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E se o Brasil desenvolvesse armas nucleares?

O Brasil poderia desenvolver armamento nuclear? Ele estaria contrariando quais acordos internacionais? Quais seriam as consequências disso? Entenda

Por Louise Enriconi, do Politize
Atualizado em 12 dez 2017, 17h51 - Publicado em 12 dez 2017, 17h48

E se o Brasil desenvolvesse armas nucleares?

Quais países têm armamento nuclear hoje?

Somente cinco países podem, oficialmente, ter armamento nuclear: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China. Estes foram os países que conseguiram a tecnologia necessária para desenvolver bombas atômicas até 1967. No ano seguinte seria assinado o TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), o principal acordo internacional sobre o assunto, do qual falaremos em seguida.

No entanto, sabe-se que quatro outros países desenvolveram tecnologia nuclear para fins não-pacíficos posteriormente ao TNP: Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. Índia, Paquistão e Israel nunca assinaram o tratado, provavelmente já visando o desenvolvimento de armamentos nucleares em um futuro próximo. A Coreia do Norte chegou a assinar o Tratado, mas retirou-se em 2003, e vem ganhando manchetes de jornais com seus testes nucleares recentes.

Há suspeitas de que outros países, como o Irã, possuem ou estão tentando desenvolver armas nucleares, mas a hipótese nunca foi comprovada pela Agência Internacional de Energia Atômica, responsável oficial por verificar o cumprimento do TNP.

No entanto, vários países utilizam a tecnologia nuclear para fins pacíficos, como é o caso de Brasil, Argentina, Alemanha, Japão, dentre muitos outros. A utilização pacífica da tecnologia nuclear inclui seu uso em procedimentos médicos, a instalação de usinas nucleares para geração de energia e a construção de submarinos de propulsão nuclear, como os que estão sendo projetados pela Marinha brasileira atualmente.

E se o Brasil desenvolvesse armas nucleares?
À esquerda, bombardeio em Hiroshima, 6 de agosto de 1945; à direita, em Nagasaki, 9 de agosto de 1945 ()

Mas o que é o TNP?

Após a crise dos mísseis, em 1961, momento em que a Guerra Fria chegou mais perto de culminar em um conflito nuclear direto entre as duas superpotências URSS e EUA, teve início uma tendência ao apaziguamento das tensões e desaceleração da corrida armamentista. Foi neste contexto de maior diálogo e pacificidade entre os dois pólos que surgiu o TNP. O Tratado de Não Proliferação Nuclear, hoje aderido por 189 países e Taiwan, foi elaborado em 1967 e aberto à assinatura em 1968, entrando em vigor internacional em 1970.

O Tratado busca assegurar que nenhum dos países ainda sem bombas atômicas, na época, tentasse desenvolvê-las posteriormente à assinatura. O documento estabelece, portanto, que somente Estados Unidos, URSS (posteriormente, substituído pela Rússia), Reino Unido, França e China, os mesmos cinco países que compõem o Conselho de Segurança da ONU, poderiam manter seus arsenais, ainda que com o objetivo de diminuí-los no futuro.

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Os demais países do globo somente poderiam desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos, podendo contar com a ajuda das potências nucleares para atingir esse objetivo. O Tratado prevê ainda fiscalizações periódicas pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) em todos os países signatários, para assegurar que a tecnologia nuclear nesses territórios realmente está sendo utilizada para fins pacíficos e que não há pesquisas em andamento visando o desenvolvimento de armamento nuclear.

O Tratado baseia-se, portanto, em três pilares: a não proliferação nuclear, a cooperação para fins pacíficos e o desarmamento nuclear. Dos três propósitos, destaca-se o primeiro, compreendido como não proliferação horizontal, ou seja, o desenvolvimento de armamento nuclear não acontecer em novos territórios. O acordo tem sido eficaz neste objetivo, posto que os países signatários do acordo que não detinham armas nucleares no ano de sua criação não as desenvolveram posteriormente. A exceção é a Coreia do Norte, que se retirou do tratado após sua assinatura, como já comentamos.

