Assine Guia do Estudante ENEM por 15,90/mês
Continua após publicidade

Quais as chances do Brasil ter um Impeachment ou um golpe de Estado?

A partir de avaliações históricas e casos de golpes no leste europeu e na América Latina, entenda quais são os riscos reais para a democracia brasileira

Por Danilo Thomaz
Atualizado em 11 set 2021, 10h07 - Publicado em 10 set 2021, 15h59
Tanque de guerra em frente do Congresso Nacional, em Brasília
Em agosto de 2021, Bolsonaro e ministros assistiram a uma solenidade militar com a presença de tanques de guerra, em Brasília. Foi a primeira vez, desde 1984, que esse tipo de comboio transitou no local fora de datas comemorativas. No mesmo dia, a Câmara dos Deputados votava a proposta de emenda constitucional para recriar o voto impresso, tema defendido pelo presidente.  (Twitter/Reprodução)
Continua após publicidade

Os atos promovidos durante a celebração do Dia Independência pelo presidente Jair Bolsonaro, em claro confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), colocaram  dois questionamentos à cena política: Bolsonaro pode sofrer impeachment em decorrência dos seus atos? Estaria o Brasil sob a ameaça de um possível golpe de Estado?

Impeachment

Em seu discurso no ato da Avenida Paulista (SP), o presidente afirmou que não cumprirá as decisões do ministro Alexandre de Moraes, que aceitou novo inquérito contra Bolsonaro, desta vez pelo vazamento de documentos sigilosos com o intuito de atacar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Moraes é também responsável pelo inquérito que investiga a organização de atos contra a democracia, instaurado em 2020. Em sua fala no 7 de setembro, o presidente atacou também o sistema eleitoral brasileiro, governadores e prefeitos que adotam medidas sanitárias de combate à pandemia da Covid-19.  

A Constituição brasileira, no que tange aos crimes de responsabilidade, ou seja, aqueles que podem levar à abertura de um processo de impeachment, é explícita em dois pontos em seu Artigo 85: 

“São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra […]  II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; […] VII –  o cumprimento das leis e das decisões judiciais.” 

As declarações do presidente podem ser configuradas como crimes de responsabilidade, na opinião de juristas. O professor de Direito da USP e colunista da Folha de S. Paulo, Conrado Hubner Mendes, afirmou em sua coluna de 8 de setembro: “Não faltam indicadores jurídicos e socioeconômicos sobre o desmoronamento duplo da democracia e da capacidade estatal.” 

Sabemos, todavia, que um processo de impeachment não é algo meramente jurídico, mas também político e com sérias reverberações sociais e econômicas. Não basta o crime estar tipificado. É preciso que o presidente perca apoio massivo no Legislativo e na sociedade para que o impeachment ocorra. 

++ História do impeachment no Brasil e no mundo

Golpe de Estado

E na hipótese das pressões jurídicas e políticas sobre o presidente avançarem, corremos o risco de sofrer um golpe de Estado?  

Continua após a publicidade

Essa pergunta não é de fácil resposta. É preciso analisar uma série de elementos, como a literatura sobre o assunto e a análise do histórico de golpes da América Latina, já que a compreensão do contexto social, econômico e político é fundamental para tanto. 

Antes, todavia, é preciso entender as crises democráticas no século 21. 

Segundo autores como David Runciman, Daniel Ziblatt, Steven Levistky e Yascha Mounk, as crises democráticas de hoje são diferentes daquelas do século 20. Isso quer dizer que hoje líderes autoritários corroem a democracia por dentro, desmontando o sistema aos poucos, enquanto implantam medidas autoritárias. 

Hungria

Eleito pela primeira vez em 2010, o líder nacional-conservador Viktor Orban foi subvertendo o Estado democrático húngaro aos poucos, ao longo de seus três mandatos.  

No ano passado, o Parlamento do país deu-lhe plenos poderes ao permitir que governasse por decretos e não por base na aprovação de leis. A justificativa para a ampliação dos poderes do primeiro-ministro era a pandemia de Covid-19. A medida foi criticada pela oposição e órgãos internacionais e revogada em junho.  

Continua após a publicidade

Todavia, mesmo em seu curto período de duração, a medida foi utilizada para a perseguição de cidadãos críticos ao governo. A sua revogação tampouco impediu que o governo avançasse em seu projeto autoritário. Neste ano, o primeiro-ministro colocou um novo projeto de lei que permite o controle das universidades.  

Polônia

Na Polônia, o Partido Lei e Justiça, que governa o país desde 2015, já tinha um histórico de perseguição a jornalistas e a minorias políticas, em especial a população LGBT. Reeleito em 2019, o governo implementou uma reforma do Judiciário que coíbe a independência dos juízes, permitindo, por exemplo, a redução de salários e cassação de mandatos de ministros da Suprema Corte do país.  

América Latina

No caso latino-americano, após a onda de redemocratização na maior parte dos países nos anos 1980, vimos presidentes democraticamente eleitos serem derrubados à margem da lei, sem que, no entanto, houvesse alguma mudança de regime ou a instalação de uma forma autoritária de Estado.  

O Paraguai é um exemplo. O presidente Fernando Lugo foi derrubado em 2012, sem direito à defesa e sem que houvesse um novo sistema político no país.

