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Presidencialismo de Coalizão: por que não dá para governar sem o Centrão?

Entenda esse nosso sistema político brasileiro, que depende da cessão de cargos para formar alianças e a liberação de verbas para o Congresso

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 21 ago 2024, 13h56 - Publicado em 20 set 2023, 09h57
Arthur Lira cercado de outros deputados federais
Presidente da Câmara, Arthur Lira, comemora sua reeleição ao cargo em fevereiro de 2023 (Andressa Anholete/Bloomberg/Getty Images)
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Para a população, pode ter cheirinho de corrupção. No noticiário político, os analistas comentam como “manobras”, mal ou bem sucedidas. As concessões que o poder executivo – quase sempre na figura do presidente – faz para garantir a governabilidade e aprovar pautas de seu interesse no Congresso podem até mudar um pouco de cara, mas estão longe de ser novidade. Não são exclusividade do governo Lula, assim como não foram do governo Bolsonaro e dos que os antecederam desde 1946. Tanto que foi estudado por cientistas políticos e ganhou até nome: presidencialismo de coalizão.

Trata-se de uma forma de governo genuinamente brasileira, que não é praticada por outras democracias do mundo. Afinal de contas, ela só surgiu por uma série de fatores muito particulares da constituição do nosso sistema político. E, por incrível que pareça, funcionou por muito tempo – pelo menos até aqui. Entenda o que é, afinal, o presidencialismo de coalizão.

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Parlamentarismo às avessas

Para começar a explicar o presidencialismo de coalizão, é mais fácil, antes, retomar o que é o parlamentarismo – você logo vai entender o porquê. Esse sistema de governo, praticado por algumas das mais sólidas democracias do mundo como a Alemanha, Reino Unido, e Japão, tem como uma das figuras centrais o primeiro-ministro, que desempenha papel semelhante ao do presidente por aqui. Ele ocupa o cargo máximo do executivo, só que a população não vota nas urnas para escolher um primeiro-ministro, quem o elege são os congressistas – estes sim, eleitos pela sociedade.

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É claro que tem uma diferença ou outra entre os parlamentarismos: alguns deles dividem o poder entre chefe de governo (primeiro-ministro) e chefe de Estado (presidente ou monarca). Mas o que muitos têm em comum é que, para eleger um primeiro-ministro, é preciso que o Congresso forme um consenso entre a maioria, a famosa coalizão, para que então o chefe do executivo seja escolhido por ela.

Essa coalizão para garantir governabilidade – ou seja, o poder para governar – é própria do sistema parlamentarista. Faz parte negociar, ceder pautas, dividir postos de confianças. E é essa prática que foi emprestada pelo presidencialismo brasileiro – mas de um jeito meio torto, às avessas. “No parlamentarismo, é a coalizão que forma o governo. Quando os partidos conseguem fazer uma coalizão majoritária, só então começam a governar”, explica o cientista-político pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Bruno Reis, em entrevista ao Jornal Nexo. Já no presidencialismo aqui do Brasil, a ordem é inversa. “Tem um presidente que primeiro foi eleito e ele vai governar, e a coalizão é montada depois”, explica.

Mas você pode estar se perguntando: se o presidente foi eleito, com a agenda dele, por que ele precisa formar uma coalizão para exercer seu mandato? É aí que entram algumas palavrinhas que também fazem parte desse balaio, muitas vezes confuso, do sistema político brasileiro: o regime eleitoral proporcional e o multipartidarismo.

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Presidencialismo de coalizão…

“O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, ‘presidencialismo de coalizão’.”

Foi assim que nasceu, em 1988 pelas palavras do sociólogo e escritor Sérgio Abranches, o termo que define o nosso presidencialismo meio parlamentarista. Embora o Brasil – muito influenciado pelos Estados Unidos, assim como outras nações latino-americanas – tenha optado pelo presidencialismo, o fato de as eleições por aqui serem multipartidárias complicou um pouco as coisas. A gente explica.

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O brasileiro vai a cada quatro anos às urnas e escolhe quem será o novo presidente, com base na sua agenda e propostas. Acontece que, quando eleito, o chefe do executivo não tem o poder de governar sozinho: suas medidas precisam ser aprovadas pelo poder legislativo, representado pelo Congresso. Em função dos muito partidos que existem no Brasil e do nosso regime eleitoral, é muitíssimo improvável – para não dizer impossível – que o partido do presidente eleja a maioria dos deputados e senadores que constituirão esse Congresso, necessária para a aprovação de qualquer proposta.

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Neste caso, para que o presidente garanta governabilidade (mais uma vez ela), precisa formar alianças com parlamentares de outros partidos. Do contrário, suas medidas podem ficar empacadas e ele, literalmente, não consegue trabalhar. No pior dos casos, caso não tenha aliados o suficiente no Congresso, corre o risco de sofrer um impeachment, que sempre parte do poder legistaltivo. É o que ocorreu, por exemplo, com a ex-presidenta Dilma Rousseff. Quando ela enfrentou um processo de impeachment em 2016, seu governo já ia mal das pernas em termos de articulação e não reunia o apoio da maioria dos deputados e senadores. Resultado? Os parlamentares votaram pela sua destituição.

… ou da coalizão?

Na teoria, fazer alianças e montar uma base no Congresso pode até parecer corriqueiro – afinal, todos os presidentes, bem ou mal, têm feito isso até aqui. Mas na prática, no chão de Brasília, não é tão simples assim.

Afinal, o que o novo chefão do Brasil oferece aos parlamentares para garantir o apoio deles? É aí que o nosso “presidencialismo de coalizão” começa a ficar complicado. Algumas “moedas de troca” que garantem essa aliança estão até previstas constitucionalmente, como as emendas parlamentares – que nada mais são do que um dinheiro do orçamento que os congressistas podem destinar a projetos em suas bases eleitorais, os municípios ou estados pelos quais foram eleitos. Elas são distribuídas pelo presidente aos deputados e senadores para angariar apoio. Nos cinco primeiros meses de 2022, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro empenhou R$ 11,9 bilhões em emendas aos congressistas para aprovar algumas de suas pautas.

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Outro acordo comum e praticado por todos os governos desde a redemocratização é a distribuição de postos de prestígio no governo, como cargos de ministro. Foi o que fez o presidente Lula no início deste mês quando destitui a ex-atleta Ana Moser do cargo de ministra do Esporte e entregou o posto ao deputado federal André Fufuca (PP-MA).

O problema é que de cargo em cargo, emenda em emenda, o presidencialismo de coalizão começa a andar próximo demais de alguns velhos males da política brasileira, como o clientelismo – que é justamente a “compra” de apoio político, nem sempre lícita.

Por fim, é a sociedade que corre o risco de sair perdendo em diversos aspectos. Se o governo passa a rifar posições de confiança sem muito critério além da busca por apoio, acaba colocando dentro da máquina pública figuras de índole duvidosa – que podem ou tirar benefício indevido do cargo que ocupam (a corrupção descarada), ou que pouco se importam em executar políticas públicas que são relevantes para a população.

Essas figuras muitas vezes saem do chamado “Centrão” – mas esse é assunto para outro texto.

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