‘A Revolução dos Bichos’: conheça o clássico que critica o totalitarismo
A obra de George Orwell chega em novas edições nas livrarias e desperta a curiosidade de estudantes
Você já leu A Revolução dos Bichos? Segundo a Modern Library List, o livro é um dos 100 melhores do século 20. A clássica obra do autor inglês George Orwell narra a jornada de um grupo de animais que decide se rebelar contra o dono da fazendo, o Sr. Jones, e com a exploração dos humanos. É uma alegoria e uma sátira sobre o totalitarismo, mais especificamente com os rumos que tomados pela Revolução Russa, de 1917.
Por que a saga ainda desperta interesse? Primeiro, pelo texto assustadoramente atual. E, mais recentemente, pelas adaptações e novas publicações.
De acordo com os países que seguem a Convenção de Berna, após 50 anos da morte do autor, a obra se torna domínio público. O que significa que qualquer editora pode publicar o livro, sem necessariamente ter que pagar pelos direitos autorais. No Brasil, o prazo é de 70 anos. A morte de Orwell chegou a essa marca em 2020 e, desde então, há diversas novas edições no mercado nacional.
O livro pode parecer uma simples fábula infantil em uma leitura distraída, mas suas mensagens funcionam de maneira quase didática para expressar o que Orwell acreditava que acontecia dentro do regime soviético. Mas, afinal, o que podemos aprender sobre o totalitarismo ao ler A Revolução dos Bichos?
GUIA conversou com o professor de História do Anglo Eduardo Duique para desmembrar um pouco a narrativa e compreender os seus significados.
Crítica ao socialismo soviético
George Orwell pertencia a um grupo de socialistas ocidentais que acreditava nos ideais de Karl Marx. “Ele faz parte de uma linha de intelectuais europeus que acreditavam no socialismo como uma utopia democrática igualitária; em um governo proletário, com sindicatos, assembleias e representantes populares no poder”, diz Duique. “É uma geração influenciada ainda pelo pensamento utópico marxista, que sonhava com uma revolução socialista que trouxesse, além da igualdade, a liberdade”, afirma o professor.
A posição de Orwell perante o socialismo facilita a compreensão de suas escolhas para o enredo de A Revolução dos Bichos. A obra é uma crítica à Revolução Russa. Segundo o professor, Orwell chama a atenção em seu livro para o socialismo que, eventualmente, se transforma em um governo autoritário.
“O Orwell é um socialista – um muito engajado e militante, inclusive. Ele participou de revoltas, lutou diretamente na Guerra Civil Espanhola, se associou aos trabalhadores radicais da Inglaterra. No entanto, sempre advogou por um tipo específico de socialismo, o do tipo igualitário e democrático”, conta Duique. “O livro é uma crítica ao socialismo do tipo bolchevique [partido que conduziu a Revolução Russa sob a liderança de Lenin e Leon Trótsky], soviético, que desembocou no totalitarismo”, explica.
Na história, quem lidera os animais na revolução são os porcos. Major, Bola de Neve, Napoleão e Bocão são peças centrais da narrativa e podem ser associados aos grandes nomes do socialismo russo. “O Major é como o Marx ou o Lênin, é o socialista idealista, o sonhador. O Bola de Neve também serve esse papel, mas pode ser considerado algo mais como o que foi o Trótsky”, compara o professor. “O Napoleão é o Stálin, é o líder autoritário e violento, a versão subversiva do que defendia o Lênin. E, claro, o Bocão é o tipo político propagandista, que deturpa a verdade, que esconde os fatos e que representa a propaganda estatal”, afirma.
Uma história sem final feliz
Uma das frases mais famosas do livro é “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Ela substitui o mandamento original da revolução (“Todos os animais são iguais”) quando, anos após a “destituição” do fazendeiro, os animais vivem sob o governo autoritário do porco Napoleão. Para o professor Duique, o sonho dos animais com um mundo melhor e mais justo representa a própria trajetória de Orwell.
“Ele é um daqueles animais sonhadores. Ele acreditava de verdade na revolução. Os animais nada mais são do que aquela inocência, aquele sonho que os socialistas tinham em relação à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)”, explica. “O fim do livro representa o eterno retorno, com a fazenda voltando a ser o que era no começo – administrada pelos homens. Ou seja, passamos pelo sonho, com os animais no poder e as coisas parecendo dar certo, e terminamos na realidade, com os humanos no comando mais uma vez”, reflete o professor.
Duique completa: “A América Latina olha para Che Guevara do mesmo jeito que os ingleses olhavam para Trótsky e Lênin. É diferente do que um jovem estudante de hoje enxerga. Alguém que nasceu no século 21 já nasce traumatizado com o fracasso do socialismo.”
Significado amplo
“Uma fábula é polissêmica, ela tem muitos significados”, diz o professor. Orwell, ao utilizar a estrutura das fábulas para contar a história, faz com que, sim, ela seja vista como uma crítica ao socialismo soviético, mas também possa ser aplicada a outros contextos. “Em uma esfera local ela é uma crítica ao socialismo soviético, mas, em esfera maior, ainda é uma crítica ao totalitarismo, e, em última instância, a todo e qualquer tipo de opressão”, explica.
Para ele, o livro é também sobre a exploração do trabalho, as desigualdades sociais, a deturpação de ideais e da verdade, a manipulação das massas, a repressão estatal, a concentração de poder e a violência como recurso político. “O livro faz sucesso porque todos esses temas são contemporâneos, são atemporais e são universais. Mesmo que daqui 500 anos não exista mais nem o capitalismo, é bem provável que a humanidade ainda passe por essas questões todas”, conclui.