras.
#2 Saiba o valor do seu trabalho: não adianta cobrar um preço muito baixo para ser competitivo e não ter retorno financeiro.
#3 Proteja-se: como autônomo, você pode extrapolar limites de carga de trabalho que podem ser prejudiciais a sua saúde. Além disso, não vai ter legislação que te ampare da mesma forma que um trabalhador formal, nas questões trabalhistas.
#4 Firme contratos: Para deixar claro o serviço que você vai oferecer a uma empresa e a contrapartida dela, é ideal assinar um contrato de prestação de serviço autônomo ou de trabalho intermitente, dependendo do tipo de vínculo acordado.
Para saber mais
Documentário – Gig, a Uberização do Trabalho (2019), dirigido por Carlos Juliano Barros, Caue Angeli e Maurício Monteiro Filho. Disponível na íntegra no site da Globo News, no Net Now e no Vivo Play.
Livro – Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0 (Boitempo) organizado por Ricardo Antunes
Livro – Uberização: a nova onda do trabalho precarizado(Editora Elefante), de Tom Slee