Desmatamento: A ameaça persiste sobre a Amazônia
MADEIRA ABAIXO Área desmatada da Floresta Amazônica em Sinop (MT): a soja e o gado avançam cada vez mais rumo ao norte
A ameaça persiste sobre a Amazônia
Por Martha San Juan França
O desmatamento volta a subir no Brasil e pode comprometer a meta do país de preservar as florestas para diminuir emissões de carbono
Após conseguir reduzir expressivamente a destruição na Amazônia nos últimos anos, o Brasil voltou a sofrer um revés na luta contra o desmatamento. Entre agosto de 2014 e julho de 2015, 5.831 km2 de floresta foram derrubados na região, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Esse número representa uma alta de 16% em relação ao período anterior. A derrubada de floresta no ano passado corresponde a uma área do tamanho de Brasília.
Segundo o governo federal, houve uma mudança no perfil do desmatamento. Diferentemente do que vinha sendo registrado nos últimos anos, quando o corte de árvores era pulverizado, voltou a ocorrer o desmate de grandes áreas. Os estados que mais desmataram foram Amazonas (54% de aumento em relação ao período anterior), Rondônia (41%) e Mato Grosso (40%). De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a fiscalização falhou nesses estados principalmente ao redor de áreas públicas e terras indígenas. Outra questão que chama atenção é o crescimento da taxa de desmatamento vinculado à expansão da agricultura e da pecuária e à retirada de madeira ilegal.
ALTOS E BAIXOS Observe que, depois do crescimento verificado até 2004, há tendência de queda no total desmatado de 2005 a 2012, salvo um repique em 2008, como resultado das ações de controle. A taxa volta a subir em 2013 e em 2015.
Efeito estufa
A divulgação dos dados causou preocupação entre ambientalistas, que temem um retrocesso nos esforços do Brasil para proteger a Amazônia. Desde 2004, a taxa anual de desmatamento caiu 76%, o que rendeu ao país elogios de organizações ambientais internacionais. As políticas públicas de controle do desmatamento nos últimos anos foram fundamentais para melhorar a qualidade do ar e conter as emissões de gases de efeito estufa.
As florestas, em especial a Amazônica, têm um papel vital para a manutenção das espécies e para o controle do aquecimento global. De um lado, porque funcionam como uma espécie de “filtro” do carbono. Em condições normais, a floresta tem uma enorme capacidade de retirar, pelo processo de fotossíntese, o CO2 da atmosfera, um dos grandes vilões do aumento da temperatura mundial, e estocá-lo na forma de biomassa. Por outro lado, porque a queima e a degradação de biomassa, resultante do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, é uma das principais fontes das emissões brasileiras de CO2 .
Além disso, a perda da vegetação pode causar impactos de grande alcance, modificando a temperatura e o regime de chuvas, bem como a fonte dos rios de outras regiões. A perda da biodiversidade também é importante: a variedade de animais e plantas está relacionada à conservação dos ecossistemas, e consequentemente à produção alimentícia, fertilidade do solo, qualidade da água e do ar, reciclagem dos nutrientes e regulação da temperatura, entre outros benefícios.
ENERGIA NA SELVA Área de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que começou a operar em abril de 2016
Compromissos na ONU
Na COP-21, a conferência do clima das Nações Unidas, realizada em dezembro de 2015 em Paris, todos os países-membros assumiram compromissos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O Brasil se comprometeu, entre outras coisas, a acabar com o desmatamento ilegal, restaurar 12 milhões de hectares de florestas (um hectare corresponde a aproximadamente um campo de futebol) e recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas. Essa seria a principal contribuição do país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030 (em relação aos índices de 2005).
Por isso, existe a preocupação de que o retrocesso registrado em 2015 possa afetar o cumprimento das metas no longo prazo. Mas, segundo o Ministério do Meio Ambiente, os índices estão dentro da média de oscilação de mais ou menos 5 mil km2 e podem retornar à trajetória de queda. Mesmo com o aumento de 2015, os dados de desmatamento ainda apresentam um decréscimo de 70% na comparação com a média entre 1996 e 2005, auge da derrubada de florestas devido à expansão da produção de soja e carne.
