A pandemia nos isolou e, consequentemente, diminuiu a nossa capacidade de interagir com outras pessoas. Apesar do desejo de voltar a socializar, o medo e a ansiedade têm acompanhado muita gente no retorno às aulas e ao trabalho – o que é compreensível depois de um longo (e necessário) período de distanciamento. Por outro lado, aparece o questionamento sobre quando essa dificuldade de interação deixa de ser normal e passa a ser patológica.
Para Thaise Lohr Tacla, psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a pandemia transformou tarefas simples como sair de casa em situação de risco e é natural isso gerar uma resposta de ansiedade. Segundo ela, é necessário um tempo para entender como se aproximar das pessoas e interagir nessa nova realidade, ainda com as restrições de distanciamento.
“Quando a pessoa segue todos os protocolos de segurança e mesmo assim não consegue se expor, e sair de casa traz um sofrimento muito grande, é um sinal de alerta para buscar ajuda profissional”, afirma a psicóloga.
Especialmente nesse momento atípico, é imprescindível vigiar e zelar pela saúde mental. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) entre maio e julho do ano passado revelou que 80% da população brasileira tornou-se mais ansiosa na pandemia. Em entrevista à Agência Brasil, a professora da instituição e coordenadora da pesquisa, Adriane Ribeiro Rosa, defendeu que o impacto da pandemia na saúde mental deve ser considerado crise de saúde pública.
Por isso, o aumento de transtornos mentais no pós-pandemia, entre eles a fobia social, que limita drasticamente a capacidade de interação da pessoa, já preocupa especialistas.
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Fobia social
A fobia social – também chamado de transtorno de ansiedade social – foi descrita como um dos transtornos de ansiedade na quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), uma referência para a psiquiatria mundial. A condição é caracterizada pelo medo acentuado diante de uma ou mais situações em que o indivíduo está exposto a outras pessoas. Existe o grande receio de ser avaliado, julgado, ridicularizado ou criticado pelos outros.
Thaise ressalta que trata-se de um quadro patológico e, sendo assim, é necessário que um profissional acompanhe e avalie, dentro dos critérios diagnósticos, para afirmar se o paciente apresenta de fato o transtorno. “É preciso tomar cuidado para não confundir o medo (normal) com um sintoma de ansiedade social”, alerta a especialista.
No caso da fobia, trata-se de um medo exacerbado e irracional, que causa prejuízo real, impedindo a pessoa de sair de casa e de realizar tarefas simples do dia a dia. Além disso, a psicóloga afirma que o transtorno de ansiedade social pode ser tipificado quando esses sintomas ultrapassam os seis meses.
Por meio da ajuda de um psicólogo ou psicanalista, o paciente diagnosticado com fobia social encontra maneiras de enfrentamento do problema. Se houver necessidade, também existe o tratamento psiquiátrico, por meio de medicação – um recurso que tem sua indicação específica e que não deve ser banalizado.
Os jovens e o transtorno
A fobia social não é um problema da pandemia, mas as circunstâncias da crise sanitária podem agravar a situação. Outro ponto é que o quadro pode iniciar tanto na infância como na vida adulta. E é muito comum o transtorno aparecer na adolescência – momento complexo e de muitas transformações corporais e subjetivas.
Thaise explica que as motivações para os problemas são diversas, como situações de estresse e pressão. “Há diferentes gatilhos possíveis, mas tem sempre que olhar a história da pessoa para identificar e compreender o todo”, diz.
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Glauce Cassiano, hoje com 24 anos, foi diagnosticada aos 11 anos com fobia social. Os sintomas foram desencadeados após sofrer gordofobia e bullying. Na época, ainda criança, ela tinha muita vergonha de falar sobre seus problemas psicológicos. Saúde mental não era um tema tão discutido até então, ela conta. Com ajuda psicológica, ela foi aprendendo a controlar os gatilhos da ansiedade e lidar com o medo descontrolado.
