Elementos de qualidade em um texto
Veja as características que valorizam e fazem uma boa redação
AUTONOMIA
O texto precisa ser compreendido por si. Ou seja, o autor deve imaginar um leitor que não leu a proposta do enunciado da prova. As referências ao material de apoio têm de ser acompanhadas de todas as informações necessárias para que o leitor as entenda, uma vez que a coletânea não faz parte da redação.
Como a autonomia de um texto também é medida pelo nível de atualização e pelo repertório do candidato-autor, é importante trazer informações novas, além daquelas presentes no texto-base, desde que sejam pertinentes e contribuam para a argumentação e defesa da tese Pretendida. O uso de argumentos de autoridade pode contribuir nesse sentido, mas é preciso muito cuidado porque citações mal inseridas podem fazer o efeito contrário e comprometer a redação.
Como exemplo, suponha uma prova com o tema “O trabalho infantil”, que traga um mapa de referência como parte da coletânea.
TEXTO INADEQUADO (sem autonomia):
“A situação mostrada no mapa é uma vergonha. Mas não é fácil de ser enfrentada, pois requer dinheiro e determinação dos governantes”.
Note que, no exemplo, o autor faz comentários sobre o mapa da coletânea como se ele estivesse na folha de avaliação. Com isso, a afirmação é construída com base no senso comum e se assemelha mais a uma opinião do que a um argumento.
TEXTO ADEQUADO (com autonomia):
“O grande número de crianças trabalhadoras no Brasil denuncia a precarização do trabalho na faixa adulta da população e a falta de políticas públicas atentas ao futuro”.
Um vocabulário adequado também é muito importante para garantir a autonomia do texto. Note, em nosso exemplo, como as afirmações são mais precisas quando substituímos palavras vagas ou genéricas (como “vergonha” e “fácil”) por outras mais objetivas (“número”, “denuncia” e “precarização”).
COERÊNCIA E CLAREZA
Um texto coerente é resultado dos argumentos que você utiliza para referendar logicamente seu ponto de vista, que é o seu recorte do tema. No desenvolvimento da redação, é importante ter como objetivo convencer o leitor da lógica de seu texto. O processo básico é o mesmo de uma discussão com os amigos sobre um filme ou uma partida de futebol. Em uma dissertação, a melhor ideia será aquela sustentada por argumentos convincentes, com os quais o autor se faça entender. Por isso, o posicionamento diante do tema deve ser ponderado e evitar radicalização e panfletagem.
Em outras palavras, é preciso escrever com clareza para que, após ler a redação, ninguém se pergunte: “Mas, afinal, o que o autor quis dizer com isso?” Essa é uma pergunta que o autor deve se fazer antes de passar o texto a limpo. Seu texto estará pronto se responder à pergunta.
TEXTO INADEQUADO (sem coerência nem clareza):
“Quando os bolivianos chegam ao Brasil só encontram emprego na indústria têxtil, devido às habilidades características de sua cultura, ou trabalham como autônomos através do artesanato. Com isso, o Brasil precisa ajudá-los para que também possa ser ajudado por eles.”
Nesse exemplo, o argumento não foi bem construído. Não fica claro o motivo e nem a forma pela qual o Brasil precisa ajudar os bolivianos (isso sem falar que a escolha do verbo “ajudar” não foi feliz). Há, também, uma generalização incorreta das atividades citadas. Além disso, o texto pode favorecer uma interpretação preconceituosa sobre a cultura e capacidades desses imigrantes. Em vez disso, o autor deveria inserir dados e argumentos mais densos para conferir coerência ao texto.
TEXTO ADEQUADO (com coerência e clareza):
“Grande parte dos bolivianos que migram para o Brasil só encontra trabalho na indústria têxtil, que muitas vezes não garante seus direitos básicos. Constatada essa realidade, conclui-se que é preciso oferecer qualificação e construir mecanismos para que os estrangeiros sejam realmente inseridos no mercado de trabalho. Dessa forma, a vida dessas pessoas – que tanto contribuem para o crescimento do país – seria melhor”.
Nesta versão do texto, o problema da generalização foi resolvido com a inserção do trecho “Grande parte”. Há argumentos mais claros, especialmente no trecho “é preciso oferecer qualificação e construir mecanismos”. Além disso, foi inserida uma posição que valoriza o imigrante (“contribuem para o crescimento do país”) ao mesmo tempo que é reforçado o argumento de que o Brasil precisa recompensá-los.