Histórico de devastação
O desmatamento na Amazônia tem suas raízes na história da ocupação do território desde os tempos em que os portugueses aqui chegaram e deram o nome de Brasil às terras recém-descobertas. A partir do século 16, a receita de produção agrícola brasileira consistiu na derrubada da vegetação original e sua substituição pela pecuária e lavoura. A ocupação, que inicialmente se deu no litoral, ia tornando os solos estéreis com sua expansão, fazendo com que a fronteira avançasse gradualmente em direção às florestas e aos campos ainda intactos.
Nos últimos 20 anos a Amazônia perdeu uma área de floresta superior ao estado de Mato Grosso do Sul
A exploração predatória, a destruição da vegetação e a ocupação desordenada provocaram efeitos a longo prazo que estão se fazendo sentir fortemente agora, com o assoreamento (excesso de sedimentos nos leitos de rios e lagos) e a diminuição da quantidade e qualidade dos mananciais, o empobrecimento do solo e as alterações no microclima.
Medidas de contenção
Em torno de 17% da vegetação nativa da Amazônia brasileira já foi destruída. Só nos últimos 20 anos, foram derrubados 360 mil km2 de floresta, uma área superior à de Mato Grosso do Sul. Nesse período, muito dinheiro foi gasto em grandes obras, como hidrelétricas e estradas, que incentivaram a ocupação desordenada e acabaram funcionando como um gatilho para a devastação. Além disso, as ameaças continuam em áreas específicas devido à atividade madeireira ilegal, a conversão de floresta em pastagens e o avanço da fronteira agrícola, em especial com a expansão da soja.
Para barrar o desmatamento, grandes operações de fiscalização fizeram com que houvesse a queda festejada pelo governo ocorrida entre 2005 e 2012. Outras medidas foram aplicadas de forma mais intensa nesse período, como a criação de unidades de conservação integrais (que não permitem nenhum tipo de atividade econômica), ou de uso sustentável (que comportam exploração econômica, desde que de forma planejada e preservando os recursos naturais).
Terras indígenas, parques e áreas protegidas, embora muitas vezes sofram invasões de latifundiários, são um dos mais eficientes inibidores de destruição da floresta.
Além disso, organizações ambientalistas, grupos de consumidores e instituições financeiras iniciaram uma pressão conjunta para implementar critérios socioambientais mais rigorosos na produção agrícola da Amazônia, em contraposição à monocultura extensiva de itens como a soja. Modelos alternativos de aproveitamento da biodiversidade da floresta, explorados pelas comunidades, passaram a ser mais incentivados.
ENERGIA NA SELVA Área de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que começou a operar em abril de 2016
OS IMPACTOS DA USINA DE BELO MONTE
A usina hidrelétrica de Belo Monte começou a operar comercialmente em abril de 2016. Sua construção no curso do Rio Xingu, no sudoeste do Pará, teve início em 2011 e foi marcada por muita polêmica no que diz respeito aos impactos socioambientais e às necessidades energéticas.
Para minimizar os efeitos negativos, Belo Monte não tem reservatório, operando a fio d’água, ou seja, vai gerar energia conforme a quantidade de água existente no rio. A extensão da área alagada é de 503 km2, bem menos do que Itaipu (1.350 km2). Mesmo assim, sua construção trouxe prejuízos ambientais e sociais que não foram devidamente solucionados com as medidas compensatórias exigidas pela legislação.
Um dos principais efeitos foi a profunda alteração nas comunidades tradicionais da região, que tiveram que deixar suas casas. Os conflitos gerados pela chegada de trabalhadores atraídos pela obra e a consequente ocupação irregular da região também estimularam o desmatamento de terras públicas e a extração ilegal de madeira. Além disso, ainda precisam ser estudadas as consequências da obra sobre a hidrologia, a carga sedimentar dos rios e a perda de espécies da flora e da fauna aquática.
Outras ameaças
Em maior ou menor grau, a degradação também alcança outros biomas brasileiros – Caatinga, Campos Sulinos, Pantanal, Biomas Costeiros, Cerrado e Mata Atlântica. Este último, que antes cobria cerca de 1,3 milhão de km2 do território nacional, foi o primeiro bioma que sofreu o impacto da ocupação. Hoje, restam cerca de 90 mil km2 em fragmentos esparsos, que correspondem a apenas 7% da cobertura original em áreas descontínuas.