Pode-se observar que o TNP é um tratado internacional que defende o status quo, ou seja, defende que o poder permaneça do jeito que estava no dia de sua criação, sem mudanças. Apesar de ter impedido, como observamos, a proliferação horizontal de armamento nuclear entre seus signatários, o TNP não foi tão eficaz em promover o desarmamento e a proliferação vertical – dentro dos países que podem ter armas nucleares -, posto que os arsenais das 5 potências nucleares não diminuíram desde então. Ao contrário, a corrida armamentista entre URSS e EUA durante a Guerra Fria fez com que o número de ogivas existente aumentasse, mesmo após a assinatura do Tratado.

Quando o Brasil assinou o TNP?

Quando o TNP foi criado e assinado, o Brasil passava pelo período ditatorial e seguia a diretriz de “autonomia pela distância” em sua política externa. Considerado um retorno, em partes, à Política Externa Independente de Jânio Quadros (1961-1964), o país perseguia o bem nacional e a sua segurança, deixando o alinhamento internacional em segundo plano. Naquela época, não era claro para os dirigentes brasileiros quais seriam as vantagens do Brasil assinar o Tratado e abrir mão da possibilidade de desenvolver seus próprios armamentos nucleares.

Foi somente 30 anos depois, em 1998, com Fernando Henrique Cardoso e sua política externa de “autonomia pela participação” que o Brasil assinou o Tratado. FHC priorizava os arranjos internacionais e se preocupava com a visão que o meio internacional tinha sobre o Brasil. A assinatura do Tratado asseguraria a imagem do país como pacífico e diplomático, podendo até mesmo colaborar para o objetivo histórico de conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

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O Brasil já assinou outros acordos internacionais sobre armas nucleares?

Na verdade, a assinatura do TNP, em 1998, não teve muito impacto na política brasileira quanto à tecnologia nuclear. O país já estava impedido de desenvolver armamento nuclear dentro de seu território por alguns outros mecanismos legais.

A própria Constituição de 1988 já previa, em seu artigo 21, que o Brasil somente poderia utilizar a tecnologia nuclear para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional. Além disso, o país já havia se comprometido com este propósito ao assinar alguns outros acordos regionais:

O Brasil e o protocolo adicional do TNP

Apesar de o Brasil ter assinado o TNP, ainda não somos signatários de seu Protocolo Adicional, de 1997. Por que não? As autoridades brasileiras têm alguns argumentos, mas a comunidade internacional pressiona para que o país assine o Protocolo. Mas, antes de entrarmos nessa polêmica, vamos entender por que o Protocolo Adicional foi criado?

O que é o Protocolo Adicional?

No final da década de 1980 e início da década de 1990, a AIEA descobriu algumas irregularidades relacionadas à tecnologia nuclear em alguns países. Práticas como o desvio de material físsil na Coreia do Norte – na época, signatária do TNP – e a existência de um programa nuclear não declarado no Iraque fizeram com que a comunidade internacional se mobilizasse para aumentar a fiscalização sobre o desenvolvimento de tecnologia nuclear em Estados-parte do TNP.

Nesse contexto, surge o Protocolo Adicional ao TNP, em 1997, com regras mais rígidas de inspeção e fiscalização de programas e instalações nucleares. Com este novo documento, a AIEA passou a ter acesso a todo o processo de desenvolvimento nuclear, desde a mineração e enriquecimento do urânio até a destinação dos resíduos.

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A agência também passou a poder realizar visitas de verificação em locais não declarados pelo governo do país, como reatores desativados ou centros de pesquisa. Esta é uma das maiores mudanças: antes, a AIEA somente verificava as instalações declaradas pelo Estado, conferindo se os materiais utilizados estavam corretamente contabilizados em seus relatórios oficiais.

