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‘Bacurau’: um filme para pensar o passado, presente e futuro do Brasil

Longa premiado em Cannes relembra o coronelismo e o cangaço, e celebra o poder da memória coletiva

Por Taís Ilhéu
6 abr 2024, 15h00
Cena de Bacurau em que moradores se despedem de Dona Carmelita no velório, levantando lenços brancos
 (Victor Jucá/Vitrine Filmes/Divulgação)
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“Vocês vieram conhecer o museu, foi? É bom esse museu, aqui do lado”, pergunta Luciene (Suzy Lopes), dona de uma pequena mercearia, ao casal de forasteiros recém-chegados ao vilarejo. Se os vilões tivessem aceitado o convite, poderiam ter tido um final menos trágico. Mas “Bacurau” também deixaria de ser o filme que é: sobre colonialismo, apagamento, memória, desumanização e tantos outros temas. Um filme, sobretudo, sobre a identidade brasileira.

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Dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dorneles, “Bacurau”, lançado em 2019, coleciona prêmios – entre eles o Prêmio do Júri, do Festival de Cannes. Mas não ficou restrito ao circuito “cult”, e foi exibido em muitas salas de cinema e até na televisão aberta.

Conheça a história do filme e por que ele é um prato cheio para pensar o passado, presente e futuro do Brasil.

O Brasil do coronelismo

Enterro de Dona Carmelita
(Victor Jucá/Vitrine Filmes/Divulgação)

No primeiro terço filme, de pouco mais de duas horas, o espectador é apresentado ao vilarejo fictício de Bacurau, interior de Pernambuco. A matriarca da cidade, dona Carmelita (Lia de Itamaracá), acaba de falecer e toda a cidade se reúne para lhe prestar homenagem em um cortejo.

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O filho recorda a importância de Carmelita e fala de seus descendentes, lembrando que a mãe colocou doutores, pedreiros, artistas, professores e prostitutas no mundo – mas nenhum ladrão. O valor que a família dá à educação aparece em detalhes, como a estante repleta de livros na sala.

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Quem assiste é introduzido, pouco a pouco, aos costumes e cotidiano de Bacurau: uma vila em que todos se conhecem – das prostitutas aos professores, do DJ local à única médica – e vivem em relativa paz. Veja bem, relativa.

As primeiras tensões se revelam pela relação do povoado com o prefeito, Tony Júnior (Thardelly Lima). Enquanto os moradores enfrentam a falta de água e precisam buscar abastecimento com um caminhão-pipa próprio, o prefeito despeja na porta da escola livros velhos, deixa cestas básicas com alimentos vencidos e remédios que colocam em risco a saúde da população.

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Ainda aproveita a visita, é claro, para tentar comprar votos. Em determinado momento, um morador pede que o político respeite a memória do avô – indicando que a família, provavelmente, se elege há gerações. Tony Júnior é a representação atual do coronelismo.

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Bacurau fora do mapa

mulher com roupa de motoqueiro
Karine Teles interpreta a sudestina que invade Bacurau (Victor Jucá/Vitrine Filmes/Divulgação)

Os problemas de Bacurau passam do cotidiano para o distópico quando dois turistas sudestinos chegam misteriosamente em motocicletas – aqueles mesmos do início do texto, que se recusam a visitar o museu. São eles que informam aos locais que o vilarejo não consta no mapa e está sem sinal de celular, os primeiros indícios de que algo estranho acontecia.

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Na segunda parte do filme, o espectador assiste ao apagamento, literal e figurado, da gente de Bacurau. A cidade é isolada, fica sem abastecimento de energia e sem contato com o restante do mundo. Tudo é arquitetado por um grupo de americanos que, com a ajuda do casal brasileiro, diverte-se em uma perversa competição: quem consegue matar mais pessoas daquele local.

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Eles não enxergam os brasileiros como iguais – nem sequer o casal do Rio de Janeiro que os ajudava na missão –, pouco se interessam pelo nome daquelas pessoas e suas histórias. Só conseguem enxergar como crueldade a violência quando ela é praticada contra os seus.

Tanto desprezam e subestimam o povo de Bacurau, que não cogitam o contra-ataque que está prestes a acontecer.

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Celebração da memória

moradores de bacurau
(Victor Jucá/Vitrine Filmes/Divulgação)

Logo que os primeiros moradores são assassinados, Bacurau começa a se organizar. Quem chefia é Lunga (Silvero Pereira), um criminoso procurado na região, mas respeitado pelo povo – não por acaso, uma espécie de chefe do cangaço queer. 

Embora a essa altura o espectador esteja aflito, aterrorizado pela invasão iminente dos americanos, quem vive em Bacurau parece relativamente calmo, como se a situação estivesse sob controle, e eles, habituados a lidar com eventos semelhantes.

Essa atmosfera – e a hábil reação dos moradores em aniquilar os invasores – é explicada em uma das cenas mais significativas do filme. Quando um dos assassinos americanos entra no Museu Histórico de Bacurau, percebe uma parede, agora vazia, com indicação de várias armas que estiveram penduradas ali. A câmera lentamente mostra fotografias de sertanejos portando espingardas, recortes de jornal noticiando a prisão de cangaceiros na região.

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Essa, afinal, estava longe de ser a primeira batalha de Bacurau, e a memória viva de filhos e netos dos que lutaram no passado era cultivada pela população. Uma memória coletiva de quem estava habituado a resistir.

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