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Marco Temporal: o que essa mudança representa para os povos indígenas?

Ao alterar o princípio de demarcação de terras, a proposta segue o roteiro conhecido há 500 anos no Brasil: o do extermínio dos povos originários

Por Raphael Amaral, o Tim
Atualizado em 12 jun 2023, 16h38 - Publicado em 12 jun 2023, 14h14

O tapete vermelho do Palais des Festivals, onde ocorre o famoso Festival de cinema de Cannes, na França, foi palco de uma inesperada manifestação em defesa dos povos indígenas do Brasil. Na última semana de maio, durante a mostra “Un Certain Regard”, a delegação do premiado filme A Flor do Buriti, juntamente com celebridades como Juliette Binoche e Benoit Magimel e também com lideranças indígenas brasileiras, aproveitaram a atenção internacional voltada ao evento para denunciar as ameaças que o “Marco Temporal” representa aos nosso povos originários. Simultaneamente, os atores Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio postaram no Twitter mensagens apoiando a luta dos indígenas em oposição ao “marco”. 

Os recados acompanharam as crescentes mobilizações feitas por diferentes setores da sociedade brasileira, partidos políticos e organizações civis que também se opõem ao Marco Temporal. Como entender, então, do que se trata esse “marco” e por que ele tem sido alvo de campanhas nacionais e internacionais contra sua aprovação?

O que é, afinal, o Marco Temporal?

O Projeto de Lei (PL) do “Marco Temporal” é de autoria do ex-deputado Homero Pereira (falecido em 2010), antigo líder da bancada ruralista. Aprovado na Câmara dos Deputados como PL 490/2007, o Marco Temporal condiciona a demarcação de terras indígenas à comprovação de presença física dos indígenas nas respectivas áreas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição de 1988.

Ou seja, segundo o PL do “Marco Temporal”, para que essas terras possam ser demarcadas como indígenas, os povos originários do Brasil devem fornecer provas objetivas de que utilizavam essas áreas para suas atividades produtivas, ambientais, físicas e culturais na data mencionada. Caso não haja a comprovação, os indígenas poderão ser removidos e as terras poderão ser destinadas à agropecuária, ao extrativismo e outros empreendimentos econômicos. O projeto está em discussão no Supremo Tribunal Federal, e ainda precisa ser votado no Senado.

+ Demarcação de terras indígenas: tudo que você precisa saber

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A discussão é atual, mas a Constituição de 1988 já fala categoricamente sobre “Terras Indígenas” (TI). O artigo 231, por exemplo, assegura direitos aos indígenas e define as TIs como “terras tradicionalmente ocupadas” pelos povos indígenas, reservando a eles “sua posse permanente” e “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. O mesmo artigo afirma ainda que as TIs “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. 

Traduzindo: o Marco Temporal quer alterar a forma como a Constituição definiu o assunto, pois pretende rever quais terras podem ser enquadradas no artigo 231 e qual deve ser o critério para esse enquadramento. O PL do “marco” ainda defende que o próprio processo de demarcação de terras não deve mais ser uma atribuição da FUNAI, mas sim do próprio Congresso Nacional

Grupos políticos e econômicos favoráveis ao Marco Temporal afirmam que ele trará segurança jurídica para a resolução e pacificação de disputas de terras e, dessa forma, promoverá investimentos econômicos relacionados à agricultura, mineração, extração de madeira etc. Acreditam ainda que ele vai definir com mais precisão quais são as comunidades que realmente mantêm atividades tradicionais que caracterizam seu território como indígena.

Contrários a essa interpretação, lideranças indígenas, movimentos sociais, organizações nacionais e internacionais contestam que o projeto representa mais um episódio de violência contra os povos originários, pois vai gerar novas remoções forçadas, usurpações de terra, conflitos, confinamentos em territórios limitados, apagamentos de histórias, de identidades e de culturas nativas. Por esse viés, o Marco Temporal reforçaria o que vem ocorrendo nessa parte do planeta há cerca de 500 anos.

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Brasil, cemitério indígena?

Ao longo da história, a expansão do Brasil (ou do que um dia passou a ser chamado de “Brasil”, depois da invasão portuguesa) dependeu da dizimação de povos indígenas. Apesar de o número ser incerto, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha afirma que as pesquisas calculam que havia entre 5 e 9 milhões indivíduos habitando nossas terras em 1500. Levando em consideração que o Censo de 2010 contabiliza atualmente cerca de 900 mil indígenas, essa drástica redução dos povos nativos, de acordo com Cunha, fornece a magnitude do genocídio sobre o qual foi construído a História do Brasil.

Entre os séculos XVI e XX, a ideia de que as populações originárias deveriam possuir o direito sobre as terras que elas já habitavam há cerca de 12 mil anos foi ignorada – ou ativamente combatida. Embora a Constituição de 1988 tenha sido a primeira a reconhecer que os indígenas possuem direitos originários, ou seja, direitos anteriores à criação do Estado brasileiro, poucos anos antes dessa legislação o próprio governo federal atacava intensamente os povos nativos. 

Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, durante a Ditadura Militar (1964-1985) o Estado brasileiro foi responsável pela morte de cerca de 8.300 indígenas. Tanto por omissão quanto pela ação direta do Estado, no regime ditatorial os empreendimentos na área de infraestrutura (como a construção de estradas e hidrelétricas), a agropecuária e a mineração vitimaram intensamente as populações indígenas.

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No século XXI, a lógica continua. Enquanto as imagens do massacre dos povos Yanomami rodavam o planeta no início de 2023, o Marco Temporal avançava no Congresso Nacional, evidenciando que modelos econômicos continuam tendo mais valor do que os direitos indígenas no Brasil. 

De acordo com a antropóloga Artionka Capiberibe, nas disputas sobre a categoria “Terra Indígena” o que vem ocorrendo é uma total desconsideração sobre direitos fundamentais dos povos nativos. Ainda segundo Artionka, a maneira como os Três Poderes têm atuado acaba esvaziando o conceito de “justiça”, tornando a grilagem mais importante que o direito dos povos originários. 

Assim, fica claro que o debate contemporâneo no Brasil se transforma numa reedição do que houve de pior na História da América desde que foi invadida pelo europeu: desequilíbrio e supremacia. Ou seja, um grave desequilíbrio entre modelo econômico, preservação ambiental e biodiversidade, assim como a afirmação supremacia dos herdeiros (diretos e indiretos) das estruturas de poder implantadas neste território pelos colonizadores, sufocando implacavelmente os direitos dos descendentes étnico-raciais dos povos conquistados.

 

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