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Por que o BRICS incomoda tanta gente?

O BRICS não é a primeira iniciativa que une países em desenvolvimento - o que não é visto com bons olhos pelas nações ricas, acostumadas a liderar o mundo

Por Raphael Amaral, o Tim
Atualizado em 4 set 2023, 11h17 - Publicado em 4 set 2023, 11h07
Encontro dos BRICS em Conferência na África do Sul, em agosto de 2023, no qual foram convidados novos países membros: Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.
Encontro dos BRICS em Conferência na África do Sul, em agosto de 2023, no qual foram convidados novos países membros: Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.  (Per-Anders Pettersson/Getty Images)
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Em meio a fortes crises ocorridas no seu próprio país, o presidente da França, Emmanuel Macron, encontrou tempo para criticar a proposta de ampliação do BRICS feita durante a 15ª Cúpula dos Chefes de Estado do grupo, ocorrida em Johanesburgo (África do Sul). O chefe de Estado francês disse estar preocupado com o “risco de enfraquecimento do Ocidente e, mais especificamente, da nossa Europa”. Afinal, segundo Macron, o poder internacional representado pelos BRICS vem de ressentimentos abastecidos por “um anticolonialismo reinventado ou fantasioso em alguns casos e, em outros, por um anti-ocidentalismo instrumentalizado”.

Esse pronunciamento do presidente da França foi realizado poucos meses depois de o país virar palco de gigantescas ondas de revoltas. Entre junho e julho de 2023, a sociedade francesa protestou contra a violência policial contra imigrantes, o agravamento da discriminação, e o empobrecimento geral da população. Nos meses anteriores, milhões de franceses haviam decretado greve geral visando impedir a reforma da previdência que aumentaria a idade de aposentadoria. 

Na Cúpula ocorrida em Johanesburgo, os BRICS (que, desde 2010, agrupa Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) anunciou sua expansão convidando oficialmente Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã para ingressarem no grupo a partir de 2024. Há ainda outros países localizados na América Latina, África, Leste europeu, Oriente Médio e Ásia que já demonstraram interesse em fazer parte do grupo.

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O BRICS, até o momento, não se define como um bloco econômico, mas sim como um grupo de países que pretende desenvolver ações que fortaleçam a cooperação econômica, o desenvolvimento social, as questões sociais relacionadas à rápida urbanização, a governança, o progresso científico e outros pontos comuns entre seus membros. Enquanto um grupo multilateral, a história de cada um deles está repleta de diferenças (e até mesmo oposições) em suas estruturas econômicas, assim como nas formações culturais e religiosas. O fato é que, se forem somadas, as economias do BRICS representam cerca de 25,5% do PIB global, podendo ultrapassar o G7 nos próximos anos. O poder militar do BRICS conta com 5,2 milhões de efetivos ativos (que vão crescer mais 1,5 milhão com a entrada dos novos países), tornando-o uma potência militar e de poder nuclear gigantesco.

A tentativa de deslegitimar o BRICS realizada por Macron foi acompanhada pelas críticas que Jim O’Neill (economista britânico que deu nome ao grupo) fez à expansão dos países membros. Por anos, O’Neill atuou junto ao Goldman Sachs (um dos bancos de investimentos responsáveis pela crise econômica de 2008) e ainda é uma referência intelectual aos defensores do neoliberalismo. Em entrevista à BBC Brasil, O’Neill afirmou que, com a expansão, os BRICS “estão se enfraquecendo” e sugeriu que a prioridade do grupo “foi achar países que se irritam com facilidade com o Ocidente”, classificando tal ideia como “decepcionante”.

A reação negativa de lideranças políticas e economistas do “Norte Global” às mudanças no BRICS parte do pressuposto de que o planeta ainda depende da tutela e da permanente aprovação dos países mais ricos para se movimentar. As declarações soam como se as únicas relações internacionais possíveis fossem aquelas autorizadas pelos antigos colonizadores. O fato é que qualquer sinal de um “Sul Global” mais autônomo, mesmo que não rompa com as instituições capitalistas que regem a economia global (como é o caso do BRICS), sempre acaba gerando reações negativas de agentes que, por séculos, se acostumaram a ditar os rumos do mundo.

