Entenda o conflito e a história das Coreias
Oficialmente, a Guerra da Coreia nunca terminou
As imagens emblemáticas do encontro entre Kim Jong Un, ditador da Coreia do Norte, e Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, em abril de 2018, deixaram todos otimistas sobre um possível acordo de paz definitivo entre os dois países, que apesar de terem assinado um armistício em 1953, nunca finalizaram de fato a guerra iniciada em 1950. Dois anos e algumas tentativas de acordos fracassadas depois, um acontecimento nesta terça (16) mostrou que as relações entre os países ainda são frágeis – a ponto de serem abaladas por alguns panfletos – e o conflito pode estar longe do fim.
A ação que voltou a radicalizar a relação veio, é claro, da Coreia do Norte. Depois da mídia estatal do país comandado por Kim Jong-un anunciar no dia anterior que tomaria medidas retaliadoras contra o vizinho do sul, hoje a concretização veio com a explosão do escritório de relações com a Coreia do Sul na cidade fronteiriça de Kaesong. O estopim para a explosão, em um cenário de tensões já elevadas, foi a tentativa de comunicação entre desertores da Coreia do Corte com o a do Sul por meio de panfletos jogados pela fronteira. No material, os norte-coreanos denunciavam violações de Direitos Humanos e os planos nucleares do governo de Kim Jong-un.
O acordo nuclear e outros que não sairam do papel
Desde a conversa entre os dois governantes, em 2018, o centro das negociações entre Coreia do Sul e Coreia do Norte (bem como entre esta última e os Estados Unidos) é a questão nuclear. A Coreia do Norte nega-se a interromper suas atividades nucleares e ameaça constantemente atacar os países tidos por ela como inimigos. A desmilitarização da península, bem como a desnuclearização, foram dois pontos importantes do acordo de abril de 2018 que não saiu do papel. Além disso, os países prometiam avançar em suas relações diplomáticas, reunir famílias separadas pela Guerra da Coreia e até unirem-se para participar de eventos esportivos.
Na esteira de acordos que não foram para a frente, também está a tentativa fracassada de Donald Trump em baixar as sanções econômicas aos norte-coreanos em troca do avanço da desnuclearização do país. Depois de alguns encontros em 2019, as relações voltaram a azedar e Kim Jong-un abriu 2020 afirmando que voltaria a realizar testes nucleares por enxergar que o cumprimento do acordo com os EUA estava sendo unilateral até o momento.
Testes nucleares e sanções
Ao todo, a Coreia do Norte já realizou seis testes nucleares em seu território desde 2006, sendo o último e de maior magnitude o de setembro de 2017. Um estudo publicado na revista Science em 2018 reuniu o parecer de vários pesquisadores sobre a região onde o teste foi realizado e apontou que o poder da bomba testada pelos norte-coreanos era 10 vezes maior que o da bomba lançada pelos Estados Unidos em Hiroshima no final da Segunda Guerra Mundial.
Os testes nucleares da Coreia do Norte entraram em um ciclo vicioso de resposta e provocação a outros países e organizações, como a ONU. O teste de 2013, por exemplo, veio como reação, segundo Kim Jong-un, à resolução tomada pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que ampliou as sanções ao país comunista como castigo por um lançamento de um foguete de longo alcance. A ação foi qualificada pelo governo norte-coreano como uma medida prática para fazer frente às “hostilidades” dos Estados Unidos. A ONU classificou isso como uma “ameaça” e abriu a porta para novas sanções. Além dessas, a União Europeia aplicou as suas, que incluem o veto à exportação de certos componentes que possam ser utilizados na fabricação de mísseis. Em resposta, a Coreia do Norte declarou o fim do cessar-fogo com a Coreia do Sul, acordado à época. A Coreia do Sul, por sua vez, iniciou exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos.
Para completar, a ONU reiterou suas já conhecidas denúncias de que o governo norte-coreano tem violado os direitos humanos da população e pediu maiores investigações. Entre os abusos documentados estão a crise alimentícia por causa das políticas de distribuição de alimentos controladas pelo Estado, que provoca imensos níveis de desnutrição, a restrição à entrada de assistência humanitária internacional, o uso da tortura e penas cruéis impostas a quem for considerado hostil ou contrário à ideologia oficial do governo. Em maio de 2011, a Anistia Internacional divulgou imagens de satélite que mostram o crescimento dos campos de prisioneiros políticos no país; a organização estima que lá trabalhem 200 mil pessoas em condições de escravidão. (Dica: para ler mais sobre isso – e treinar o inglês – veja este relatório da Anistia Internacional, que também apresentou acusações).
