A história e os princípios da política externa brasileira
Brasil tem forte tradição diplomática; entenda como tudo começou
O Brasil tem uma forte tradição diplomática e é reconhecido internacionalmente por isso. Poucas vezes estivemos envolvidos em guerras e prezamos pela negociação e diálogo como instrumentos de resolução de conflitos. Por isso, primeiro, vamos abordar os princípios tradicionais da política externa brasileira para depois discutir seus principais momentos ao longo da nossa história.
PRINCÍPIOS TRADICIONAIS DA PEB
Soberania
O Brasil acredita que cada Estado deve ter autoridade para governar dentro de seu território e na relação com os demais Estados.
Autonomia
Na mesma linha que a soberania, o Brasil defende que os Estados devem ser autônomos para tomar decisões e agir por conta própria, sem influência ou domínio por parte de outros Estados.
Desenvolvimento Nacional
Um dos principais objetivos do Brasil nas relações internacionais é a busca por acordos ou parcerias que auxiliem na promoção do desenvolvimento nacional.
Não-intervenção
Também relacionado ao princípio de autonomia e soberania, o Brasil acredita que nenhum país tem o direito de intervir em questões de outro Estado – a não ser que seja autorizado pela ONU.
Esses princípios, ou valores, são tradicionais da Política Externa Brasileira, pois pautam grande parte das ações e iniciativas brasileiras no exterior desde o final do século XIX. Essa postura coerente e duradoura nos garante uma boa reputação diplomática entre os demais países.
Apesar da coerência, seria errado considerar que a política externa do Brasil não se altera ao longo do tempo. É importante lembrar que, como política pública, a Política Externa reflete interesses da sociedade brasileira em determinado tempo e espaço e tende a ser influenciada por fatores históricos, sociais e culturais. A seguir, apresentamos os principais momentos da história da PEB.
O BARÃO DO RIO BRANCO E A DIPLOMACIA BRASILEIRA NOS TEMPOS DA REPÚBLICA VELHA
Considerado o “pai da diplomacia brasileira”, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, foi advogado, jornalista, político e diplomata brasileiro, entre os séculos XIX e XX. Sua gestão à frente do Ministério das Relações Exteriores, no início da República (entre 1902 e 1912), é marcada por grandes feitos, como a negociação para o estabelecimento das fronteiras territoriais e uma arquitetura política relativamente estável e mais amistosa com os países vizinhos da América do Sul.
O Barão é também reconhecido por iniciar uma aproximação estratégica com os Estados Unidos e a inserção internacional do Brasil moderno de modo geral, quebrando com a política externa voltada para a Europa, que marcou época no Império. Não à toa, a escola preparatória de diplomatas leva o seu nome: o Instituto Rio Branco.
A atuação do Barão do Rio Branco e a transferência do centro diplomático brasileiro de Londres para Washington marcaram a PEB no período da chamada República Velha (1889-1930). As ações externas do Brasil foram direcionadas para a maior inserção do país na política e na economia internacionais, orientada principalmente pelos interesses dos cafeicultores e do setor agroexportador.
A Primeira Guerra Mundial reafirmou essa nova posição da PEB. O Brasil participou ao lado dos Estados Unidos no conflito contra a Alemanha, após as forças alemãs torpedearem navios mercantes brasileiros. Ao fim da guerra, o Brasil assumiu o assento rotativo no conselho da recém-instituída Liga das Nações, firmando sua posição – e reconhecimento – internacional para além das Américas.
GETÚLIO VARGAS E A II GUERRA MUNDIAL
O plano de industrialização e modernização inaugurado por Getúlio Vargas – o nacional-desenvolvimentismo – trouxe impactos importantes para a PEB, a partir de 1930. A atuação internacional do Brasil se voltou para esses objetivos – modernizar e industrializar –, prezando por relações com países que ajudassem na industrialização e desenvolvimento do país. Um desses países era a Alemanha, que exportava para o Brasil bens manufaturados e material bélico, em troca de produtos primários, como algodão e café. Essa aproximação entre Alemanha e Brasil preocupava os EUA nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que forçavam um acordo bilateral com o governo brasileiro. O governo Vargas passou a considerar esse momento como uma oportunidade e direcionou os esforços de política externa a fim de obter o máximo possível das negociações, tanto com a Alemanha nazista, quanto com os Estados Unidos. Esse movimento “pendular” da PEB – ora se aproximando da Alemanha, ora dos EUA – é conhecido como equidistância pragmática, termo cunhado pelo historiador Gerson Moura.
Em 1942, o Brasil declarou apoio aos países aliados (Estados Unidos, Império Britânico, China e União Soviética). A decisão se deu por uma série de fatores, dentre eles o ataque japonês a Pearl Harbor e o torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães. Além de contribuir com o fornecimento de materiais estratégicos, militares brasileiros foram enviados para combater as forças do Eixo na Itália. Em contrapartida, o Brasil recebeu dos EUA investimentos e auxílio para a modernização das Forças Armadas Brasileiras e para a criação da primeira usina siderúrgica nacional.
A participação do Brasil na Segunda Guerra também reflete o esforço do governo Vargas em ampliar o espaço de atuação internacional do país. O Brasil não apenas participou das conferências de paz, como obteve assento rotativo no Conselho de Segurança da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU).
