Professores comentam as polêmicas envolvendo a prova de redação do Enem
No começo desta semana, vieram à tona dois casos de alunos que “boicotaram” suas próprias redações no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2012 e, ainda assim, não tiveram suas provas zeradas. Fernando César Maioto Júnior, de São José do Rio Preto (SP), colocou trechos do hino do Palmeiras em sua redação sobre imigração no século 21 e tirou nota 500 (a pontuação vai de 0 a 1.000). No outro caso, Carlos Guilherme Custódio Ferreira, de Campo Belo (MG), inseriu uma receita de “miojo” no meio de seu texto, “para não ficar muito cansativo” e teve nota 560. O objetivo dos estudantes, segundo eles próprios disseram em entrevistas, era provar que os corretores não liam as redações com a devida atenção e davam notas aleatórias.
Além disso, o jornal O Globo revelou que alguns dos textos que receberam nota máxima traziam erros crassos de português, como “rasoável”, “enchergar” e “trousse”. Pedimos a professores de redação de cursinhos que comentassem essas polêmicas. Abaixo, você lê a opinião da professora e coordenadora do Cursinho do XI, Augusta Aparecida Barbosa, do professor de redação e português do Cursinho da Poli, André Valente, e da professora do cursinho Oficina do Estudante, Ednir Barbosa. Depois, não deixe de fazer seu próprio comentário sobre isso!
Escrever não é tarefa fácil
Por Augusta Aparecida Barbosa, Cursinho do XI
Escrever não é tarefa fácil. É preciso dedicação entendimento, muita leitura e uma boa dose de estímulo. Aprender a usar as palavras pode facilitar a vida de uma pessoa. Mas para isso é necessário que se tenha certa bagagem, conhecimento a respeito do mundo e muita vontade.
De um estudante do ensino médio espera-se o mínimo dessa experiência e motivação para construir textos coerentes e adequados. Por isso, é “estranho” que textos apresentados para a prova do ENEM tenham sido construídos de forma tão desleixada. Percebe-se que os estudantes ou são absolutamente despreparados ou debocharam. E eu não sei o que é pior! Pois ambos denigrem a capacidade de ensinar. Afinal, alguns profissionais estão se dedicando.
Será que são estes autores os que deverão escrever os novos textos para ordenar o país? As próximas leis? É mesmo isso que uma Universidade espera dos estudantes que pretendem se especializar? Como uma pessoa que se diz universitária pode não conhecer a própria língua?
Como professora, lidando com adolescentes pré-vestibulandos percebo que, na verdade, muitos precisam apenas de orientação para estudo e leitura. Infelizmente, para uma parte dos professores é mais fácil dizer que o jovens não gostam de ler, do que orientá-los.
É claro que os responsáveis não são só os professores que não estimulam. Os diretores de escolas ou pais que não se importam com o desempenho intelectual, mas apenas com as notas satisfatórias dos alunos, também contribuem para o processo de “não gostar de ler” e de rejeitar o conhecimento.
Sinceramente, penso que as correções das redações do ENEM foram, no mínimo equivocadas e que um professor que queria formar não pode admitir tal processo de zombaria.
O espetáculo da educação
Por André Valente, Cursinho da Poli
Esta semana, a mídia reservou especial atenção ao ocorrido na prova de redação do Enem 2012. Dois candidatos transgrediram as normas da prova, inserindo nos textos fragmentos que não tinham qualquer relação com o tema ou com o restante do próprio texto e provas com erros ortográficos tiveram nota máxima. A mídia rapidamente, deu voz à indignação popular quanto às notas obtidas pelos dois candidatos que fizeram isso. Em sala de aula, jovens que se preparam para prestar o Enem no final deste ano, já se preocupam com os critérios de correção. A credibilidade do exame que, até então, em sua mais recente edição, estava intocada é colocada em dúvida.
Os argumentos usados pela organização do exame para tentar justificar o fato de os dois candidatos não terem suas redações anuladas são inaceitáveis. Foi dito que eles erraram apenas parcialmente, ou seja, é como se um texto pudesse ser lido considerando suas partes de forma isolada, quando o que ensinamos em sala de aula é exatamente o contrário disso.
Compreensível, embora inaceitável, a tentativa de justificar, já que se trata do nome das instituições colocado em xeque.
Apesar de tudo isso, é preciso cautela para se avaliar a situação. Duas redações não podem invalidar todo um processo que tem centenas de milhares de participantes. O MEC deve apurar o que aconteceu e punir, da maneira que lhe couber os responsáveis, deve assumir a sua parte e procurar corrigir os erros, mostrando para a opinião pública, que isso foi um caso isolado. Por sua vez, a mídia, deveria cumprir seu papel social e estimular a discussão produtiva, crítica e não partir para a espetacularização que está acontecendo em torno do assunto. O que se percebe é uma busca obsessiva por provar que o Enem não é confiável. Transparece um oportunismo de quem, por motivos inúmeros, está incomodado com os resultados do exame. Ou seja, tornou-se uma disputa política, na qual, o maior objetivo é desconstruir um projeto. É lamentável que os casos de sucesso sejam tão pouco explorados, enquanto esse tipo de notícia, quase sempre, ganha capas de jornais, revistas, sites e um espaço considerável em rádio e TV. Isso mostra o quanto nossa educação e nossa cultura são a do espetáculo, do escândalo e não da valorização do que há de positivo. Em relação aos erros ortográficos, é preciso que se entenda que o fato de alguém escrever errado uma palavra ou até mesmo cometer erros de concordância, regência, enfim, nem sempre comprometem o entendimento e a apreensão do sentido de um texto, o que é mais importante, já que na vida acadêmica e ou depois dela, tais erros podem ser corrigidos por uma boa revisão no texto.
Quanto aos jovens, que estão se preparando para o Enem 2013, deve ficar a persistência em se preparar da melhor maneira possível, escrevendo muito, afinando o senso crítico, buscando referências, tendo como meta o sucesso na prova, para, quem sabe, de posse de seus conhecimentos colaborem para que em nosso país, educação pare de ser tratada como brincadeira.
Artigo da professora Ednir Barbosa, da Oficina do Estudante
A divulgação de textos de redação do ENEM com excertos de hinos de time de futebol e receitas (e outros erros gramaticais) confunde e desorienta os alunos que prestam ou prestarão esse exame de avaliação. Primeiro, porque sentem-se injustiçados perante às falhas de correção. Depois, porque podem se desestimular para o aprendizado da técnica de redação, importante elemento de comunicação para o resto de suas vidas.
Isso é grave, na medida em que tais alunos passam a desacreditar nas instituições que organizam o exame. Mais grave ainda se desistirem de aprender de verdade e se dedicarem a buscar, também, caminhos tortuosos para êxito nas provas.
O problema da correção das redações é de difícil solução. Corrigir milhões de redações num espaço curto de tempo requer muita gente bastante capacitada e um treinamento eficaz para evitar falhas como as que foram publicadas.