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Peru: quatro presidentes em quatro anos

Entenda a crise política do país que, só em novembro, teve três presidentes

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 24 nov 2020, 10h59 - Publicado em 23 nov 2020, 18h56
 (juliana vitoria/Reprodução)
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O cenário político na América Latina enfrenta profundas mudanças desde o início deste ano. No Chile, a população decidiu, em um plebiscito, por uma nova constituição, após meses de manifestações. Na Bolívia, o partido do presidente deposto Evo Morales voltou à chefia do Executivo com a vitória de Luis Arce. Já o Peru ganhou o noticiário internacional este mês após trocar três vezes de presidente em uma mesma semana – ao todo, foram quatro nos últimos quatro anos. Pois é, não dá para culpar o estudante que não sabe mais de cor o nome do atual presidente peruano. 

Acontece que a crise política no Peru, apesar de ter se aprofundado agora, remete, pelo menos, às últimas duas décadas. Uma longa lista de presidentes condenados por corrupção, revoltas populares e até relações com a Lava Jato: o GUIA traz um histórico dos acontecimentos mais importantes no país vizinho para você não ser pego de surpresa nas provas. 

De PPK a Francisco Sagasti: um mandato de quatro presidentes

Antes de tudo, o nome do atual presidente peruano: Francisco Sagasti. Desde 16 de novembro, o engenheiro, pesquisador e escritor é o novo presidente do país, escolhido pelo Congresso com 97 votos a seu favor. Em um primeiro momento, a escolha de Sagasti parece não ser a mais óbvia –  novo na política, ele conquistou seu primeiro mandato este ano. 

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Sua escolha, no entanto, foi estrategicamente pensada para acalmar a população que vai às ruas desde a deposição do presidente Martín Vizcarra. O partido de Sagasti, o centro direitista Morado, foi um dos únicos que votou em bloco contra o afastamento de Vizcarra na primeira semana de novembro. A expectativa dos congressistas é que o novo presidente seja uma figura moderadora e “técnica” que conduza o Peru até as próximas eleições, marcadas para abril de 2021. 

Sagasti entra no lugar de Manuel Merino, que foi chefe do Executivo peruano por apenas seis dias. A nomeação de Merino, que era até então presidente do Congresso, foi o estopim para que a insatisfação popular transbordasse para as ruas, mesmo diante do cenário desolador da pandemia no país.

Em termos proporcionais, o Peru é o terceiro do mundo em mortes pela covid-19. Diante das manifestações marcadas por violência e repressão, da pressão do novo chefe do Congresso e do pedido de demissão de 13 de seus 18 ministros, Merino renunciou no dia 15. No mesmo dia, dois manifestantes haviam morrido ao serem baleados em um protesto. 

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“Neste momento em que o país atravessa uma das maiores crises políticas, quero informar a todo o país que apresento minha renúncia irrevogável à Presidência e invoco a paz e a união de todos os peruanos”, afirmou em rede nacional. A população peruana comemorou nas ruas. 

Todo esse clamor popular, no entanto, não significa necessariamente apoio ao antecessor de Merino, o ex-presidente alvo de deposição Martín Vizcarra. Em entrevista à Veja, o cientista político Jaime Zelada Bartra, da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, afirmou que os protestos refletem, antes, uma insatisfação com a classe e o jogo político. “Os fracassos na economia e na luta contra a corrupção aprofundaram desigualdades na sociedade, agravadas ainda mais pela pandemia”, explicou. 

Martín Vizcarra foi o segundo de quatro presidentes peruanos desde as eleições de 2016. Ele assumiu o país em março de 2018, depois da renúncia de Pedro Pablo Kuczynski (conhecido pela sigla PPK). Kuczynski presidiu o Peru de 2016, quando foi eleito, a 2018, mas acabou renunciando quando o Congresso arquitetava a segunda tentativa de impeachment contra ele. Eleito com um discurso anticorrupção, PPK foi investigado e condenado no âmbito da “Lava Jato peruana”, sob a acusação de ter recebido propinas da empresa brasileira Odebrecht. 

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Vizcarra, vice de PPK, ficou por dois anos e meio na presidência, mas não tinha base forte no Congresso e não conseguiu articular junto de importantes grupos políticos. Acabou ele próprio acusado de corrupção por supostamente favorecer um músico local, Richard Swing, por meio de pagamentos superfaturados. O artigo da constituição usado para destituí-lo, no entanto, gerou questionamento de especialistas. Vizcarra foi deposto por “incapacidade moral”. 

“Historicamente, essa é uma figura jurídica que trata de determinar se o presidente está bem de saúde mental, mas foi interpretada com o passar do tempo para supervisionar se o presidente é uma pessoa moral. Isso é uma violação do devido processo legal, pois não se pode saber de antemão o que é moral para o Congresso”, afirmou em entrevista ao Nexo  Alonso Gurmendi, doutor em direito e professor licenciado da Universidade do Pacífico (Lima).

Contrariando suas declarações iniciais de que não tentaria retornar ao posto, o ex-presidente Vizcarra contesta agora na Justiça sua deposição e tenta retomar a presidência. O Tribunal Constitucional do Peru também investiga a derrubada de Vizcarra, enquanto ONGs de Direitos Humanos apontam possibilidade de golpe. Para a Human Rights Watch, a deposição de Vizcarra pode ser considerada uma “ameaça ao Estado de Dreito”.

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Vinte anos de condenações

É certo que essa troca vertiginosa de presidentes desde as últimas eleições levou a política peruana ao limite, mas o histórico de ao menos duas décadas já fornecia um prenúncio de que as coisas não iam tão bem por lá. Pedro Pablo Kuczynski elegeu-se em 2016 como “outsider” e sob um forte discurso contra a corrupção justamente por esse ser um ponto fraco dos governos anteriores. Todos os presidentes peruanos desde o ano 2000 –  agora inclusos PPK e Vizcarra – foram, em algum momento, alvo de investigação por corrupção. 

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Alejandro Toledo, presidente entre 2001 e 2006, foi o primeiro a assumir a presidência após a queda de Alberto Fujimori –  este considerado um ditador por ter fechado o Congresso e o Judiciário com auxílio das Forças Armadas, além de ter perseguido opositores. Apesar de ter concluído seu mandato, Toledo foi, em 2017, investigado e condenado por corrupção, e desde o ano passado cumpre pena no Peru. 

Seu sucessor, Alan García, foi eleito em 2006 e governou o país até 2011. Em 2019, ano em que Toledo foi preso, García também recebeu uma ordem de prisão, mas acabou suicidando-se antes de ser detido. Por fim, o último presidente peruano antes de PPK foi Ollanta Humala, que governou o país até 2016. Assim como PPK, ele também acabou investigado no âmbito da Lava Jato peruana e acabou condenado em 2017.

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