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Simone Biles e a arte de aprender a dizer “não”

A ginasta nos ensina que não devemos esticar a corda até que rompa. E que é um sinal de saúde quando conseguimos dizer: minha mente não vai bem

Por Fabrício Brasiliense
Atualizado em 28 jan 2022, 11h03 - Publicado em 30 jul 2021, 20h12
Simone Biles treina na Olimpíada de Tóquio
Após desistir dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, Simone Biles explicou que sofre com “twisties” -- uma espécie de bloqueio mental que pode fazer com que as ginastas percam o controle de seus corpos no ar. (Kyodo News/Getty Images)
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Simone Biles deu um tempo. Largou a prova que competia, vestiu o agasalho, sentou para acompanhar as colegas de equipe e mais tarde disse aos repórteres: preciso cuidar da minha saúde mental e preciso voltar a me divertir com a ginástica. Simone vem de uma cultura, a norte-americana, que não tem meio-termo: ou você é vencedor ou é um looser.

Simone, o mundo inteiro sabe, não tem nada de looser. Ela já tem o nome inscrito no panteão do esporte mundial. Que outra ginasta tem um movimento que leva o seu nome? Ao contrário dos esportes de grupo como vôlei ou futebol, em que o dia ruim de um jogador pode ser salvo por algum colega de time, na ginástica é apenas a atleta com o seu físico e sua mente. E a mente de Simone não está bem – e que coragem admitir isso. Simone compete em um esporte perigoso. Ela se referiu a episódios de twisties, uma dificuldade de se localizar espacialmente no meio de uma pirueta. Na ginástica olímpica uma manobra errada pode ser fatal.

O vestibulando tem um quê de Simone: é somente ele a prova. São horas que definem o esforço de meses, às vezes anos. Existe a pressão da prova e também de tudo o que veio antes dela, a começar pela escolha do curso. Escolhemos o que gostamos, o que parece ser a nossa vocação, às vezes escolhemos o sonho que os nossos pais não puderam realizar e acabaram passando o bastão: vai, filho, faz o que eu não consegui, não pude ou não tive coragem. Em outros momentos, a escolha vem com um muro de oposições, não raro confusas e que a gente demora a entender. Cada um aí sabe contar a própria história.

Durante alguns anos convivi com um jovem que tinha passado em uma universidade de ponta, só tirava notão, era um atleta prodígio, só ganhava ouro e que lá pelas tantas teve um lesão grave que o obrigou a deixar as quadras. O dia em que ele me contou sobre desistir da carreira de atleta universitário, o curioso foi que o rosto dele transmitia outra coisa. Era alívio. E lá pelas tantas admitiu: “eu não aguentava mais a pressão, essa lesão veio em boa hora”. A lesão veio acompanhada de um outro movimento: a desistência daquela faculdade de ponta onde ele só tirava notão e que ele achava ser a ideal para o seu estilo racional de ser. Era uma mente sem hesitações, feito uma flecha que sai de um ponto A para um ponto B. Depois da lesão, ele voltou para o cursinho e entrou em outra faculdade – uma que o pai sempre deixou a entender que queria muito ter feito. Foi um caminho tortuoso, mas ele encarou e hoje está na metade do curso.

Simone Biles restituiu a humanidade desses seres sobrenaturais que são os atletas. E nos deu a chance de olhar para os nossos próprios twisties. E que está tudo bem poder admitir: minha saúde mental não vai bem. Uma nova temporada de vestibulares se aproxima e pode definir muita coisa, mas não tudo. Pode ser uma primeira escolha, mas não é a única e nem a que vai definir a vida inteira. Simone nos ensina que não devemos esticar a corda até que rompa. E que quando algo se torna difícil, ou mesmo insuportável, é preciso recuar e saber dizer não.

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fabricio.brasiliense@abril.com.br

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