Um vice-presidente pode sofrer impeachment?
O impeachment de Dilma tem se baseado em pelo menos duas alegações, relacionadas a violações da lei orçamentária: a prática das pedaladas fiscais, que seriam uma manobra contábil fraudulenta que configura operação de crédito vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal; e a edição de créditos suplementares por decreto, que não teriam sido previstos na lei orçamentária e que não foram aprovados previamente pelo Congresso. Dilma, como presidente, seria responsável por ambas as práticas, mesmo que tenha sido apenas orientada por sua equipe econômica a assinar esses documentos.
Mas essas acusações acabaram criando uma outra controvérsia. O vice-presidente, Michel Temer, que herda o cargo de Dilma após seu afastamento determinado pelo Senado, também assinou o mesmo tipo de decretos suplementares que constam na acusação contra Dilma. Temer assim o fez em diversos momentos em que era presidente em exercício (isso acontece quando a presidente se ausenta do país, por exemplo).
Se Dilma está sendo julgada por ter assinado tais decretos, Temer também deveria ser julgado por ter feito a mesma coisa, certo? A grande polêmica que surge é: o vice-presidente pode ou não pode ser sujeito a um processo de impeachment? Tanto quem defende que essa possibilidade existe, quanto quem defende que isso não é possível possuem argumentos válidos, que revelam uma lacuna nas regras do impeachment. Como veremos, não é ponto pacífico se a constituição permite esse julgamento. Vamos ver os posicionamentos?
Dilma cometeu crime de responsabilidade? Veja os argumentos contra e a favor
SIM, O VICE PODE SOFRER IMPEACHMENT
A Constituição Federal daria sustentação à tese de que o vice-presidente pode ser impedido de exercer suas funções. O artigo 52, que lista todas as competências privativas do Senado Federal, menciona que esta casa tem o poder de “…processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade…”. Da mesma forma, o artigo 51 prevê que a Câmara pode autorizar a abertura de processo contra o vice. Com base nisso, no início de abril o ministro do STF Marco Aurélio Mello recomendou ao Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que desse prosseguimento a um processo de impeachment contra Temer.
Além disso, alguns constitucionalistas também defendem a possibilidade de o vice ser afastado. É o caso do professor Alexandre Bahia. Entrevistado pelo portal UOL, fez a seguinte declaração: “Quando o Temer exerceu a Presidência, ele era a figura do presidente, com todos os poderes e responsabilidades previstas na Constituição para o titular”. Por essa lógica, qualquer pessoa que tenha exercido em algum momento a presidência (a Constituição prevê que Vice-Presidente e Presidentes da Câmara, do Senado e do STF podem ser Presidentes da República em exercício) pode ser submetido a um impeachment. Assim, mesmo que o vice não seja mencionado em outras leis importantes sobre o impeachment (como veremos adiante), ele poderia ser sujeito ao processo por analogia, já que também exerce o papel de presidente em alguns momentos.
Outros ainda defendem que o impeachment de Temer seria viável assim que ele assumisse definitivamente a presidência. Mas isso cria outra questão: se ele, como presidente, poderia sofrer processo por atos que cometeu enquanto era vice-presidente da República.
E o mais curioso de tudo: o próprio Michel Temer defende que pode acontecer o impeachment de um vice. Muito antes de formar chapa com Dilma, ele foi professor de Direito Constitucional e escreveu quatro livros sobre essa matéria. Em Elementos de Direito Constitucional, lançado em 1982 e reformulado após a Constituição de 1988, Temer defende que sim, cabe impeachment contra o vice-presidente. Evidentemente, isso não significa que essa é a palavra definitiva sobre o assunto, afinal há outros juristas gabaritados que discordam da opinião que Temer emitiu enquanto constitucionalista.
NÃO, O VICE NÃO PODE SOFRER IMPEACHMENT
A mesma Constituição que prevê que o Senado pode julgar o vice-presidente por crimes de responsabilidade não menciona, em seus principais artigos sobre o assunto (85 e 86), a figura do vice-presidente. Veja o caput do artigo 85: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal […]”. Nenhuma menção a atos do vice-presidente. Da mesma forma, o artigo 85 prevê a tramitação do processo na Câmara, novamente mencionando apenas o Presidente como sujeito do processo.
Ainda há mais um ponto a favor da tese de que o vice não pode ser sujeito a impeachment. O parágrafo único do artigo 85 prevê que os crimes de responsabilidade serão definidos em lei especial. Esta é a Lei do Impeachment (1.079/1950). E veja só: mesmo mencionando Ministros de Estado e até governadores e secretários estaduais, esta lei não cita em nenhum momento o vice-presidente. O artigo 4o afirma que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal […]”, da mesma forma que a Constituição.
Assim, o argumento contra o impeachment de vice é: se a própria lei não define que crimes de responsabilidade podem ser cometidos por um vice, como ele pode ser julgado por eles?
Se o ministro Marco Aurélio se manifestou a favor do pedido de impeachment de Temer, outros ministros do STF se colocaram contra essa possibilidade. Gilmar Mendes disse que nunca havia ouvido falar da possibilidade de impeachment contra o vice. Já o ministro Celso de Mello rejeitou o mandado de segurança aceito por Marco Aurélio, que forçava a Câmara a abrir processo contra Temer. O motivo seria a ingerência indevida do Poder Judiciário sobre atividades do Legislativo (apenas o presidente da Câmara pode determinar ou não a abertura do processo; o Supremo não pode forçá-lo a isso).
A autora do pedido de impeachment, a professora de Direito Janaína Paschoal, também foi confrontada com essa questão na comissão especial do Senado. O senador Randolfe Rodrigues perguntou à professora sobre uma série de decretos, sem especificar que Temer havia assinado tais decretos. Após Janaína confirmar que a assinatura de tais decretos configuravam crime de responsabilidade, Rodrigues respondeu afirmando que aquilo era o motivo por que Temer também deveria sofrer impeachment.
Janaína, na tréplica, defendeu que Temer assinou os decretos “por delegação” e que por isso não há evidências de que cometeu crime de responsabilidade. Da mesma forma, aliados de Temer defendem que não há impeachment de vice porque as pessoas que o orientaram a assinar os decretos foram nomeadas por Dilma. A política econômica do governo seria de responsabilidade exclusiva do Presidente, e não de seu vice. Assim, não caberia impeachment contra Temer.
Como você pode ver, este é mais um ponto polêmico dessa novela do impeachment. E você, acha que Temer pode sofrer impeachment como vice-presidente? Deixe sua opinião!
*Texto escrito por Bruno André Blume e publicado originalmente no portal Politize!