Já o Cerrado, segundo maior bioma do país, é o mais ameaçado. A sua cobertura original, com mais de 2 milhões de km2 (22% do território nacional), foi reduzida para cerca de 1 milhão de km2. O Cerrado tem papel fundamental para o sistema hidrográfico brasileiro, pois lá se encontram as nascentes das bacias do Araguaia-Tocantins e do São Francisco, além dos principais afluentes das bacias Amazônica e do Prata.
Dados do Ministério do Meio Ambiente revelam que 54,5% do bioma ainda mantém sua vegetação natural e 30% foi substituída por pastagens e cultivo de grãos. O ranking do desmatamento é liderado por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecida por Matopiba, e considerada a “última fronteira agrícola” do Brasil. A devastação acumulada nesses estados chegou a 66% do total do desmatamento no bioma (7.248 km2) em 2011.
Para o controle do desmatamento do Cerrado, o Ministério do Meio Ambiente pretende fazer o monitoramento intensivo por satélite da vegetação nativa, assim como já faz na Amazônia. A mesma estratégia se estenderá à Mata Atlântica e aos demais biomas nos próximos anos.
Outra medida importante é a aplicação do controvertido Código Florestal, em vigor desde 2012 que estabelece a proteção de mata nativa nas terras privadas e prevê a recomposição do que foi desmatado ilegalmente. Objeto de muito embate entre produtores rurais e ambientalistas, o código exige o cadastramento das propriedades rurais em um banco de dados para a regularização ambiental e a delimitação de áreas de preservação permanente (APPs), como as margens dos rios, e de reserva legal (RL), que podem ser exploradas por meio de manejo que preserve fora e fauna – o manejo consiste em usar de forma inteligente os recursos florestais através de técnicas de extração sustentáveis. No entanto, ambientalistas contestam o fato de a legislação obrigar que os proprietários de terras no Cerrado preservem apenas entre 20 e 35% da cobertura vegetal, enquanto os fazendeiros da Amazônia devem conservar 80%.
PARA IR ALÉM O filme Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (de Beto Brant, 2011), baseado no livro homônimo de Marçal Aquino, trata de um triângulo amoroso e tem como pano de fundo a questão do desmatamento ilegal na Amazônia.
Desmatamento
BIODIVERSIDADE Os biomas brasileiros sofrem com a perda da vegetação desde os tempos coloniais. A Mata Atlântica, o Cerrado e a Amazônia foram alterados pela ocupação desordenada com fins econômicos, sem a preocupação com os danos ao ambiente. Isso trouxe prejuízos à biodiversidade e vem causando efeitos como o assoreamento e diminuição da quantidade e qualidade dos mananciais, erosão, empobrecimento do solo e alterações no microclima.
AMAZÔNIA Estima-se que em torno de 17% da cobertura vegetal nativa da Amazônia brasileira tenha sido destruída. Só nos últimos 20 anos, foram derrubados mais de 360 mil km2 de floresta. O desmatamento diminuiu entre 2005 e 2012, voltou a subir em 2013, caiu um pouco em 2014 e, em 2015, aumentou 16%, alcançando o patamar de 5.831 km2 de floresta derrubada.
EFEITO ESTUFA A floresta tem um papel vital para a manutenção das espécies e o controle do aquecimento global. Ela retira dióxido de carbono da atmosfera, um dos vilões do efeito estufa, e, quando derrubada, contribui para as mudanças climáticas. Por isso, o Brasil se comprometeu, na conferência do clima das Nações Unidas, a acabar com o desmatamento ilegal e restaurar parte da floresta e recuperar pastagens degradadas.
SOLUÇÕESO governo federal tenta inibir a ação de madeireiras ilegais, principalmente nas unidades de conservação, e criar um modelo econômico viável para explorar a floresta e recuperar as áreas degradadas. Está estendendo o programa de monitoramento do desmatamento da Amazônia para outros biomas, principalmente o Cerrado, impactado pela expansão agropecuária. Também conta com a aplicação do novo Código Florestal.
BELO MONTEA usina no Rio Xingu (PA) que entrou em funcionamento comercial em abril de 2016 é objeto de controvérsias por ter produzido impactos socioambientais na Amazônia, mesmo operando a fio d’água, ou seja, sem grande reservatório.