Aluna bolsista emociona redes sociais com discurso de formatura
Michele fala sobre preconceito e dificuldades enfrentadas durante a graduação de direito
Era dia 15 de fevereiro. O auditório do Citibank Hall, enorme casa de eventos de São Paulo, estava lotado para a cerimônia de formatura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em nome dos bolsistas, a formanda de direito Michele Alves, de 23 anos, que é filha de empregada doméstica, traz um discurso crítico em relação ao ambiente universitário: “Me dedico à resistência daqueles que cresceram sem privilégios, sem conforto e sem garantia de um futuro promissor, daqueles que foram silenciados na universidade quando pediram voz e que carregaram, desde cedo, o fardo do não pertencimento às classes dominantes.”
A fala de 5 minutos, aplaudida de pé, viralizou nas redes sociais nesta semana. Michele descreveu uma experiência de preconceito e dificuldades vividas com alunos e professores da universidade.
“Nós resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dava, aos discursos reacionários da elite e a sua falaciosa meritocracia. Resistimos à falta de inglês fluente, de roupa social e linguajar rebuscado que o ambiente acadêmico nos exigia”, falou.
Assista ao discurso de Michele:
No meio do discurso, a formanda de direito também lembrou de um episódio marcante que aconteceu no terceiro dia de aula e quase a fez desistir do curso. “Resistimos aos professores que não compreenderam nossa realidade e limitações e faziam comentários do tipo: por favor, não estudem Direito Civil por sinopse, porque até a filha da minha empregada que faz Direito na ‘Uniesquina’ estuda Direito por sinopse”, disse.
A mensagem foi dedicada ainda às famílias “que a muito custo mantiveram seus filhos na universidade e aos estudantes que perderam, no mínimo, três horas diárias em transportes públicos”.
Leia o discurso na íntegra:
Caros colegas, pais, professores, convidados, boa noite. Depois desse discurso animado, eu vim com um discurso rápido para o mesmo e um discurso que fala um pouco da nossa realidade aqui na PUC. Nessa noite tão especial, na qual relembramos nossa trajetória na Pontifícia, gostaria de falar sobre resistência, palavra tão usada por nós ao longo desses cinco anos. Todavia, não quero aqui abranger toda e qualquer resistência. Quero falar de uma em específico, da resistência que uma parcela dos formandos, que, infelizmente, são minoria neste evento, enfrentaram durante sua trajetória acadêmica.
Me dedico à resistência daqueles que cresceram sem privilégios, sem conforto e sem garantia de um futuro promissor, daqueles que foram silenciados na universidade quando pediram voz e que carregaram, desde cedo, o fardo do não pertencimento às classes dominantes.
Me dedico à resistência das famílias que a muito custo mantiveram seus filhos na universidade, à resistência dos estudantes que perderam, no mínimo, três horas diárias em transportes públicos. Hoje, trago a história de jovens sonhadores que há cinco anos atrás iniciaram uma história de resistência nessa universidade. Trago a história de resistência da periferia, dos pretos, dos descendentes de nordestinos e dos estudantes de escola pública.
Nós, formandos bolsistas resistimos à PUC São Paulo, aos sonhos que nos foram roubados e à realidade cruel que nos foi apresentada no momento em que cruzamos os portões da Bartira e da Monte Alegre. Nós resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dava, aos discursos reacionários da elite e a sua falaciosa meritocracia. Resistimos à falta de inglês fluente, de roupa social e linguajar rebuscado que o ambiente acadêmico nos exigia.
Resistimos também à falta de apoio financeiro e educacional da Fundação São Paulo, aos discursos da vitimização das minorias e à suposta autonomia do indivíduo na construção do seu próprio futuro. Resistimos também aos insultos feitos a nossa classe, aos desabafos dos colegas sobre suas empregadas domésticas e seus porteiros. Mal sabiam que esses profissionais eram na verdade nossos pais.
No mais, resistimos aos professores que não compreenderam nossa realidade e limitações e faziam comentários do tipo: por favor, não estudem Direito Civil por sinopse, porque até a filha da minha empregada que faz Direito na ‘Uniesquina’ estuda Direito por sinopse. Essa frase foi dita por uma professora de Direito Civil no meu terceiro dia de aula. Após escutá-la, meu coração ficou em pedaços, pois naquele dia soube que a faculdade de Direito da PUC São Paulo não era para mim.
Liguei para minha mãe, empregada doméstica, chorando, e disse que iria desistir. Entretanto, após alguns minutos de choro compartilhado, ela me fez enxergar o quanto eu precisava resistir àquela situação e mostrar à PUC e a mim mesma o quanto eu era capaz de obter este diploma.
Essa história não é apenas minha, mas de todos os bolsistas formandos da PUC São Paulo. Somos os filhos e filhas do gari, da faxineira, do pedreiro, do motorista e da mãe solteira. Por isso, a eles, nossos maiores inspiradores, dedicamos nossa história de resistência nessa universidade. Que nossa história inspire outros jovens pobres a resistirem.
Avante, companheiros. Avante, pois nossa luta está apenas começando. Por fim, como nunca é tarde para dizer, ‘Fora Temer’. Muito obrigada.