Literatura: Romantismo (3ª Geração)
Os autores da terceira geração romântica, como Castro Alves, voltam-se para as questões sociais
O poeta baiano Castro Alves (1847-1871) pertence à terceira geração poética do Romantismo brasileiro, caracterizada pelo engajamento em relação a questões sociais. O inconformismo do autor com a escravidão fez com que ele se filiasse ao movimento abolicionista. A fim de chamar atenção para os problemas e as injustiças da pátria, Castro Alves denuncia o sofrimento dos africanos trazidos para o Brasil de modo forçado.
O poema Vozes d’África é considerado um dos textos fundadores, na segunda metade do século XIX, da presença definitiva da figura do negro na literatura brasileira. A realidade degradante dos escravos retrata uma sociedade problemática, muito distante da representação idealizada dos poetas nacionalistas da primeira geração romântica.
O uso de uma linguagem grandiloquente, carregada de hipérboles (ênfases expressivas, exageradas) rende a alguns autores da terceira geração, como Castro Alves, o adjetivo de “condoreiro”, por almejar voos tão altos quanto os do condor.
Escravidão – O QUE ISSO TEM A VER COM A HISTÓRIA
No Brasil, a utilização da mão de obra escrava teve início com a produção de açúcar, nos engenhos, atravessou todo o período colonial e foi oficialmente extinta apenas em 1888, já no fim do Império, com a assinatura da Lei Áurea. Inicialmente, foram escravizados os indígenas; depois, os africanos, que logo se tornaram majoritários. Para saber mais, veja o GUIA DO ESTUDANTE HISTÓRIA.
VOZES D’ÁFRICA
Castro Alves
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes[1]
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde[2] estás, Senhor Deus?… (…)
Foi depois do dilúvio… um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
(…)
E eu disse ao peregrino fulminado:
“Cam… serás meu esposo bem-amado…”[3]
(…)
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor[4] que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,(…)
Há dois mil anos eu soluço um grito…
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!…
[0] PROSOPOPEIA: O poeta, por meio da personificação, atribui características humanas (voz e sentimento) ao continente africano, que “fala” em 1ª pessoa.
[1] PRONOMES PESSOAIS: Note a correspondência entre os pronomes reto (tu) e oblíquo (te). Veja no Saiba mais abaixo.
[2] ONDE E AONDE: “Onde” é empregado com verbos que não indicam movimento (como “estar”), enquanto “aonde” é empregado com verbos que indicam movimento (como “ir”).
[3] CASTIGO MÍTICO: O caráter de ancestralidade da África sugere que o sofrimento do povo africano não é recente. Reza a lenda que a África fora vítima de uma maldição lançada sobre Cam, filho de Noé. A escravidão dos negros africanos remontaria a esse castigo.
[4] CONDOREIRISMO: A visão aguçada da ave simboliza a ideia de que os poetas viam o mundo de modo mais perspicaz. Cabia ao artista guiar a sociedade rumo a dias melhores (os ideais abolicionistas ilustram a preocupação social do poeta condoreiro).
[5] PRESENTE HISTÓRICO: A conjugação verbal no presente – “eu soluço” – indica que os sofrimentos permanecem no tempo atual. Repare que há ironia no apelo dirigido a Deus, na medida em que o Criador parece não se compadecer dos sofrimentos da África.
PRONOMES PESSOAIS RETOS E OBLÍQUOS: USO DE ACORDO COM A NORMA CULTA
– Os pronomes pessoais retos (eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas) correspondem ao sujeito e são seguidos de verbo: Esta torta é para eu comer.
– Os pronomes pessoais oblíquos (átonos: me, te, se/o/a/ lhe, nos, vos, se/os/as/lhes; tônicos: mim/comigo, ti/ contigo, si/consigo, conosco, convosco, si/consigo) correspondem ao objeto (complemento) e podem vir depois da preposição (geralmente encerram a frase): Esta torta é para mim.
– A preposição entre também pede o emprego do oblíquo tônico (quanto às duas primeiras pessoas do singular): Não há nada entre mim e ti.
– Deve haver correspondência entre os pronomes retos e oblíquos: Ela está ficando louca: eu não a aguento mais! Tu estás ficando louca: Eu não te aguento mais!
