O que você precisa saber sobre a reforma da saúde nos Estados Unidos
O presidente norte-americano Barack Obama acabou de conseguir uma grande vitória ao ter o seu plano de reforma da saúde aprovado pela Suprema Corte do país. A Lei de Proteção ao Paciente e Serviços de Saúde Acessíveis (“The Patient Protection and Affordable Care Act”, em inglês), também conhecida como Obamacare, cria um sistema universal de saúde nos Estados Unidos e está previsto para começar em 2014.
Basicamente, a reforma estabelece que todo mundo que vive nos EUA está obrigado a ter um seguro de saúde – quem não tiver terá de pagar uma taxa (chamada de “imposto” pelo texto da nova lei). As pessoas com renda familiar mensal abaixo de R$ 2.390 terão uma ajuda parcial do governo para os custos. Calcula-se que o plano vai incluir no sistema 30 milhões de americanos que não tinham nenhuma cobertura de saúde. A ideia é universalizar essa cobertura e também incentivar a criação de um mercado de seguradoras.
Diferentemente do Brasil, os EUA não têm um sistema público e universal como o SUS (Sistema Único de Saúde), criado a partir do texto da Constituição de 1988 que definia a saúde como “direito de todos e dever do Estado”. “Nos Estados Unidos, ou você paga um plano de saúde ou precisará ter dinheiro para pagar cada consulta e exame [o que não sai nada barato]”, explica o professor de História do cursinho Oficina do Estudante, Daniel Simões. Por lei, no entanto, os hospitais estão obrigados a atender qualquer pessoa durante emergências.
Outro problema no sistema de saúde americano é que as seguradoras não são fiscalizadas pelo governo – o que significa que elas podem alterar preços ou vetar serviços ao usuário sem precisarem prestar contas. No Brasil, existe a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), um órgão criado para regular as empresas privadas do setor.
Isso cria uma cultura em que as pessoas só procuram o hospital para se tratar quando a coisa já está grave – muitas vezes num estado que poderia ser facilmente evitado se fosse feito um acompanhamento médico mais cedo. A conta, no fim, fica caríssima – e os hospitais repassam o custo para o governo e as seguradoras, que cobram cada vez mais dos consumidores.
A reforma de saúde não vai criar um sistema público igual ao brasileiro, mas torna o acesso à assistência médica no país um pouco mais igualitário. “O SUS é considerado um exemplo no mundo inteiro. É claro que há muitos problemas, mas ele de fato acaba por atender todo mundo”, diz o professor Simões.
Ele sugere o documentário “S.O.S. Saúde”, de Michael Moore, para você ficar por dentro da situação médica nos EUA. “O vestibular não vai cobrar essa questão de uma forma profunda, mas é bom para situar o aluno nas discussões que estão sendo feitas. Só é importante ter em mente que o filme é político e mostra um ponto de vista específico”.
Disputa política
Essa foi uma das principais bandeiras políticas de Barack Obama durante as eleições presidenciais e tem provocado fortes reações tanto contra quanto a favor. Seus principais opositores são do conservador Partido Republicano, que dizem que o presidente deveria ter dado mais atenção a outros setores e criticam os supostos gastos excessivos que o plano pode trazer, além de afirmar que essa é uma tentativa de controlar demais a vida privada de cada um. O rival de Obama nas eleições presidenciais a serem realizadas este ano, Mitt Romney, já prometeu que, caso seja eleito, a primeira coisa que vai fazer será revogar a reforma.
O site “Conservapedia.com”, contrário ao Obamacare, descreve o plano como algo que “vai impor muitas penalidades sobre trabalhadores jovens, pequenos empresários e outros que escolhem não pagar por um plano de saúde caro”. E completa: “ObamaCare é o maior favor feito pelos liberais a um único grupo de interesse – a indústria de seguro de saúde – na história americana.”
Charge na página conservadora sobre o Obamacare. Nela, o Tio Sam diz para um cidadão americano: “Ok, velhinho, me dê seu dinheiro, sua previdência social, seu seguro de saúde, sua paz mental e me dê essa bengala também!”
Já o site Thanksobamacare.org lista as suas vantagens. Entre elas estão:
– as pessoas poderão comparar planos de saúde diferentes e escolher o que for melhor para elas;
– os planos de saúde não poderão cobrar taxas maiores de acordo com o sexo da pessoa nem se recusar a atender quem tenha problemas de saúde preexistentes. Além disso, terão de justificar aumentos grandes de preço;
– os planos terão de oferecer um pacote de serviços às mulheres, como mamografia, sem poder cobrar a mais por isso;
– os pequenos empresários podem obter créditos maiores nos impostos caso queiram pagar seguro de saúde aos seus trabalhadores.
Para o professor Simões, esse é um tema importante para os vestibulares e pode dar origem a questões abordando a política neoliberal adotada nos Estados Unidos. “Esse modelo prega que o Estado deve evitar intervenções econômicas. Muitos vestibulares o opõem à política socialdemocrata adotada nos países europeus, onde a garantia do acesso aos serviços básicos é vista como obrigação do Estado e pressupõe intervenções”, explica. Segundo ele, o aluno deve estar preparado para possíveis paralelos com a crise de 2008, quando o governo, mesmo sendo contra isso, teve de fazer uma série de intervenções na economia para controlar a situação.
É importante notar que o debate entre os que são pró (em geral, os democratas) e contra (em sua maioria, os republicanos) a reforma na saúde tem tudo a ver com essa questão. “O neoliberalismo é uma releitura do liberalismo clássico, que acredita que as forças do mercado são os melhores condutores dos sistemas sociais e, por isso, não devem receber nenhuma intervenção do Estado”, explica. Eles acreditam que próprio mercado é capaz de regular essas questões sociais como que por uma mão invisível.
Apoiadores do Obamacare comemoram decisão da Suprema Corte dos EUA, que considerou a reforma constitucional
O pensador Adam Smith, pai do liberalismo, defendia que o egoísmo era bom para a sociedade e quem saía ganhando era o cidadão e o consumidor. O raciocínio é o seguinte: empresários capitalistas só pensam em seus lucros. Mas, para lucrar, precisam vender seus produtos. Para que as pessoas os comprem, eles precisam fazer produtos bons e baratos para levar a melhor na competição com outras empresas – o que, no fim, é bom para o consumidor, que tem mais opções de bons produtos. Assim, se as forças do mercado pudessem agir livremente, a economia poderia crescer e se autorregular. Com os serviços na mão do Estado, não haveria concorrência e o cidadão precisaria se conformar com o que tem.
Segundo o professor Simões, esse pensamento é limitado na prática. “Faria sentido em casos de concorrência perfeita, mas, hoje, as empresas nem sempre estão realmente competindo entre si – elas fazem carteis, combinam preços”, lembra. No entanto, os conservadores mais radicais muitas vezes classificam intervenções como a do Obamacare de socialistas, exagerando que se trata de uma interferência excessiva e indevida do Estado na vida do cidadão.
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