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O que é pobreza menstrual e como ela afeta a sociedade

Seja por falta de recursos, desinformação ou tabu em torno do assunto, uma parcela significativa da população é impactada por esse problema

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 18 mar 2022, 14h05 - Publicado em 7 mar 2022, 19h32
Pessoas que menstruam enfrentam problemas de infraestrutura, falta de recursos financeiros e estigmatização
 (David Talukdar/NurPhoto/Getty Images)
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Embora a ONU (Organização das Nações Unidas) considere o acesso à higiene menstrual um direito, que deve ser tratado como uma questão de saúde pública, não é isso que ocorre na prática. No Brasil, uma em cada quatro adolescentes não possui um absorvente durante seu período menstrual. O dado é do relatório Livre para Menstruar, elaborado pelo Girl Up, um movimento global para promoção de lideranças femininas. 

Outros estudos também apontam para esse cenário de precariedade enfrentado durante a menstruação. O “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, elaborado pelo UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) e pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), indica que 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio. Outras 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, como absorventes, sabonetes ou mesmo banheiros.

Para a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a ausência de condições sanitárias mínimas para que as pessoas possam gerenciar sua menstruação é uma violação de Direitos Humanos e uma condição que distancia o país dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 3, relacionado à saúde e ao bem-estar.

“A menstruação é uma condição perfeitamente natural que deve ser mais seriamente encarada pelo poder público e pelas políticas de saúde. Quando não permitimos que uma menina possa passar por esse período de forma adequada, estamos violando sua dignidade”, afirma Astrid.

O que é pobreza menstrual? 

A pobreza menstrual se define pela falta de recursos básicos (absorventes ou coletores menstruais, sabonetes, água, papel higiênico, etc), infraestrutura adequada (banheiros seguros e bem conservados, saneamento básico, coleta de lixo) e conhecimento (quebra de tabus e preconceitos sobre o tema) para que pessoas que menstruam tenham plena capacidade de cuidar de sua menstruação. É importante ressaltar que além de meninas e mulheres, homens transexuais também menstruam.

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Assim, as causas da pobreza menstrual giram, principalmente, em torno da desigualdade social, uma vez que as pessoas mais atingidas por esse problema são as que não têm recursos para a compra os itens de higiene ou não têm acesso a informações sobre o tema. 

“Estima-se um gasto de R$ 30 por ciclo menstrual. Considerando que 13% da população vive com menos de R$246 mensais, pode ser inviável destinar uma parte do orçamento à compra desse tipo de produto”, afirma Regiane Mançano, professora de Redação do Colégio Oficina do Estudante de Campinas (SP). Fazendo as contas, não é difícil entender porque o absorvente é, muitas vezes, encarado como um produto supérfluo – nessas condições, o foco é garantir a alimentação da família. 

A professora aponta ainda que a pobreza menstrual também tem relação com a desigualdade de gênero. “Mesmo sendo um problema antigo, a questão ganhou destaque nas discussões públicas apenas recentemente, talvez por ser um problema que não atinge homens cisgênero, notadamente privilegiados em uma sociedade patriarcal”, completa.

Embora a questão econômica seja o fator central da pobreza menstrual, o tabu e a falta de informação sobre o tema faz com que a situação se torne ainda pior.

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Principais impactos 

Impactos sociais: os impactos da pobreza menstrual são, principalmente, sociais. “Sem infraestrutura e itens básicos de higiene, meninas deixam de ir às escolas e de participar de atividades de socialização, assim como mulheres deixam de ir trabalhar. Nota-se, portanto, o impacto direto na educação e na economia. Não à toa elas largam empregos e escola devido à falta de recursos para lidar com o período menstrual”, afirma Daniela Toffoli, professora de redação do Curso Anglo.

Impactos psicológicos: a falta de conhecimento e informação reforçam certos tabus em torno da menstruação, gerando diversos tipos de preconceito. Muitas jovens têm, inclusive, vergonha de ir ao médico e desconhecem o funcionamento do próprio corpo. Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pela FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) juntamente com o Datafolha constatou que 4 milhões de mulheres no Brasil nunca foram ao ginecologista e 16,2 milhões não se examinam com o especialista há mais de um ano por vergonha, medo de algum diagnóstico ou simplesmente por não gostarem.