– É preciso saber o tipo de complemento (objeto direto ou indireto) que cada verbo exige para que se possa usar corretamente o pronome oblíquo: Ele não a ama mais. Alguém os visitou? (amar e visitar, por exemplo, são verbos transitivos diretos e pedem objeto direto – o, a, os, as)
– Obedeceu-lhe apesar de não concordar com ele. (obedecer é verbo transitivo indireto e pede objeto indireto – lhe, lhes)
A permanência do racismo na sociedade brasileira
Erika Ferraz Teixeira / Josué de Campos / Marlene Márcia Goelzer
Neste artigo pretende-se discorrer sobre o racismo no Brasil e como esse preconceito está imbricado na nossa sociedade.[1] (…)
Embora o racismo ainda não seja um assunto discutido abertamente entre os brasileiros, percebe-se que o preconceito sobre os negros e os seus descendentes encontra-se na história recente do Brasil, principalmente nos três séculos de escravidão, e pelas escassas políticas de inserção desses sujeitos na sociedade[2], especialmente após a Abolição da Escravatura em 13 de maio de 1888. Desde o século XVI, quando os negros oriundos das várias partes da África começaram a desembarcar na América portuguesa de forma forçada para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar e nas minas de ouro, começou um longo período de usurpação da sua liberdade, gerando graves consequências para o seu status social. Vale destacar que alguns negros e mestiços trabalhavam nos centros urbanos (…). Apesar desses escravos não estarem nas fazendas ou nas minas e desempenharem outras atividades, eles não estavam isentos do estigma de serem escravos e dificilmente conseguiam ascender socialmente (…)
Outra pesquisa, realizada em 2013, destacou:
O negro é duplamente discriminado no Brasil, por sua situação socioeconômica e por sua cor de pele. “Tais discriminações combinadas podem explicar a maior prevalência de homicídios de negros vis-à-vis o resto da população”. (…)
Depreende-se que a questão do preconceito de cor continua latente na sociedade brasileira[3]. Carneiro (2003, p.5) afirmou que: “o Brasil sempre procurou sustentar a imagem de um país cordial, caracterizado pela presença de um povo pacífico, sem preconceito de raça e religião […]”. E a autora completou que “Sempre interessou ao homem branco a preservação do mito de que o Brasil é um paraíso racial, como forma de absorver as tensões sociais e mascarar os mecanismos de exploração e de subordinação do outro, do diferente […]”
https://www.seduc.mt.gov.br/Paginas/A-perman%C3% AAncia-do-racismo-na-sociedade-brasileira.aspx
[1] ESTILO FORMAL: O texto foi publicado em um site acadêmico e apresenta linguagem formal e objetiva. A argumentação se desenvolve em torno de um tema polêmico (o preconceito étnico) e procura analisar as suas consequências e mostrar a situação atual da questão.
[2] PRECONCEITO: Dados históricos são apresentados para fundamentar as origens do problema em realidades que remontam aos versos de Castro Alves. O tráfico de escravos marca o início do preconceito em relação aos negros. Apesar da abolição da escravatura, os autores destacam a permanência de comportamentos discriminatórios.
[3] MARGINALIZAÇÃO: A cultura africana contribuiu para a formação da identidade brasileira. No entanto, ainda que alguns afirmem que vivemos em uma democracia racial, os autores questionam e defendem a tese de que a marginalização de negros e de afrodescendentes ainda impera no Brasil atual.
A escravidão foi abordada literariamente pelos poetas brasileiros da terceira geração romântica, como Castro Alves. A realidade dos escravos africanos também foi tema de pinturas, como Le Diner, do artista francês Debret (1768-1848), que esteve no Brasil no século XIX. Seus quadros retratam as relações cotidianas entre senhores e escravos, tanto na vida privada das casas quanto no universo público das ruas, e a tensão presente na concepção de superioridade dos brancos em relação aos negros. Repare, na cena, na maneira como a mulher dá o alimento à criança negra, tratando-a como se fosse um animal doméstico.
Manuel Antônio de Almeida
O escritor Manuel Antônio de Almeida (1830- 1861) publica Memórias de um Sargento de Milícias em folhetim, entre 1852 e 1853. Apesar de se situar em pleno Romantismo, essa obra foge completamente ao ideário literário de sua época e assinala uma transição para o Realismo. Se há traços românticos no romance, eles estão no tom irônico e satírico que assume o narrador. Os personagens utilizam a linguagem coloquial e vivem situações típicas do cotidiano da cidade do Rio de Janeiro do século XIX.