Hoje, Glauce estuda Psicologia e usa as redes sociais para falar sobre o assunto e ajudar outros jovens. Ela contou ao GUIA sua história e relação com o transtorno de ansiedade social. Confira o depoimento a seguir.
Sempre fui muito extrovertida. Mas quando eu estava na quinta série (atual sexto ano), comecei a sofrer bullying na escola por ser gorda. Isso fez com que, aos poucos, eu começasse a sentir medo do grupinhos de colegas. Quando eu via uma galera reunida, pensava: ‘eles estão falando mal de mim, estão me achando estranha’.
Em um ano, mudei muito. Eu era a estudante que tinha as notas bem altas, até que meu desempenho começou a cair gradativamente. A coordenadora da escola ficou assustada com a mudança e passou a me chamar algumas vezes na sala dela para conversar. Tudo foi piorando. Foi na escola que perceberam que eu comecei a me cortar e indicaram que a minha mãe procurasse um psicólogo para me atender. Ela achava que era besteira.
Contei à psicóloga que eu sempre tive problema em me abrir com outras pessoas. Às vezes, quando estava em um grupo de pessoas conversando, a minha mente viajava, ia longe. E eu começava a sentir angústia de estar ali naquele círculo. De repente, as vozes pareciam estar muito altas, gritando na minha cabeça. Após avaliação profissional, descobri que, além do que eu já tinha (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), desenvolvi fobia social.
Foi assustador. Vivemos em sociedade. Eu não conseguia fazer trabalho em grupo, por exemplo. Os colegas de sala não entendiam, então eles começaram a me tratar de uma forma diferente. O bullying acabou piorando. Infelizmente, adolescente consegue ser bem cruel.
Nessa época, eu tinha muita vergonha de falar sobre saúde mental. Não era um assunto tão discutido. Falavam que era vergonhoso tomar antidepressivo. O mais difícil foi eu entender quem eu era e o que eu estava passando.
As pessoas têm muito preconceito com a palavra fobia. Eles pensam que, automaticamente, você se torna incapaz. Na série sul-coreana The K2 que eu assistia, a protagonista tinha ansiedade social. Ela desenvolveu essa condição a partir do trauma de ter visto a mãe morta. Mesmo assim ela era alguém que conversava, vivia. Ela estava na vida, mas tinha fobia social. Nas redes sociais muita gente comentou: “como que ela tem fobia social se ela conversa com pessoas?”.
No meu caso, por exemplo, não é todo um grupo de pessoas que vai desencadear um gatilho de fobia em mim. Isso eu aprendi vivendo. Quando eu contei para uma amiga que eu tinha fobia social, ela disse que era impossível porque eu sou extrovertida, converso, gravo vídeo, faço live. Acontece que eu tenho o transtorno, sim, mas consigo agora lidar com ele.
Claro que não foi de uma hora para a outra que entendi o que realmente gerava aquela ansiedade. Se eu já estava em um momento difícil, briguei com alguém aquele dia, e via pessoas rindo, aquilo crescia em mim e me assustava. Mas tive que aprender a controlar esses gatilhos e pensar de outra forma com a ajuda da psicóloga. E, assim, fui aprendendo que eu sou uma pessoa normal, que namora e tem amigos.
Confesso que, no começo da pandemia, senti um alívio em não precisar sair e ver pessoas. Eu sei que é horrível dizer, mas é uma desculpa perfeita para quem tem dificuldade de interagir. Depois comecei a ficar agoniada cada vez mais com o número de mortes e a forma que o governo está lindando com a crise. Consegui uma bolsa no Prouni para cursar Psicologia. Estou estudando à distância por conta do isolamento. Mas pretendo voltar, quando for possível, para o modelo presencial. É uma maneira de me forçar a me expor – respeitando meus limites sempre, claro.
O enfrentamento é um processo. Você precisa construir com você mesmo uma relação de confiança: se eu sentir que não estou aguentando ficar nesse lugar, eu vou sair. E está tudo bem.
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