É interessante notar que a política externa do período impactou diretamente a política interna, já que evidenciava uma contradição entre o caráter autoritário do chamado Estado Novo de Getúlio Vargas e o apoio às forças aliadas na Segunda Guerra, que lutavam em prol da liberdade e da democracia. Não obstante, Vargas foi deposto em outubro de 1945.
POLÍTICA EXTERNA NA NOVA REPÚBLICA: ALINHAMENTO VERSUS AUTONOMIA (1945-1961)
São comuns leituras que dizem que a PEB da Nova República (1945-1961) é marcada por movimentos ora de alinhamento, ora de distanciamento e maior autonomia em relação aos Estados Unidos. A PEB do pós-guerra, por exemplo, é um dos principais momentos de aproximação, considerado como um “alinhamento automático” em relação à grande potência. É importante ter em mente que, no período, os países europeus estavam destruídos pela Segunda Guerra e o governo brasileiro – refletindo os interesses das elites – se pautava pelo anticomunismo. Acreditava-se que o Brasil poderia ser o aliado especial dos EUA na América do Sul, aliança que se traduziria em ganhos econômicos e comerciais.
A agenda internacional estadunidense, no entanto, estava voltada para a reconstrução da Europa e contenção do avanço da União Soviética. Por isso, pouca atenção foi de fato direcionada ao Brasil nesse período. Nesse sentido, alguns governos afirmavam a importância de ampliar as parcerias e ganhar maior autonomia no cenário internacional, mas sem que isso significasse uma ruptura em relação aos EUA.
POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE (1961-1964)
O movimento de maior autonomia do Brasil em relação aos EUA ocorreu durante os governos de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964), com a chamada Política Externa Independente: uma estratégia de ação externa do governo brasileiro para ampliar seu poder de barganha no cenário internacional, por meio da ampliação de parcerias econômicas e políticas para além das grandes potências.
Esse novo paradigma da PEB – mais globalista ou universalista –, acompanhou as mudanças que ocorriam em âmbito internacional, como a independência dos países africanos e o deslocamento do eixo político entre Leste e Oeste para o Norte-Sul. Também havia uma necessidade de adaptação à nova realidade econômica e social do país, buscando mercados não apenas para produtos primários, mas também para manufaturados. Nesse sentido, o Brasil buscou assumir uma posição de neutralidade, ou não alinhamento, em relação às questões da Guerra Fria. A intenção era se aproximar dos países recém-independentes e também do bloco socialista, prezando pelo multilateralismo, mas sem perder o contato com países-parceiros tradicionais.
POLÍTICA EXTERNA NA DITADURA MILITAR (1964-1985)
Não é possível dizer que houve uma política externa própria da ditadura militar, no sentido de que as diretrizes da PEB não foram contínuas durante os vinte e um anos de regime (1964-1985). Inclusive, talvez esse seja o período em que seja mais visível o movimento pendular de aproximação-distanciamento em relação aos EUA.
Se, num primeiro momento, a ideia de aliado especial da grande potência – americanismo, conforme colocado pela autora Letícia Pinheiro – pautava a maior parte das ações brasileiras do exterior, após meados da década de 1970 – principalmente após o governo do general Geisel (1974-1979) – a ideia de universalismo volta à pauta da agenda externa brasileira, em consonância com um projeto de desenvolvimento nacional.
Vale lembrar que o contexto era de crise, devido aos choques do petróleo. Foram retomadas, assim, algumas das ações e diretrizes da Política Externa Independente, principalmente tendo em vista a diversificação de parceiros comerciais para as exportações brasileiras. A esse movimento é atribuída a ideia de pragmatismo da Política Externa. Desse modo, é possível compreender a aproximação do governo militar com a China, países da África e do Oriente Médio.
POLÍTICA EXTERNA NOS ANOS DO NEOLIBERALISMO
Os anos 1990 marcam um novo momento da PEB. Enquanto na década de 1980 a política externa esteve em segundo plano na agenda política brasileira, por causa da crise econômica e social que atingiu o país, na década seguinte a agenda externa foi marcada pela busca de credibilidade no cenário internacional, principalmente no que diz respeito à questão econômica e financeira.
As ações do Brasil no exterior são marcadas pela ampliação da participação em organizações internacionais e outros foros multilaterais, além da adesão aos mais variados tipos de tratados e acordos internacionais, a fim de garantir uma boa imagem do país em nível global. É nesse sentido, por exemplo, que podemos compreender o Brasil ter assinado o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), após trinta anos de recusa em assiná-lo.
Essa nova postura da PEB se encaixava no contexto de instauração de um projeto neoliberal no país. Grande importância passou a ser atribuída às instituições internacionais, principalmente as financeiras: Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial. Ainda que seja difícil afirmar que houve um alinhamento direto com os EUA, as relações com parceiros tradicionais e grandes potências predominaram no período. No entanto, maior atenção foi direcionada para o âmbito regional e aos países vizinhos, sobretudo em oposição à proposta de formação da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. O Mercosul também surgiu nesse contexto, em 1991.
POLÍTICA EXTERNA DOS ANOS 2000