(…) Voltemos a saber o que foi feito do Leonardo, a quem deixamos na ocasião em que fora arrancado pelo Vidigal dos braços do amor e da folia[1].
O Vidigal tinha-o posto diante de si, ao lado de um granadeiro, e marchava poucos passos atrás.
(…)
Quem estivesse muito atento havia de notar que algumas vezes o Leonardo parecia, ainda que muito ligeiramente, apressar o passo, que outras vezes o retardava[2], que seu olhar e sua cabeça voltavam-se de vez em quando, quase imperceptivelmente, para a esquerda ou para a direita. O Vidigal, a quem nada disto escapava, achava em todas estas ocasiões pretextos para dar sinais de si; tossia, pisava mais forte, arrastava no chão o chapéu-de-sol que sempre trazia na mão[3], como quem queria dizer ao Leonardo, respondendo aos seus pensamentos íntimos:
– Cuidado! eu aqui estou. – E o Leonardo entendia tudo aquilo[4] às mil maravilhas (…) Entretanto nem por isso abandonava a sua ideia: queria fugir.
(…)
O pobre rapaz[5] (…) suava mais do que no dia em que fez a primeira declaração de amor a Luisinha. Só havia na sua vida um transe a que assemelhava, aquele em que então se achava, era o que se havia passado, quando criança, naquele meio segundo que levara a percorrer o espaço nas asas do tremendo pontapé que lhe dera seu[6] pai[5].
Repentinamente uma circunstância veio favorecê-lo. Não sabemos por que[7] causa ouviu-se um grande alarido na rua: gritos, assovios e carreiras. O Leonardo teve uma espécie de vertigem: zuniram-lhe[6] os ouvidos, escureceram-se-lhe[6] os olhos, e… dando um encontrão no granadeiro que estava perto dele, desatou a correr. O Vidigal deu um salto, e estendeu o braço para o agarrar; mas apenas roçou-lhe[6] com a ponta dos dedos pelas costas[8]. O rapaz tinha calculado bem: o Vidigal distraiu-se com o ruído que se fizera na rua, e aproveitou a ocasião. O Vidigal e os granadeiros soltaram-se imediatamente em seu alcance: o Leonardo embarafustou pelo primeiro corredor que achou aberto; os seus perseguidores entraram incontinenti atrás dele, e subiram em tropel o primeiro lance da escada. (…)
Neste romance, surge, pela primeira vez na literatura nacional, a figura do malandro, com episódios repletos de humor e aventura.
[1] ORDEM E DESORDEM: O romance oscila entre dois polos: a conduta oficial do major Vidigal e as malandragens cometidas pelo povo – e principalmente pelos Leonardos. Para o crítico Antonio Candido, é como se o Rio de Janeiro do tempo do rei estivesse dividido entre o mundo da ordem e o da desordem.
[2] PRONOMES RELATIVOS: Eles são usados para substituir um referente, no processo de conexão de sentenças, para encadear os acontecimentos. Ex.: Leonardo apressava o passo, que ora desacelerava; neste caso, “que” se refere a “o passo”.
[3] COSTUMES: No decorrer do romance, são descritos diversos costumes comuns no Rio de Janeiro da época de dom João VI, como festas populares e modos de viver que se modificaram com o passar do anos. Muitas vezes, nota-se certo saudosismo nos comentários do narrador.
[4] PRONOME DEMONSTRATIVO: “Aquilo” é utilizado para retomar o poder exercido pelo Major Vidigal numa situação de imposição da autoridade (assinala que Leonardo compreendia as atitudes de poder e comando do Major).
[5] A FIGURA DO MALANDRO: Leonardo Pataca e seu filho são típicos malandros brasileiros. No romance, transgridem com frequência as normas sociais de conduta. O romance não tem intenção moralizante e os malandros nem sempre sentem culpa por seus atos.
[6] PRONOME PESSOAL: Nos exemplos ao lado, o pronome pessoal oblíquo “lhe” funciona como pronome possessivo (zuniram os seus ouvidos, escureceram-se os seus olhos etc.). Já em “que lhe dera seu pai”, ele é objeto indireto (designando o pontapé que o pai dera em Leonardinho).
[7] POR QUE: Há diferentes grafias para “porque”. Neste caso, a utilização de por que expressa dúvida.
[8] JEITINHO BRASILEIRO: Os personagens de Memórias de um Sargento de Milícias estão sempre tentando se dar bem na vida, mesmo que, para isso, precisem recorrer a meios pouco lícitos ou convencionais. É o mundo brasileiro dos arranjos e do jeitinho.