COESÃO
A coesão é a articulação das partes de um todo. Na gramática da língua portuguesa aprendemos que as articulações são realizadas pelas classes de palavras conhecidas por “arredondar” o discurso e tornar mais agradáveis e compreensíveis as orações e os períodos. São as preposições e as conjunções que exercem essa função de conectivos com maior frequência.
Além da coesão interna em uma oração, também é preciso haver coesão entre as orações do parágrafo e entre as etapas do texto, ou seja, entre os próprios parágrafos. As frases devem se suceder numa sequência lógica. O espírito é o mesmo para os parágrafos, mas, nesse caso, a atenção deve estar voltada para os encontros que se dão no fim de um parágrafo e início de outro. Um bom encadeamento gera “coesão textual” ou “textualidade” e evita que a redação tenha palavras “soltas”, como se uma frase não tivesse relação com a outra.
TEXTO INADEQUADO (com problemas de coesão):
“Quando pensamos um tempo melhor para a vida de todos, queremos dizer o seguinte: simplesmente que as coisas podem ser mais justas para todas as pessoas se beneficiarem disso”.
Neste fragmento, o autor é redundante e formula duas vezes a mesma ideia. Constrói a frase como se uma oração fosse a conclusão da anterior, mas não traz novas informações e acaba por “andar em círculos”. A organização das palavras dentro das orações (principalmente a disposição das palavras “simplesmente” e “disso”) não favorece o entendimento, resultando em um texto pouco coeso.
TEXTO ADEQUADO (com boa coesão):
“Quando pensamos em um tempo mais justo, imaginamos, simplesmente, que a vida pode ser melhor para todos”.
Temos, aqui, uma construção mais consistente da frase. Foi muito positiva a exclusão da expressão “queremos dizer o seguinte”, que é uma marca da linguagem oral. Além disso, o problema da repetição foi resolvido. Não temos mais os dois trechos semelhantes (“um tempo melhor para a vida de todos” e “as coisas podem ser mais justas para todas as pessoas se beneficiarem disso”), mas sim uma só elaboração da ideia, com as palavras bem organizadas e melhor encadeamento.
SIMPLICIDADE
Escrever de forma simples é o caminho certo para quem tem poucas linhas para expressar sua opinião sobre um tema. O candidato deve evitar períodos muito longos ou o uso de vocabulário rebuscado. Períodos longos servem a textos longos, de várias páginas, o que não é o caso de uma redação para o vestibular. As palavras difíceis também devem ser evitadas. Elas geralmente são utilizadas com a intenção de impressionar os avaliadores, mas podem provocar desvio de raciocínio. Além disso, é bom evitar inversões no uso dos elementos da oração e manter a organização básica: sujeito, verbo e complementos. Como falantes da língua, nós já fazemos isso intuitivamente. Por o adjetivo antes do substantivo, por exemplo, aumenta a sua ênfase e, portanto, parece intencional para quem lê, e você só deve utilizar se tiver mesmo a intenção de ser enfático.
É bom lembrar que, após a realização do exame, as redações serão enviadas para um ou mais avaliadores que têm pouco tempo para avaliar cada texto. Nessa situação, o problema das inversões nos elementos da oração e da escrita rebuscada é agravado, já que a falta de simplicidade atrapalha a fuência na leitura. O ideal é que o avaliador nunca tenha de reler o parágrafo para entendê-lo.
TEXTO INADEQUADO (prolixo):
“A amizade atual se caracteriza por uma relação direta e virtual de maneira mútua. O estabelecimento da coexistência entre o tradicional e o moderno representa uma resposta à troca de paradigma nas relações interpessoais”.
O leitor precisa ler o texto duas vezes para entendê-lo, quem sabe três. Algumas palavras, como “mútua”, “coexistência”, “paradigma” e “interpessoais”, apesar de serem razoavelmente comuns, colocadas em conjunto tornaram o texto prolixo.
TEXTO ADEQUADO (escrita simples):
“Da mesma forma que o tradicional e o moderno convivem em nossa sociedade, as amizades atuais são baseadas em um modelo caracterizado pela coexistência das relações direta e virtual”.
