Em 24 de fevereiro de 2022, as tropas russas invadiram a Ucrânia, dando início a uma guerra que, segundo estimativa do Alto Comissariadodas Nações Unidas para os Direitos Humanos, já matou mais de 8 mil civis, além de mais de 13 mil pessoas feridas. Entre as causas mais comuns apontadas para o conflito estão a expansão da Otan no Leste Europeu, as disputas separatistas no leste da Ucrânia e a própria ambição expansionista do presidente russo Vladimir Putin.
As consequências sociais, políticas e econômicas da invasão são muitas, mas existe um ponto específico que impacta diretamente os rumos do conflito e que pode ser cobrado nos vestibulares: a questão energética por trás da guerra.
Os combustíveis russos e a guerra
A Rússia se destaca no cenário mundial por conta da produção de petróleo e da exportação de gás natural. A venda desses combustíveis fósseis tem contribuído para a retomada da economia russa e para a reconstrução de seu poderio militar nas últimas duas décadas, período no qual Putin se consolidou na presidência.
Os países europeus estão entre os maiores importadores de combustíveis fósseis russos. O destaque é o gás natural, muito importante para geração de eletricidade, funcionamento das fábricas e sistemas de calefação, fundamentais no inverno rigoroso do continente.
A Rússia já ameaçou interromper o fornecimento de energia para alguns países que estariam ajudando o governo ucraniano durante a guerra.
“Embora efetivamente não tenha sido usado em grande escala, a estratégia da energia como ‘arma de guerra’, vem aparecendo constantemente nos discursos e ameaças de Vladimir Putin, que, inclusive, chegou a tomar uma medida recente contra a Finlândia”, explica Daniel Simões, professor de Geografia do Curso Pré-Vestibular da Oficina do Estudante de Campinas (SP). A Finlândia é um país que faz divisa com a Rússia e não fazia parte da Otan, mas que formalizou o desejo de participar do bloco. O posicionamento foi avaliado pela Rússia como uma provocação e o governo decidiu interromper o fornecimento de gás para a região.
Os efeitos da dependência do gás russo
Em uma entrevista concedida à BBC News Mundo, Ángel Saz-Carranza, diretor do Centro de Economia Global e Geopolítica da escola espanhola de negócios Esade e professor visitante da Georgetown University, nos Estados Unidos, explicou que cerca de 40% da demanda de gás na Europa depende da oferta do gás russo. “É o calcanhar de Aquiles da Europa nesta guerra, sua grande vulnerabilidade, é isso que permite à Rússia capitalizar e financiar essa aventura.”
Por conta dessa dependência, a Rússia acaba tendo um poder de influência sobre o continente, limitando atitudes militares mais drásticas que países europeus poderiam tomar em favor da Ucrânia, como a aplicação de sanções. Em um momento em que as economias mundiais estão se recuperando, com a instabilidade e os danos causados pela pandemia da covid-19, a situação fica ainda mais crítica.
“Temos percebido altas na inflação, o crescimento econômico ocorre de forma lenta e, se de repente ocorrer o encarecimento do gás ou a ausência dele, podem haver paralisações nas indústrias e redução forçada do consumo de energia”, diz o professor do Oficina do Estudante. Segundo ele, isso tende a atrapalhar a retomada econômica em um cenário que já não é favorável.
Além disso, em meio ao contexto de instabilidade política como este, o preço do gás e do petróleo e, portanto, da energia em geral, já tende a apresentar uma alta, elevando os custos dos processos produtivos e dos transportes. O resultado são mais processos inflacionários e estagnação econômica.
Por essa razão, muitos líderes têm criticado a Rússia, mas hesitam de tomar posturas mais efetivas. “Mesmo sendo contrários à invasão da Ucrânia, os países europeus não têm como promover uma intervenção mais agressiva na situação. Pelo contrário, acabam caindo na contradição e continuam financiando as ações militares russas, por meio da compra de petróleo e gás natural”, explica Murilo Medici Navarro da Cruz, coordenador e professor de Geografia e Atualidades do Poliedro Colégio São José dos Campos.