MULTA PARA QUEM ESTACIONAR EM VAGA DE DEFICIENTE AUMENTA MAIS QUE 100%
A multa para o motorista que estaciona em vaga de idoso ou de pessoas com deficiência física vai mais que dobrar.
É para ver se inibe aquelas desculpas esfarrapadas já conhecidas. Se o motorista não respeita por consciência, cidadania e educação, agora vai ter que pensar que isso vai pesar mais no bolso e também resultar em mais pontos na habilitação. (…)
Seu Valdir, que mora em Belém, ouve toda hora aquela desculpa esfarrapada: “Ah é só um minutinho”…
“O velho jeitinho brasileiro, a pessoa estaciona e fala: ‘não, eu vou aqui rapidinho, um minutinho’, embora exista a legislação, embora exista a lei, mas assim, a população não respeita”. (…)
A partir de agora, o desrespeito às vagas de deficiente físico e idosos é infração grave com cinco pontos na carteira de habilitação. E também a multa que era de R$ 53,20 passa para R$ 127,69. (…)
Site G1, 5/1/2016
A malandragem, uma das principais características do protagonista de Memórias de um Sargento de Milícias, ainda faz parte do estereótipo do povo brasileiro. A reportagem mostra que muitos motoristas insistem em infringir a lei que garante vagas de estacionamento para idosos e pessoas com deficiência. Essa prática ilegal, de parar o carro nessas vagas especiais, é reveladora do que chamamos de “jeitinho brasileiro” – o hábito de burlar regras sem se sentir culpado. Esse comportamento, que era visível na sociedade carioca retratada por Manuel Antônio de Almeida, infelizmente ainda é bastante comum no Brasil de hoje.
EMPREGO DE PORQUE, POR QUE, POR QUÊ E PORQUÊ
Há diferentes grafias para “porque” conforme o sentido:
– Porque: É empregado para indicar causa ou explicação: Não fui à escola ontem porque estava doente.
– Por que: Serve, em geral, para expressar dúvida e é empregado em frases interrogativas diretas ou indiretas: Por que você não foi à escola ontem?
– Porquê: Funciona como substantivo e se refere ao motivo pelo qual determinado fato ocorre: Eu gostaria de saber o porquê de tanto choro.
– Por quê: É usado como indicativo de dúvida no fim de sentenças interrogativas: Você não foi à escola por quê?
Deixa[1] de arrastar
o teu[1] tamanco
Pois tamanco nunca
foi sandália
E tira[1] do pescoço o
lenço branco
Compra sapato e gravata
Joga[1] fora esta navalha
que te atrapalha
Com chapéu do lado
deste rata[2]
Da polícia quero que escapes
Fazendo um samba-canção
Já te dei papel e lápis
Arranja[2] um amor
e um violão
Malandro é palavra
derrotista
Que só serve pra tirar
Todo o valor do sambista
Proponho ao povo civilizado
Não te chamar de malandro
E sim de rapaz folgado[3]
A figura do malandro foi bastante trabalhada na música popular brasileira (MPB), principalmente nas décadas de 1920 e 1930. Esta canção de Noel Rosa promove interessante diálogo com Memórias de um Sargento de Milícias em relação à integração do malandro ao universo da ordem social. No romance, essa integração ocorre com o casamento de Leonardinho e a sua nomeação para sargento; na canção, com a adesão do personagem ao universo musical.
[1] IMPERATIVO AFIRMATIVO: A canção propõe um conselho a um possível interlocutor para que ele abandone a vida de malandro. O emprego do imperativo afirmativo na segunda pessoa do singular reforça esse caráter de conselho e de diálogo presente na canção.
[2] VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: A expressão “deste rata” e a forma verbal no imperativo (arranja) configuram elementos da variante popular. Isso dá ao conselho um tom coloquial, como se viesse de uma pessoa querida que quer cuidar do amigo.
[3] VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: A expressão “deste rata” e a forma verbal no imperativo (arranja) configuram elementos da variante popular. Isso dá ao conselho um tom coloquial, como se viesse de uma pessoa querida que quer cuidar do amigo.
Alguns vídeos disponíveis no YouTube – como o do programa Iluminuras, da TV Justiça, com o quadro Obras Raras – são bem didáticos para explicar a obra Memórias de um Sargento de Milícias. Digite Obra Rara e o nome do livro para localizá-lo.