O texto ganha melhor organização quando a disposição das ideias é invertida. Primeiramente, o autor aponta que o tradicional e o moderno convivem na nossa sociedade. Depois expande tal coexistência para o campo das amizades, em uma dualidade entre o real e o virtual. Tal mudança facilita bastante o entendimento. Ao mesmo tempo, o abandono de algumas palavras (como “mútua”, “paradigma” e interpessoais”) torna o texto mais simples.
OS DEZ ERROS MAIS COMUNS
Os deslizes que podem tirar pontos preciosos da sua nota
1. TROCAR O TIPO OU GÊNERO DE TEXTO
A prova pede uma dissertação e você faz uma narração. Essa falta de atenção é considerada incontornável e resulta em nota zero. Assim, é necessário estar atento para quando a prova solicita três gêneros de texto (ou oferece três a escolher) e você indica erroneamente a sua escolha; por exemplo: opta pela proposta 2, que pede uma carta, mas assinala a 1, que era para dissertação.
2. FUGIR DO TEMA
Escrever uma redação que foge do tema proposto também pode levar à anulação da redação. Por isso, leia com bastante atenção a coletânea de textos e o enunciado. Tome muito cuidado para não se perder em divagações que nada têm a ver com o que foi apresentado.
3. USO IMPRÓPRIO DA LINGUAGEM ORAL
Nem sempre a linguagem que você usa quando está conversando pode ser passada para o texto. Expressões como “né” e “ok” não caem bem numa redação. Gírias como “se ligar” e “irado” também não são adequadas.
4. REBUSCAR DEMAIS
Abusar de palavras rebuscadas também pode prejudicar sua nota. Lembre-se: linguagem formal não é sinônimo de linguagem complicada. Ao exceder no uso de um requinte desnecessário, é grande a probabilidade de seu texto ficar sem fluência nem clareza.
5. COMETER ERROS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Erros básicos da língua portuguesa não têm perdão na prova. “Fazem muitos anos”, “há nove anos atrás” e “para mim levar” são deslizes graves numa redação. Na dúvida quanto à grafia correta ou à aplicação de uma regra gramatical, substitua a palavra por outra ou organize novamente a frase.
6. USAR CLICHÊS E PROVÉRBIOS
Evite o uso de clichês, que são aquelas expressões muito conhecidas, como “colocar tudo em pratos limpos”, “fechar com chave de ouro”, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. O uso de provérbios e frases, geralmente construídas com base em ideias estereotipadas, revela falta de originalidade do autor.
7. PANFLETAR E RADICALIZAR
As redações que instruem o leitor com frases como “Devemos nos unir!” ou “Vamos reciclar o planeta!” são consideradas frágeis. No lugar do discurso politicamente panfletário, é melhor organizar argumentos que permitam ao leitor chegar às próprias conclusões.
8. USAR CITAÇÕES SEM CUIDADO
As citações devem ser utilizadas com bastante critério. Evite expressões batidas, como “Só sei que nada sei”, de Sócrates. Outros erros comuns são o uso de citações fora do contexto, sem que tenham uma relação efetiva com o texto ou argumentação, e citações de autoridade incompletas ou com a grafia errada do nome do autor. Se não tem certeza da grafia de filósofos como Friedrich Nietzsche, Erich Fromm, Immanuel Kant, não utilize essa citação.
9. EXAGERAR EM INFORMAÇÕES
Você não precisa despejar tudo o que sabe na redação. O excesso de informações pode prejudicar a coesão do texto, pois dados demais podem confundir, ao invés de esclarecer. Seja seletivo.
10. CAIR EM REDUNDÂNCIA
A redundância revela falta de repertório do autor-candidato. Numa boa dissertação, a argumentação avança progressivamente, e não fica andando em círculo.
NÃO ESQUEÇA DE REVISAR SEU TEXTO!
Essa é uma falha extra que não se deve cometer. Isso porque você pode perceber algo não tão perfeito quanto gostaria tarde demais, quando já escreveu na versão final. Há candidatos que esquecem, por exemplo, de colocar um título em sua redação da Fuvest, o que é uma das exigências explícitas da prova. Nos últimos textos divulgados, das provas de 2012 e 2013, há redações com essa falha. Os avaliadores da Fuvest reconhecem as boas dissertações, mas eventualmente isso pode ser entendido como falta de atenção ao enunciado da prova e reduzir pontos da nota.