Evolução: Lamarck e Darwin
Como os seres vivos evoluem?
Teriam os seres vivos surgido com a complexidade que apresentam hoje, ou teriam eles se transformado no decorrer do tempo? Durante milênios, filósofos e naturalistas debateram esse tema. Alguns filósofos gregos achavam que os organismos se modificavam. No século V a.C., Anaximandro já dizia que todos os bichos se desenvolveram na água e foram para a terra um dia. Mas Aristóteles e Platão acreditavam na imutabilidade das formas de vida. A ideia de que todos os animais e todas as plantas haviam surgido já prontos predominou durante a Idade Média. Àquela época, a filosofa cristã afirmava que Deus criara todos os seres vivos, assim como eles eram, para povoar o Jardim do Éden.
As teorias fixistas¹ predominaram até que, no século XVIII, a grande quantidade encontrada de fósseis mostrou que os animais antigos eram muito diferentes dos modernos. As primeiras ideias transformistas continuaram como meras especulações filosóficas. Até que, no início do século XIX, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck propôs formalmente uma teoria da evolução². E, anos mais tarde, o inglês Charles Darwin apresentou a teoria em que se baseia toda a biologia atual.
Lamarckismo
A teoria que Lamarck publicou em 1809 é baseada em dois postulados, que serviram de base para o trabalho de Charles Darwin, anos mais tarde. São eles:
-Lei do uso e desuso: um órgão se desenvolve se é muito usado e se atrofia e acaba desaparecendo se pouco utilizado;
-Herança dos caracteres adquiridos: as características desenvolvidas por um ser vivo no decorrer de sua existência são transmitidas a seus descendentes.
Lamarck não estava completamente errado nas duas ideias. De fato, um indivíduo pode enfraquecer e seus músculos atrofiar se não fazer exercícios, e os sedentários sabem disso. Seu erro foi supor que essas eram leis que explicavam a transformação de todos os organismos, desde os primórdios da vida na Terra, e que sua ação era imediata, de uma geração a outra. Ele não reconheceu a pressão que o meio ambiente exerce sobre as espécies, ao facilitar ou dificultar a vida de quem tem esta ou aquela característica.
Para Lamarck, do mesmo modo como um ovo se desenvolve em embrião, depois em feto e, por fim, em organismo pronto, as espécies também se desenvolveram, por gerações a fio, de uma estrutura mais simples para outras mais complexas. E os agentes dessas mudanças seriam os hábitos e as circunstâncias da vida desse organismo.
Assim, os primeiros gastrópodes (como os caracóis) teriam surgido sem tentáculos. Mas a necessidade de perceber os objetos à sua volta teria levado esses animais a “concentrar fluidos nervosos” na região anterior do corpo. Esses fluidos estimulariam a formação de novas estruturas, tecidos e órgãos, que seriam transmitidos às gerações posteriores.
Lamarck acreditava, também, que o meio ambiente induzia a essas modificações. E aqui vem o velho exemplo da girafa: os primeiros exemplares desse animal teriam nascido com pescoço curto. Essa parte do corpo só foi se esticando porque ela precisava alcançar as folhas do alto das árvores. E cada indivíduo que tinha o pescoço mais comprido porque o tinha esticado muito durante a vida gerava todos os filhotes também com o pescoço comprido.
Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) Antes de se dedicar ao estudo dos seres vivos, Lamarck foi soldado e bancário. Estudou quatro anos de medicina, mas acabou se entregando à sua paixão, a botânica. Foi o primeiro a organizar uma teoria evolucionista coerente. À luz da genética moderna, a herança de caracteres adquiridos não faz sentido: a molécula de DNA não pode ser quimicamente alterada por hábitos de vida. No entanto, sabe-se que a genética é muito mais do que a simples transmissão de genes. Em algumas situações especiais, os genes podem não se alterar, mas se manifestar de maneira diferente, conforme pressões do ambiente ou do comportamento. Lamarck não foi definitivamente descartado.
Darwinismo
No mesmo ano em que Lamarck publicou suas ideias, nascia o inglês Charles Darwin. Filho de um médico bem-sucedido, vivia numa casa de campo, no interior da Inglaterra, e desenvolveu grande habilidade em observar organismos da natureza – particularmente minhocas. Tentou a medicina e não deu certo. Com muito custo, formou-se em teologia, para se tornar um clérigo. Mas foi uma viagem de cinco anos que definiu o futuro do jovem. Em 1831, Darwin embarcou no Beagle, um navio enviado pela Coroa britânica para atualizar os mapas das costas da América do Sul, África e Austrália. A função do jovem: observar e coletar amostras de seres vivos desses lugares.