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As lutas contra o colonialismo

Conferência de Bandung reuniu países africanos e asiáticos que haviam acabado de conquistar sua independência, em 1955.
Conferência de Bandung reuniu países africanos e asiáticos que haviam acabado de conquistar sua independência, em 1955. (Universal History Archive/Universal Images Group/Getty Images)

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as relações internacionais passaram por grandes transformações. O enfraquecimento do Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica e outros antigos países colonizadores foi acompanhado pelas crescentes disputas por poder entre os EUA e a União Soviética (URSS). Nesse contexto, diversas regiões africanas e asiáticas que vinham sendo controladas pelo imperialismo ocidental desde o século XVIII romperam com o colonialismo e conquistaram militarmente suas independências.

Em meio a disputas internas e as tensões da Guerra Fria, esses recém-criados Estados buscaram formar alianças entre si, partindo da “ousada” ideia de que a autonomia que passaram a desfrutar deveria ser acompanhada da liberdade de decidir o que era melhor para o seu país, sem depender do aval das grandes potências globais.

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O economista francês Alfred Sauvy, classificou esses países de “Terceiro Mundo”, cunhando a expressão para descrevê-los diante da ordem mundial polarizada entre o capitalismo (que seria o primeiro mundo) e o socialismo (que, nessa ideia, seria o segundo mundo).

Um dos eventos marcantes da afirmação dessa autonomia terceiro-mundista ocorreu no ano de 1955, quando dezenas de países da África, Ásia e do Oriente Médio se reuniram na Conferência de Bandung (Indonésia), para tentar encontrar os pontos de alianças políticas e econômicas que poderiam ser fortalecidos, visando impedir que se tornassem meramente países satélites dos EUA, da URSS ou dos antigos colonizadores.

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A realização de algumas conferências internacionais desse grupo criou, ainda nos anos 1950, a ideia do “não-alinhamento”, ou seja, países que pretendiam construir caminhos mais autônomos entre os blocos capitalista e soviético. Um dos momentos centrais desse chamado movimento “não-alinhado” se deu em 1961, quando países da América Latina se somaram aos africanos, asiáticos e países orientais e mesmo do Leste Europeu se encontram em Belgrado (ex-Iugoslávia, atual Sérvia) para estabelecer a Conferência dos Países Não-Alinhados. Assim como o “Norte Global” esses países também possuíam pontos de divergência entre si, mas acreditavam que as resoluções de tais disputas, assim como o avanço dos intentos convergentes, deveriam ser agenciadas por eles mesmos e não pelas potências globais.

A reação dos países ricos

Até o momento, nenhuma das propostas do BRICS envolve alguma ruptura drástica com o capitalismo e o sistema financeiro global. Ainda assim, as reações de Emmanuel Macron e Jim O’Neill à expansão do BRICS reforçam a costumeira deslegitimação que o “Norte Global” apresenta sobre movimentações das quais ele não é o protagonista. Tal postura, no entanto, é apenas uma das facetas da forma agressiva como o Ocidente costuma agir quando vê seus interesses confrontados.

O envolvimento belga no assassinato do congolês Patrice Lumumba (cujo corpo foi esquartejado e dissolvido em ácido), assim como a atuação do governo dos EUA em golpes de Estado sobre a América Latina (envolvendo, por exemplo, a participação norte-americana no impeachment ocorrido no Brasil em 2016) são casos que evidenciam o tipo de reação que as lideranças ocidentais estão dispostas a adotar para esmagar indivíduos e organizações que representem algum tipo de ampliação da autonomia do “Sul global”.

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Curiosamente, os mesmos líderes globais ocidentais que criticam as turbulências governamentais e econômicas em países que não sejam os deles, não demonstram a mesma preocupação ao analisarem suas próprias regiões e tampouco reconhecem o quanto essas rupturas institucionais favoreceram a eles. O que resta são apenas discursos esvaziados de uma tutela perdida sobre os territórios que eles classificam como “anti-ocidentais”.

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