Plano do governo para Amazônia mantém desmatamento
Especialistas criticam meta apresentada para 2022, que é 16% maior do que o desmatamento registrado um ano antes do início do governo Bolsonaro
Jornal da USP/ Por Herton Escobar.
Arte: Moisés Dorado
O governo federal divulgou nesta semana o seu Plano Amazônia 2021-2022, com uma série de objetivos e diretrizes para o combate ao desmatamento na região amazônica nos próximos dois anos.
A meta principal do plano é surpreendente: “Reduzir até o final de 2022 os ilícitos ambientais e fundiários, particularmente as queimadas e o desmatamento ilegal, aos níveis da média histórica do PRODES (2016/2020)”. Acontece que a média de desmatamento nesses últimos cinco anos foi de 8.790 km2/ano, uma taxa 16% maior do que a área que foi desmatada em 2018, último ano antes da eleição de Jair Bolsonaro.
Comparada à média dos dez anos anteriores à atual gestão (6.493 km2), a meta proposta corresponde a um aumento de 35%. A última vez que o desmatamento foi maior do que 8 mil km2 foi 13 anos atrás, em 2008, quando foram desmatados 12.900 km2 de floresta. Ou seja: a proposta do governo, na melhor das hipóteses, é manter o desmatamento num patamar bem acima da média de anos anteriores.
A íntegra do plano foi publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira, 14 de abril, às vésperas da Cúpula do Clima, organizada pelo presidente americano Joe Biden (marcada para 22 e 23 de abril), e em meio a mais uma série de polêmicas envolvendo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e as políticas ambientais do governo Bolsonaro.
Uma das diretrizes do novo plano amazônico é: “Transmitir mensagem clara e direta de que este Governo não tolera qualquer ação à margem da Lei”, algo que não tem sido fácil para o governo.
Este mês, por exemplo, o ministro Ricardo Salles entrou em confronto público com o chefe da Polícia Federal (PF) no Amazonas, Alexandre Saraiva, por causa de uma apreensão recorde de madeira (cerca de 40 mil toras) feita no Estado em dezembro. A PF diz que toda a madeira é de origem ilegal, extraída de terras griladas, mas o ministro argumenta que não há provas dessa ilegalidade, e chegou a viajar duas vezes para o Amazonas, para pressionar pela liberação da carga apreendida (avaliada em R$ 55 milhões).
Na quarta-feira (mesmo dia da publicação do Plano Amazônia), Saraiva apresentou uma notícia-crime contra Salles ao Supremo Tribunal Federal (STF), acusando o ministro de tentar atrapalhar as investigações. No dia seguinte (ontem, 15 de abril), Saraiva foi sacado da chefia da PF no Amazonas, por ordem do novo diretor-geral da PF, Paulo Maiurino.
Em outra decisão polêmica, em novembro, atendendo a uma demanda de empresários do setor madeireiro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) flexibilizou regras para a exportação de madeira nativa do Brasil — eliminando a necessidade de autorização do órgão para isso.
Recentemente, também foi noticiada a possível suspensão do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), que desde 2002 financia a proteção de mais de uma centena de unidades de conservação na região. “O contrato que sustenta essa relação – e consequentemente a execução financeira das atividades do Arpa – venceu no dia 31 de março de 2021 e ainda não há uma previsão formal da retomada do contrato. Enquanto isso, as atividades programadas pelas unidades de conservação também estão suspensas, entre elas ações de fiscalização, a dois meses do início do período crítico de desmatamento e queimadas na Amazônia”, diz a reportagem do site O Eco. O Fundo Amazônia, abastecido principalmente com recursos da Noruega e da Alemanha, também foi escanteado pelo governo, com quase R$ 3 bilhões parados em caixa.
Isso, apesar de o orçamento do MMA previsto para este ano ser o menor das últimas duas décadas, segundo um relatório da ONG Observatório do Clima, resultando em um colapso de recursos que deverá restringir gravemente a capacidade de operação das duas principais agências de defesa ambiental do País: o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ibama. Várias atividades básicas do ICMBio já deverão ser suspensas a partir deste mês, incluindo os serviços de aeronaves para combate a incêndios florestais, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Orçamento do Ministério do Meio Ambiente e entidade vinculadas
O Plano Amazônia prevê o fim das operações militares na região — realizadas por meio da Operação Verde Brasil 2, que se encerra em 30 de abril — e sua “substituição” por ações mais efetivas de fiscalização e de combate a ilícitos por outros órgãos de comando e controle.
A principal estratégia apresentada para atingir essa efetividade consiste em concentrar geograficamente as ações numa série de áreas batizadas no plano como “arco de humanização” — antigamente chamado de “arco do desmatamento”. “A efetividade no combate ao desmatamento ilegal e às queimadas deve ter em conta que a Amazônia Legal é extensa (quase 60% do território nacional), esparsamente habitada e carece de infraestrutura adequada. Assim, a mitigação dos ilícitos, em curtíssimo prazo, depende de uma seleção de áreas que apresentem os maiores índices de perda da cobertura vegetal e incêndios”, diz o plano. O foco inicial será em 11 municípios que concentram as maiores taxas de desmatamento.
O plano é assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal.
O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), lançado em 2004 e responsável pela redução do desmatamento nos 15 anos seguintes, foi abandonado pelo governo Bolsonaro logo no início de sua gestão.