Se dissessem para você que um brasileiro é um dos três teóricos mais citados no mundo você acreditaria? Possivelmente, não. Mas deveria. Porque ele existe e se chama Paulo Freire.
O educador, que faria 100 anos em setembro de 2021, morreu no dia 2 de maio de 1997. Às vésperas de seu centenário, tem tido seu legado vilipendiado por grupos de extrema direita, que o acusam de fazer uma doutrinação “de esquerda” que nunca teve respaldo em sua teoria. Embora fosse um crítico do capitalismo, Freire sempre defendeu a autonomia intelectual de seus alunos, pois essa era a função do processo educacional.
Para celebrar a memória de Freire nos 24 anos de sua morte, o GUIA preparou um especial com as ideias do grande pensador brasileiro.
Alfabetização em suas próprias palavras
Paulo Freire criou um método de alfabetização, usado inicialmente junto a adultos, que pretendia ensinar o aluno a ler e a escrever a partir da seleção de palavras-chave de seu vocabulário – que, por sua vez, expressariam a sua cultura. Nada de vovô viu a uva da vovó. O método foi utilizado pela primeira vez em Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, onde aproximadamente 75% dos adultos eram analfabetos. A metodologia, posteriormente, seria aplicada para crianças.
Aprendizado ativo
Para Freire, a sala de aula deveria ser um espaço de troca e produção de conhecimento. Nada de alunos calados apenas ouvindo o professor. O saber, ele defendia, nasceria da mediação entre o conhecimento formal e o repertório do aluno realizada pelo professor.
Decoreba? Esquece
Para o pensador, o aprendizado era uma maneira de conhecer o mundo – para transformá-lo – e já sabendo que ele está mesmo em constante transformação. “O mundo não é, está sendo”, dizia. “Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para, em seguida, poder reescrever essa realidade (transformá-la)”. Essa visão tinha um caráter libertador das populações mais pobres e oprimidas, razão pela qual Freire foi preso e exilado no período da ditadura civil-militar (1964-85).
Não existe neutralidade
Freire criticava a ideia de educação neutra. Isso não significa, como afirmam alguns setores hoje em dia, que o pensador fosse adepto de uma educação doutrinadora. Não. O que ele pretendia era que os estudantes, a partir do processo de aprendizado, tivessem a capacidade de situar-se no mundo de maneira crítica, de modo a transformá-lo. “Educação ou funciona como um instrumento que é usado para facilitar a integração das gerações na lógica do atual sistema e trazer conformidade com ele, ou ela se torna a ‘prática da liberdade’, o meio pelo qual homens e mulheres lidam de forma crítica com a realidade e descobrem como participar na transformação do seu mundo.”
Educação em três etapas
Freire dividia a aprendizagem em três momentos. O primeiro é aquele em que o educador se inteira do que o aluno conhece, de modo a trazer o seu universo para a sala de aula. Em seguida, o educador deve explorar as questões como temas em discussão, permitindo ao educando sair do senso comum e desenvolver sua capacidade crítica. A última etapa é da problematização: o conteúdo analisado transforma-se em propostas de ação para superar problemas e dilemas da realidade. Para o pensador, este é o objetivo final do ensino.
O mundo está em constante transformação – e a educação também
O antidogmatismo de Freire estendia-se à sua própria obra. Ele mesmo dizia que seus métodos deveriam ser atualizados com o passar do tempo.
Obras
A “Pedagogia do Oprimido”, obra mais famosa do autor, e outros de seus livros estão disponíveis no Brasil pela Editora Record. Em 2019, a editora Todavia publicou um perfil biográfico do pensador, escrito pelo educador Sérgio Haddad.
Para saber mais, veja também uma entrevista com Mário Sergio Cortella e Sérgio Haddad sobre Paulo Freire:
NOTA
A versão anterior deste texto informava que o autor teve influência marxista. Esta informação foi excluída, em razão da imprecisão do termo. Embora vários pesquisadores usem as ideias de Karl Marx para estudar a obra de Freire, ele era mais alinhado às teorias de Hegel (que, por sua vez, influenciou Marx).
Uma versão anterior também informava que Freire defendia que o saber “nasceria da interação entre professores e estudantes, a partir da realidade destes, com a mediação dos primeiros”. A redação foi substituída para “nasceria da mediação entre o conhecimento formal e o repertório do aluno realizada pelo professor”, por razões de precisão.