Os relatórios dos países também passaram a ficar mais extensos e detalhados, incluindo itens como projetos para futuras instalações nucleares e importação e exportação de objetos relacionados a atividades nucleares. Podem ocorrer visitas não programadas a qualquer tempo, com aviso prévio da AIEA de pelo menos 24 horas de antecedência.

Hoje, 129 dos 189 membros do TNP também são signatários do Protocolo Adicional. O Brasil não é um deles, apesar da grande pressão internacional. Vamos entender por quê?

O Brasil deveria assinar o Protocolo Adicional?

O Brasil já é signatário de vários acordos que reiteram seu compromisso de somente utilizar tecnologia nuclear para fins pacíficos. Então por que ainda não assinamos o Protocolo Adicional do TNP? Levantamos alguns argumentos e contra-argumentos referentes ao documento:

E se o Brasil desenvolvesse armas nucleares?

Ok, então já entendemos o que é o TNP, qual a política brasileira em relação à tecnologia nuclear e a polêmica ao redor do Protocolo Adicional. E se, mesmo assim, o Brasil resolvesse desenvolver armamento nuclear? Quais seriam as consequências? Faremos uma breve reflexão.

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Bom, primeiro o governo brasileiro provavelmente teria de investir muito dinheiro em tecnologia, visto que o enriquecimento de urânio feito hoje no país chega somente a 5%, enquanto o necessário para a produção de armamentos é de aproximadamente 90%. Além disso, é muito provável que as agências fiscalizadoras AIEA e ABACC descobrissem o objetivo brasileiro ainda em um estágio muito inicial. Se isso ocorresse, é igualmente provável que as sanções internacionais começassem logo em seguida: econômicas, políticas e diplomáticas.

Supondo que, ainda assim, o Brasil continuasse a perseguir o desenvolvimento da arma nuclear, o atingimento dessa meta resultaria em grande insegurança e instabilidade, principalmente regional. Tendo quebrado todos os acordos internacionais, regionais e bilaterais sobre o assunto – a não ser que tivesse se retirado de todos antes, o que geraria instabilidade e represálias por si só -, além de violar sua própria Constituição, o país sofreria ainda mais sanções internacionais. Também é possível que os países vizinhos, sentindo-se ameaçados, começassem a desenvolver seus próprios armamentos nucleares, aumentando ainda mais a tensão.

Por fim, se tivesse conseguido desenvolver a arma nuclear com sucesso, o país poderia desfrutar de um certo fator de prestígio no cenário internacional (mesmo que todos tenham cortado relações com o país) e poderia aumentar seu poder de barganha em negociações internacionais. Isso tudo, é claro, se o país não tiver sofrido uma intervenção militar pelas potências nucleares no meio do caminho, impedindo-o de progredir com seus planos e tornando-o uma zona de guerra.

Mas não precisa ficar assustado(a)! Esses são somente alguns dos cenários possíveis. O mais provável é que continuemos a ser um país pacífico no meio internacional por muitos anos ainda!

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Fontes: AIEACarta CapitalEstadãoSenado FederalSuperinteressanteTratado de Tlateloco.

COSTA, Alax Barbosa dos Santos; XAVIER, Matheus da Silva Almeida; FERNANDES, Raísa Oliveira. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À ASSINATURA DO TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES: A questão do Brasil. Cadernos de Aulas do Lea, Ilhéu, v. 1, n. 1, p.1-12, nov. 2012.

FONSECA, Leandro Dalalibera. TNP e o Regime Internacional de Não‐Proliferação: Desafios Contemporâneos. Conjuntura Global, Curitiba, v.2, n.1, p.8-12, 2013.

SOUZA, Thais Mello de. A recusa brasileira ao Protocolo Adicional da AIEA: Aspectos que o discurso insiste em ignorar. In: 3º seminário de Relações Internacionais. Associação Brasileira de Relações Internacionais. Florianópolis, set. 2016.

Conteúdo publicado originalmente no site Politize!

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