Já o golpe na Bolívia de 2019, revertido pela volta do MAS pela via eleitoral, mostrou como os mesmos hoje são efêmeros – se não contarem com amplo apoio social e uma agenda sólida.

Continua após a publicidade

No Brasil, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, até hoje divide o país entre aqueles que consideram o processo legal e aqueles que o consideram um golpe de Estado.  

Mas é preciso retroceder no tempo para entender a complexidade da situação.  

O Peru viveu um golpe de Estado no início dos anos de 1990 perpetrado pelo presidente Alberto Fujimori após sofrer pressões do Congresso e do Judiciário enquanto todo o continente se redemocratizava. Fujimori cairia somente em 2000, após implementar um regime de censura, perseguições e uma agenda econômica liberal. 

Em 1992, o governo de Carlos Andrés Pérez, na Venezuela, sofreu uma tentativa de golpe por parte do militar Hugo Chávez, que resultou na prisão de Chávez e no impeachment de Pérez um ano mais tarde. Chávez foi eleito pelo voto direto em 1998 e, após sofrer uma tentativa de golpe em 2002, deu início a mudanças profundas em seu regime – que passaram a ganhar um caráter autoritário a partir do governo Maduro, em 2013. 

Compreender os casos venezuelano e peruano nos ajuda a entender os riscos que envolvem o Brasil hoje.  

Continua após a publicidade

Os dois países, à época, viviam um estado de crise profundo. Além da crise econômica, no caso peruano havia a ação das guerrilhas urbanas do Sendero Luminoso, grupo armado de esquerda.  Em um ambiente de instabilidade e descrédito das forças políticas tradicionais, isso favorecia a ascensão de uma figura conservadora e, assim, o fechamento do regime. 

Já no caso venezuelano, a profunda crise econômica vinha se arrastando há mais de uma década, em 1998, e toda a classe política estava desmoralizada, sobretudo desde o impeachment de Carlos Andres Perez, em 1993. Ao sistema político do país só restava como opção o popular militar que havia tentado um golpe em 1992 e que todo mundo achava que seria uma figura política possível de ser controlada. 

Porém, a mudança na Constituição e a distribuição dos royalites do petróleo, que antes ficavam restritos a uma pequena elite, feriram interesses nacionais e estrangeiros que tornaram a Venezuela um alvo dos Estados Unidos – e foram levando, no confronto de Chávez com forças nacionais e estrangeiras, a um fechamento do regime. 

Em ambos os casos, os dois presidentes tinham uma série de pré-condições que são fundamentais para a mudança de regime. Tanto Fujimori quanto Chávez contavam com o descrédito da população com relação às elites políticas; tinham alta popularidade; operavam em um contexto de profunda instabilidade; contavam com apoio dentro da máquina do Estado e trouxeram respostas econômicas imediatas. No caso de Fujimori, as reformas de caráter liberal atendiam às elites econômicas peruanas. No exemplo chavista, as reformas tinham caráter socializante, embora restritas à distribuição dos royalites do petróleo. Em ambos os casos, foram fundamentais para consolidar o apoio a eles e a seu projeto político. 

Outros golpes clássicos do continente – como o brasileiro (1964), o chileno (1973) e o argentino (1976) – obedeceram a circunstâncias semelhantes. Nos três casos – a queda de João Goulart (Brasil), de Salvador Allende (Chile) e de Isabelita Perón (Argentina) – havia uma crise econômica, disputas inconciliáveis neste aspecto entre os setores populares e os mais ricos, apoio internacional (no caso, dos Estados Unidos), de parte da imprensa e da burocracia estatal (os militares, sobretudo) descontentes com o governo e suas políticas. 

Busca de Cursos

Continua após a publicidade

A análise dos fatos e eventos históricos é um caminho para o entendimento da atual situação no Brasil. Golpes que se dão sem amplo apoio tendem a cair rapidamente, como é o caso do golpe na Bolívia. Para que golpes sobrevivam ao tempo, eles precisam ter uma agenda a ser implementada e que a mesma seja do interesse de amplos setores da sociedade, de modo a permitir a implantação e o funcionamento do novo governo, que pode ou não fechar as instituições. No entanto, cada golpe e regime autoritário tem sua própria história e maneira de ser. 

Para saber mais

Como as democracias morrem (Zahar), Daniel Ziblatt e Steven Levistky 

Como a democracia chega ao fim (Todavia), David Runciman 

O crepúsculo da democracia (Record), Anne Applebaum 

O povo contra a democracia (Companhia das Letras), Yascha Mounk 

 

Publicidade

Quais as chances do Brasil ter um Impeachment ou um golpe de Estado?
Atualidades
Quais as chances do Brasil ter um Impeachment ou um golpe de Estado?
A partir de avaliações históricas e casos de golpes no leste europeu e na América Latina, entenda quais são os riscos reais para a democracia brasileira

Essa é uma matéria exclusiva para assinantes. Se você já é assinante faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

MELHOR
OFERTA

Plano Anual
Plano Anual

Acesso ilimitado a todo conteúdo exclusivo do site

a partir de R$ 15,90/mês

Plano Mensal
Plano Mensal

R$ 19,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.