A herança que João Paulo Alberto Coelho Barreto, o João do Rio (1881-1921), deixou para a literatura brasileira está na maneira como usou a crônica urbana e a reportagem para registrar o Rio de Janeiro de seu tempo. No seu segundo livro, “A Alma Encantadora das Ruas (1908)”, o escritor mostrou-se o mais perfeito retratista das transformações pelas quais a então capital do país passava. A Paris-modelo estava muito distante da realidade pintada por João do Rio: a belle époque carioca tinha menos virtudes do que queriam os propagandistas. Jornalista que atuou em diversas editorias, do noticiário policial à cobertura dos eventos sociais, o autor reunia em si a experiência e o talento necessários para distinguir-se na história literária.
Descrever a vida carioca implicava não esconder os problemas da urbanização, como a miséria e a formação das favelas. Foi na conciliação do trabalho de repórter com a mão de escritor que João do Rio pôde fazer com que a crônica avançasse como gênero, e ele foi saudado como um de seus renovadores.
Veja o exemplo de “A Fome Negra”, um dos textos-reportagem do livro, sobre operários que trabalham com carvão e manganês: “Vivem quase nus. No máximo, uma calça em frangalhos e uma camisa-de-meia. Os seus conhecimentos reduzem-se à marreta, à pá, ao dinheiro; o dinheiro que a pá levanta para o bem-estar dos capitalistas poderosos […] esses pobres entes fizeram-me pensar num pesadelo de [W. G.] Wells, a realidade da História dos Tempos Futuros”.
O cruzamento do texto jornalístico com o literário não gerou prejuízo de nenhuma natureza; pelo contrário, o objetivo de reportar a realidade ficou engrandecido pelo tom emotivo. Em outro texto, “Visões d’Ópio”, é nos chineses fumadores de ópio que incide a investigação detalhista do escritor. Para alguns, ele fazia “a história das minorias”.
A cada texto do livro, João do Rio revela um domínio raro da descrição. No antológico “A Rua”, ele faz um belo e comovente tributo às ruas da sua cidade, como se elas fossem impregnadas de sentidos próprios, de uma vida particular:
“Oh! Sim, as ruas têm alma. Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira”. Aqui, o espírito do “flâneur literário”, daquele que anda a vagar pela cidade, domina magistralmente a crônica. Esse andarilho prestará atenção nos personagens do centro, nos profissionais de todo tipo, naqueles que saltavam aos seus olhos atentos.
João do Rio nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Sobre ele, o escritor Ronald de Carvalho (1893-1935) chegou a afirmar: “Na obra de João do Rio há um perfume capitoso de sensualismo e decadência, um pouco de orientalismo esquisito e preciso, há mesmo riqueza e, por vezes, exuberância”.
Obras do autor:
Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!
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