Ángel Saz-Carranza ressalta, no entanto, que a situação acaba equilibrada pela dependência da Rússia do mercado europeu, ainda relevante. A capacidade do país de transportar gás para o Oriente é residual. À exceção do gás natural liquefeito, que pode ser exportado por meio de navios, quase todos os gasodutos da Rússia vão para o Ocidente.
A Europa tem alternativas?
Não existe nenhuma opção rápida. Segundo os especialistas, uma alternativa seria a importação via navio, em vez do bombeamento por gasodutos. Mas isso implicaria em um aumento considerável no custo final da operação.
Existe também a possibilidade de os países europeus aumentarem o uso de outras fontes de energia, queimando carvão ou usando combustível nuclear. Há, inclusive, uma tentativa de expandir a construção de usinas ou fontes de energia renováveis, como a solar e a eólica.
Mas, apesar do investimento de vários países do continente nos últimos anos, suas fontes de energia alternativa ainda representam uma parcela relativamente pequena de suas matrizes energéticas. “A longo prazo, são boas opções. A questão é que esse tipo de substituição não é feita da noite para o dia. O caminho de romper com o gás russo não é o ideal. Mesmo havendo alternativas, não são simples”, diz Daniel Simões, do Oficina do Estudante.
Além da Rússia, Noruega (no Norte) e Argélia (no Sul) também são fornecedores de gás para a Europa que já possuem gasodutos construídos e conectados. Mas ambos os sistemas de produção e distribuição já estão no limite de suas capacidades, exigindo obras para a ampliação do fornecimento, o que demoraria, pelo menos, mais de um ano.
Também é discutido importar o gás de regiões mais distantes, como os Estados Unidos e o Catar. No entanto, por ter que atravessar longas distâncias, o gás precisa ser pressurizado e transformado em líquido para ser colocado em navios. Posteriormente, chegando aos portos europeus, é preciso que o combustível seja desembarcado em terminais de estocagem e de regaseificação (transformação novamente em gás) para só então ser distribuído para o interior do continente. Tais terminais são escassos nos portos europeus e a construção e ampliação do setor para garantir a substituição do combustível russo demoraria anos, segundo o coordenador do Poliedro.
Como o tema pode aparecer nos vestibulares
Os professores afirmam que a chance do tema aparecer nas provas é grande. Por isso, indicam alguns assuntos que merecem a atenção do vestibulando na hora dos estudos.
Para começar, é preciso saber localizar Rússia e Ucrânia no mapa e, principalmente, o Mar Cáspio, que é uma das maiores reservas de gás do mundo. É a partir dali que os gasodutos vão em direção à Europa Ocidental.
Já uma questão mais ampla pode abordar a matriz energética mundial, destacando como ainda há uma dependência muito forte de combustíveis fósseis e que situações como essa podem acelerar uma transição energética em vários países, tanto para diminuir a dependência da Rússia, quanto para avançar no cumprimento de metas ambientais. “É interessante o vestibulando revisar o Acordo de Paris, saber no que ele consiste e o que propõe em linhas gerais. Essa dedicação em busca de energias alternativas, em escala europeia, pode ser uma consequência positiva do conflito”, afirma o coordenador do Oficina do Estudante.
Alguns países da Europa, como a Alemanha, preferiram abandonar o uso da energia nuclear nos últimos anos, enquanto iniciam uma tentativa de transição para matrizes energéticas mais limpas (solar e eólica). Mas é importante lembrar que essa transição ainda deve demorar anos, ou mesmo décadas, para se realizar.
Ainda em relação à questão energética, é importante retomar o fato de que as exportações russas de combustível vêm contribuindo de maneira fundamental para a retomada do poder russo após a crise que o país enfrentou com a queda da União Soviética (1991).
Por fim, vale revisar a questão dos sistemas de transporte. O transporte dutoviário é um dos mais eficientes, em termos de custo/benefício. Mas, tende a tornar compradores e vendedores mais dependentes, sendo um modelo menos flexível. Após investir muitos recursos para a construção dos dutos, os agentes envolvidos (empresas e países) precisam utilizar as mesmas rotas para o transporte dos combustíveis. Já no caso dos sistemas fluviais, a desvantagem é que não basta que haja portos, é preciso que estes sejam equipados com estruturas para o embarque ou desembarque dos produtos.
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