Segundo relatório da Unicef, a menstruação também pode causar “desconfortos, insegurança e estresse, contribuindo, assim, para aumentar a discriminação que meninas e mulheres sofrem. A situação coloca em xeque o bem-estar, desenvolvimento e oportunidades para as meninas, já que elas temem vazamento do sangue, dormem mal, perdem atividades de lazer e deixam de realizar exercícios físicos. Elas sofrem ainda com a diminuição da concentração e da produtividade.”

Impactos na saúde íntima: o mesmo documento aponta que a falta de cuidados com a menstruação pode causar alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais (como a cistite e a candidíase) e até uma condição conhecida como Síndrome do Choque Tóxico, que pode levar à morte. 

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Pobreza menstrual em idade escolar

Uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual, segundo dados da ONU. No Brasil, esse número é ainda maior: uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes. O levantamento “Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil”, encomendado por uma marca de absorvente e feito pela consultoria Toluna, mostra que, com isso, jovens perdem, em média, até 45 dias de aula por ano letivo devido a falta de condições durante o período menstrual.

O dado é extremamente preocupante considerando que a maioria absoluta das meninas passará boa parte de sua vida escolar menstruando. Segundo a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2013, a média de idade da primeira menstruação das mulheres brasileiras é de 13 anos, sendo que quase 90% delas têm essa primeira experiência entre 11 e 15 anos de idade. 

Quando as pessoas faltam na escola durante a menstruação, o processo de aprendizagem e a qualificação profissional ficam comprometidos, gerando consequências para o presente e para o futuro dessa parcela da população. O resultado final pode ser a evasão escolar.

“A ausência das meninas nas escolas durante o período menstrual afete significativamente seu rendimento escolar, e por isso não é incomum que essa situação as faça abandonar os estudos em determinado momento de sua vida”, explica Daniela. 

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Como ainda estão em fase de crescimento, os ciclos costumam ser irregulares, o que pode provocar um fluxo de sangue inesperado, manchando a roupa e também tornando adolescentes alvo de piadas e preconceito.

Além disso, não há, em boa parte das escolas, infraestrutura de higiene suficiente para atender as necessidades básicas de pessoas que menstruam. Hoje, mais de 4 milhões de estudantes frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar.

Nos presídios

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 24,9% das mulheres presas no Brasil estão em presídios que não oferecem estrutura adequada no módulo de saúde, que deveria garantir a saúde individual e coletiva no local. 

Com isso, muitas não têm acesso a um kit de higiene adequado, com a quantidade recomendada de absorventes para usar ao longo de um dia. Elas acabam recorrendo ao uso de materiais inapropriados para conter o fluxo, como panos, restos de jornal, papel higiênico e até miolo de pão, aumentando o risco de doenças e infecções.

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Como combater?

Existem uma série de medidas que podem ser tomadas para combater a pobreza menstrual e, segundo Daniela, o principal ator nessas ações deve ser o Governo por meio de políticas públicas. Entre essas políticas estão:

  • investimento em aulas de educação sexual para que crianças e adolescentes possam ter acesso a informação sobre a menstruação;
  • investimento em infraestrutura nas escolas (banheiro e itens de higiene);
  • distribuição de absorventes e itens básicos de higiene para a população mais carente, inclusive nas escolas públicas;
  • distribuição gratuita, em postos de saúde, de medicamentos para que as mulheres possam lidar com problemas menstruais;
  • campanhas de conscientização dentro e fora das escolas para ensinar crianças e adolescentes sobre o funcionamento do ciclo menstrual, diminuindo o tabu sobre o assunto.

Enem

Por ser algo socialmente relevante e que impacta uma parcela significativa da população, as professoras afirmam que esse é um tema com a “cara” do Enem.

Na redação, a banca pode cobrar, por exemplo, que o candidato explore, ao longo da argumentação, as causas e os efeitos que este problema gera para a sociedade, a partir de exemplos e dados estatísticos. 

Por isso, a dica é fazer um resumo com as principais causas (tabu, falta de recursos financeiros, desinformação) e consequências (prejuízos para a vida escolar, risco à saúde) da pobreza menstrual. 

Além disso, é importante explicar como o problema se relaciona com a violação dos Direitos Humanos e pensar em algumas propostas de intervenção, como as políticas públicas mencionadas acima.

Para se aprofundar

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