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Clube do Livro: Análise e discussões sobre “Memórias póstumas”

Veja as discussões da leitura de fevereiro do Clube do Livro GE

Por Ana Lourenço
Atualizado em 3 mar 2017, 13h08 - Publicado em 3 mar 2017, 13h08
 (Juliana Moreira/Guia do Estudante)
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E aí, o que achou de Memórias póstumas de Brás Cubas, a primeira leitura do Clube do Livro GE? Nós lançamos o título junto ao nosso novo projeto, que convida todos a debater e refletir sobre um dos nossos maiores amores: a literatura! Se você chegou agora e ainda não entendeu como funciona o clube, clique aqui para saber

Em fevereiro, excepcionalmente, não tivemos a transmissão ao vivo com um professor sobre a obra. Mas, para compensar, traremos abaixo uma análise bem bacana sobre esta que é um dos maiores clássicos da literatura brasileira. E, se você perdeu, colocamos aqui o bate-papo que fizemos na redação, comentando nossas impressões e o que achamos do livro. Confira!

Análise da obra

Publicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador.

O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos.

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A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante.

O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito.

O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso.

Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir.

Os personagens da obra são basicamente representantes da elite brasileira do século XIX. Há, no entanto, figuras de menor expressão social, pertencentes à escravidão ou à classe média, que têm significado relevante nas relações sociais entre as classes. Assim, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, além de seu enorme valor literário, funciona como instrumento de entendimento desse aspecto social de nossas classes, como se verá adiante nas caracterizações de Dona Plácida e do negro Prudêncio.

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A sociedade da época se estruturava a partir de uma divisão nítida. Havia, de um lado, os donos de escravos, urbanos e rurais, que constituíam a classe mandante do país. Estão representados invariavelmente como políticos: ministros, senadores e deputados. De outro, a escravidão é a responsável direta pelo trabalho e pelo sustento da nação e, por assim dizer, das elites. No meio, há uma classe média formada por pequenos comerciantes, funcionários públicos e outros servidores, que são dependentes e agregados dos favores dos grandes privilegiados.

Comentário do professor

O prof. Roberto Juliano, do Cursinho da Poli, ressalta que “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é uma obra que revolucionou o romance brasileiro. De cunho realista, mas sem ter as características da crítica agressiva de outros escritores do Realismo (como Eça de Queirós em Portugal), a força da obra de Machado de Assis está na crítica sutil e na grande inteligência do autor. Ao contrário do já citado escritor português Eça de Queirós, que batia de frente com a burguesia, em Memórias Póstumas a crítica é feita focando a burguesia por dentro, ou seja, o escritor parte de um ponto de vista mais psicológico. Através disso, consegue-se fazer um combate ao Romantismo em sua essência através de personagens verossímeis que cabe ao leitor julgar e colocando-se em reflexão, por exemplo, a questão da ociosidade burguesa.

Além disso, o prof. Roberto chama a atenção para o fato de que com esta obra Machado de Assis revolucionou o formato do romance através da subversão de padrões do Romantismo. Se no romance é de praxe escrever uma dedicatória, por exemplo, ele o faz a um verme; ao verme que o corroeu. Outro ponto que pode ser citado como exemplo é a quantidade de capítulos do livro. Se era comum ter cerca de trinta capítulos em um romance, Machado de Assis faz um livro que ultrapassa cem capítulos. Porém, alguns deles são extremamente curtos ou são vazios. O aluno deve, então, ficar atento a estes aspectos formais e em como se faz uma crítica social na obra, finaliza o prof. Roberto.

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