Darwin estava bem a par de algumas das modernas teorias de sua época. Conhecia as ideias do geólogo Charles Lyell (1797-1875), segundo as quais o planeta era constante e lentamente remodelado por forças poderosas, como vulcões e terremotos. Conhecia, também, as observações feitas pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt, que viajara pela América Latina. Por fim, Darwin sabia dos estudos em demógrafa de Thomas Malthus³ (1766-1834), segundo os quais o meio ambiente oferecia poucos recursos de sobrevivência em relação à quantidade de seres vivos que nasciam. Foi com base nessas ideias, mais a imensa quantidade de material coletado durante os cinco anos de navegação, que o jovem expedicionista desenvolveu a teoria da evolução das espécies pela seleção natural.
Luta pela sobrevivência
A teoria de Darwin é explicada em Sobre a Origem das Espécies, publicada em 1859. Apesar do título, o naturalista inglês não explica como surgiram as primeiras espécies do planeta, mas como as diferentes espécies se definem.
Darwin baseia-se muito no que ele observou durante a viagem no Beagle, mas parte do conhecimento que ele tinha sobre a criação de animais. Ele observou que, dadas condições ideais, todos os animais em cativeiro sobrevivem. Mas o criador pode selecionar indivíduos com as características que mais lhe interessam para se reproduzir. Foi assim que se criaram as diferentes raças (subespécies) de galinhas, pombos e porcos. Se o homem é capaz de fazer essa seleção artificial, então a natureza deve fazer a própria seleção natural.
Em resumo, pelo darwinismo, os seres vivos se desenvolvem com base na:
-Variação: os indivíduos não nascem todos iguais, ainda que descendam dos mesmos pais.
-Adaptação: as diferenças entre os indivíduos de uma geração interferem nas suas chances de sobrevivência. Quanto mais adaptado ao meio ambiente, maiores são as chances que um ser vivo tem de sobreviver.
-Seleção natural: a própria natureza se encarrega de selecionar os indivíduos mais aptos: só vencem os desafios ambientais (escapar de predadores, encontrar alimento, resistir a alterações climáticas) os que nascem mais bem preparados. Os demais são eliminados.
-Descendência: ao se reproduzirem, os seres vivos bem adaptados que sobrevivem transmitem às novas gerações suas características favoráveis. Com o tempo, todos os indivíduos da espécie apresentam essas características.
-Longo prazo: a seleção natural não ocorre de uma geração para outra, mas ao longo de muitas delas. O próprio meio ambiente pode se alterar (com longos períodos de seca ou de frio, por exemplo), passando a exigir novas adaptações dos organismos para que eles sobrevivam.
Darwin observou que as características dos indivíduos adaptados eram transmitidas a seus descendentes, mas não soube dizer como isso ocorre. Gregor Mendel estava ainda desenvolvendo seus experimentos de hereditariedade com ervilhas, que só seriam publicados em 1865 e efetivamente conhecidos no início do século XX.
Os tentilhões
Uma das etapas mais produtivas da viagem de Charles Darwin – ao menos para a teoria evolucionista – foi a passagem pelo Arquipélago de Galápagos, no meio do Oceano Pacífico. Ali, o naturalista inglês observou um fato inicial- mente sem explicação: todas as ilhas do arquipélago eram habitadas por pássaros chamados tentilhões (uma ave do grupo dos tiés). Mas tentilhões de ilhas diferentes tinham bicos e hábitos de vida diferentes e viviam em hábitats distintos. Alguns tinham bico rombudo e muito forte. Outros, bico fino e pontudo. O que teria originado essa diversidade?
Darwin deduziu que:
-Todas as espécies de tentilhões do arquipélago eram descendentes de uma única espécie, provavelmente vinda do continente americano.
-O isolamento geográfico do arquipélago forçou os pássaros migrantes a cruzar só entre si. Assim, eles transmitiram a seus descendentes características próprias.
-O isolamento em diferentes ilhas também agiu como força evolutiva: no decorrer de gerações, a seleção natural favoreceu os pássaros que tinham o bico mais adequado ao alimento disponível no ecossistema de cada ilha.
No decorrer de milhões de anos, os tentilhões foram se diferenciando, até que se separaram completamente em 13 espécies distintas. É o que se chama processo de especiação. Hoje se sabe que a especiação pode seguir diversos caminhos.
1Teorias fixistas, que consideram o mundo natural como criação divina, imutável e permanente, são chamadas teorias criacionistas.
A palavra, em biologia, não tem nada a ver com progresso ou aperfeiçoamento. Significa, apenas, transformação.
É de Malthus a ideia de que as populações crescem em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32…), enquanto a produção de alimentos cresce em progressão aritmética (2, 4, 6, 8, 10…).