Não se sabe o futuro das tensões na região e é bom ficar de olho no noticiário. Mas, para entender bem o que está acontecendo, é preciso dar uma olhada na história dos dois países.
A divisão das Coreias
Segundo a lenda, no século anterior à Era Cristã, a atual Península Coreana foi dividida em três reinos: Silla, Koguryo e Paekche. Nos séculos seguintes, o território foi disputado por chineses, mongóis, japoneses e russos. Em 1910, o Japão anexou a região e tentou suprimir a língua e a cultura coreanas. Na Segunda Guerra Mundial, milhares de coreanos foram levados para trabalhos forçados no país e em países sob seu domínio. Mas o Japão teve de se render em 1945, e a península Coreana foi dividida em duas zonas de ocupação pelos vencedores da guerra: uma norte-americana no sul, e outra soviética no norte, correspondendo ao antagonismo da Guerra Fria. Em 1948 são criados dois Estados: Coreia do Norte e Coreia do Sul.
Em 1950, os norte-coreanos invadem o sul. A ONU envia tropas, formadas principalmente por soldados norte-americanos, que contra-atacam e ocupam a Coreia do Norte. A China entra na guerra e, em 1951, conquista Seul, a capital sul-coreana. Nova ofensiva dos EUA empurra as tropas chinesas e norte-coreanas de volta ao paralelo 38 – a linha que separa as duas Coreias. Mais de 5 milhões de pessoas morrem em três anos de guerra, sendo que pelo menos 2 milhões são civis. A trégua assinada em 1953 cria uma zona desmilitarizada entre as duas Coreias, mas a guerra nunca foi oficialmente terminada.
No fim dos anos 1990, as Coreias ensaiaram uma aproximação: a crise econômica do Norte, cujo efeito mais dramático é a escassez de alimentos, o torna dependente de ajuda humanitária do Sul. O avanço do programa nuclear norte-coreano nos últimos anos, contudo, prejudica o processo de paz. Os dois países chegam à beira de um conflito em 2010, quando os norte-coreanos bombardeiam um navio e uma ilha da Coreia do Sul. Isso deflagrou um dos mais graves atritos entre os dois países desde o armistício de 1953.
Veja uma entrevista com o professor Célio Tasinafo, do cursinho Oficina do Estudante, sobre o tema e como ele pode ser cobrado no vestibular:
Coreia do Norte: “Eixo do Mal”
Em 2002, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, incluiu a Coreia do Norte, junto com Iraque e Irã, no grupo que chamou de “eixo do mal” – uma lista de países que apoiam organizações terroristas ou produzem armas de destruição em massa. No mesmo ano, a Coreia do Norte inaugura uma zona industrial especial em Kaesong, onde empresas sul-coreanas se instalam e empregam a mão de obra norte-coreana. A instável relação entre os dois países, contudo, ameaça esse arranjo. Pyongyang também passa a liberar a atuação de comércios privados restritos.
Coreia do Sul: da ditadura à democracia
O Estado sul-coreano surgiu em maio de 1948, quando a zona ocupada pelos Estados Unidos (EUA), na metade sul da península, se torna um país independente sob a liderança do nacionalista Syngman Rhee. Em 1950, a nova nação é invadida pela Coreia do Norte, dando início à Guerra da Coreia, que dura até o armistício de 1953. Rhee permanece no poder até 1960, quando renuncia em meio a acusações de corrupção. Seu sucessor, Chang Myon, é deposto em 1961, em um golpe militar chefiado pelo general Park Chung Hee. Em 1972, após ser confirmado no cargo por eleições consideradas fraudulentas, Park instaura uma ditadura militar.
A era Park, na qual o autoritarismo coexiste com a modernização industrial, termina com seu assassinato, em 1979. Um mês depois, o general Chun Doo-Hwan lidera um golpe militar. Novos protestos, em 1987, obrigam Chun a convocar eleições diretas para a escolha de seu sucessor. O candidato governista, Roh Tae Woo, vence e, em 1992, faz de seu sucessor, Kim Young-Sam, o primeiro presidente civil depois de 30 anos. Em 1994, agrava-se a tensão com a Coreia do Norte, diante da recusa do vizinho em permitir a inspeção internacional de seus reatores nucleares. A crise é encerrada com um acordo promovido pelos EUA.
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