Como era a vida social inglesa na época de ‘Bridgerton’?
Período da regência inglesa pode até ser o pano de fundo da série, mas a produção está longe de ser uma aula de História
Bridgerton é um fenômeno. Em poucas horas, a recém-estreada terceira temporada da série tornou-se a principal busca dos brasileiros no Google. E o alvoroço não é de agora: a segunda temporada, lançada em 2022, bateu recordes quando 193 milhões de usuários acessaram a Netflix para assistir aos episódios no final de semana da estreia. Os números vultosos de se repetem também na produção: para a primeira temporada, foram feitos 7.500 figurinos, 104 deles somente para a protagonista, Daphne Bridgerton.
A chave para entender todo o sucesso da série passa, entre outros pontos, pela abordagem que ela faz do período histórico da trama: a regência britânica. Em Bridgerton, este é retratado como um momento cheio de fôlego para as disputas sociais de poder, chás da tarde com o inimigo, fofocas venenosas e vestidos pomposos. Mas como era, de verdade, a vida social inglesa no período da série?
Década luxuosa e artística
A saga da família Bridgerton, adaptação de uma série de 9 livros da autora Julia Quinn, se passa entre 1813 e 1827 – cada livro foca em um membro da família fictícia.
O período regencial do Reino Unido teve início no ano de 1811, quando a loucura do Rei Jorge III o incapacitou de governar o reino, e seu filho, Jorge IV, assumiu o posto. A regência perdurou por nove anos, até que, em fevereiro de 1820, o rei louco falece e o príncipe regente assume, oficialmente, como o Rei.
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A quase uma década de regência foi um momento efervescente para o desenvolvimento social e cultural do Reino Unido, motivo que talvez responda a quantidade enorme de ficções que se passem nesse período.
O Príncipe Regente era popularmente conhecido como o “príncipe dos prazeres”, por seu estilo de vida boêmio e seu apreço pelas artes. O monarca foi um patrono (algo como um patrocinador pessoal) de uma série de artistas no ramo da pintura, escultura, literatura, música, arquitetura e até mesmo tecnologia e ciência, e não escondia seu gosto pela “boa vida”.
Le bon ton
As principais tendências do período regencial não tiveram início necessariamente em 1811 (elas já viam se estabelecendo desde as últimas décadas do século 18, na chamada Era Georgiana), mas é no governo temporário de Jorge IV que encontram o maior destaque.
Um termo popular da época era a expressão francesa “le bon ton”, que pode ser traduzido no contexto como “as boas maneiras” ou “o bom gosto”. A importância que a alta sociedade dava para a aparência e a estética ajudou a definir o ideal britânico do período: uma pessoa bela, sofisticada e culta.
Se vestir bem, ter boas maneiras, ler bons livros e estar em contato com a arte funcionavam como ferramentas para navegar essa sociedade. Essa ultra-valorização desses ideais também contribuiu para o boom artístico e cultural da década.
Na arquitetura, observa-se inspirações na antiguidade grega e romana, com ornamentos e floreios ganhando destaque na arte decorativa. Ambientes altos, amplos e opulentes imitavam o luxo do império francês.
Na moda, os ares democráticos que a Revolução Francesa trouxera deixaram as pesadas roupas do século 18 para trás. Homens tinham como inspiração o arquétipo do dândi, que figurava no próprio Príncipe Regente e no seu amigo, Beau Brummell. Botas de cano alto, casacos abertos com cauda traseira longa, coletes, camisas com golas abotoadas, e gravatas para serem enroladas no pescoço eram roupas presentes no guarda-roupa masculino.
Para as mulheres, a moda era um ponto ainda mais importante, e poderia provar o poder e a influência que a lady tinha na sociedade. A conhecida “silhueta do império” consistia em um vestido de caimento reto, com cintura marcada no alto, mangas bufantes e luvas que cobriam quase todo o braço. Joias, como tiaras, colares e pulseiras, poderiam ser um indicativo do status financeiro da família.
Encontro da alta classa
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Por mais que Bridgerton use do período regencial como principal fonte histórica, a série se passa em um mundo quase imaginário. Os elementos históricos são usados a favor da narrativa, mas com uma grande licença poética do roteiro.
No universo de Julia Quinn, adaptado para a TV por Chris Van Dusen e produzido por Shonda Rhimes (nome por trás de Grey’s Anatomy, Scandal e How to get away with murder), não-brancos e brancos convivem sem grandes diferenciações. A descendência africana da Rainha Charlotte é afirmada e celebrada. A jovem protagonista defende ideais feministas.
As famílias Bridgerton, Featherington, e o resto da alta sociedade londrina, são apresentados como seres progressistas, de mente aberta, ultra-modernos, fashionistas, e com um culto à fofoca que se assemelha ao que se vê hoje nas redes sociais.
A abordagem não está de toda equivocada, mas certamente inflada.
A sociedade do período regencial, graças às mudanças causadas desde 1803 pelas guerras napoleônicas, presenciava grandes transformações econômicas, políticas e filosóficas. Foi um momento frenético na história britânica em que foi possível acompanhar o encontro entre grupos das classes mais altas, como aristocratas e a realeza, que antes não se misturavam (cenário reforçado também pelo crescimento do transporto ferroviário).
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As classes médias e altas se divertiam em espaços sociais, como clubes, parques, casas de chá e salões de festas. Enquanto a aristocracia e a realeza eram mais reclusas e se concentravam nas asas da corte da Rainha Charlotte. Mas, com o momento de frenesi social, não eram raras visitas aristocráticas às rodas sociais da classe média e vice-versa. Neste cenário, o alpinismo social era algo recorrente – e desejado – pelas classes mais baixas.
O próprio estilo de vida boêmio do Príncipe Regente servia como um incentivo para o ar de hedonismo e luxúria que pairava na cidade. Sua figura, ao lado dos mais influentes da corte, era o mais próximo que havia de uma celebridade – com adoradores acompanhando sua vida de longe e publicando cada passo nas colunas sociais dos jornais.
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Bridgerton acerta o tom ao mostrar a importância da opinião social nas construções de relacionamentos na alta sociedade. Uma fofoca mal-intencionada e a reputação de uma lady poderia estar arruinada. A figura de Lady Whistledown, autora anônima que publica diariamente os principais acontecimentos da high-society, incorpora todos os “disse me disse” que romances como Emma, Feira das Vaidades e até mesmo Frankenstein demonstram sobre as engrenagens sociais do período.
Festa de uma minoria
É importante pensar que todas as características citadas até agora excluem da lista a camada mais pobre, porém majoritária, da população. Uma vida de miséria, fome e trabalhos abusivos era a realidade de boa parte dos londrinos. Estes trabalhavam como servos nas casas, pequenos comerciantes ou compunham a camada de operários das fábricas.
Bridgerton, assim como a maior parte dos romances que se passam no período, retrata um seleto grupo da sociedade em que o dinheiro e o privilégio eram o padrão. Vivências que, por mais interessantes e glamorosas que sejam, não representam, nem de longe, a maioria – no máximo, poucas centenas.
Conheça os livros da série Os Bridgertons
- Bridgerton: O Duque e Eu (Os Bridgertons – Livro 1)
- O visconde que me amava (Os Bridgertons – Livro 2)
- Um perfeito cavalheiro (Os Bridgertons – Livro 3)
- Os segredos de Colin Bridgerton (Os Bridgertons – Livro 4)
- Para Sir Phillip, com amor (Os Bridgertons – Livro 5)
- O conde enfeitiçado (Os Bridgertons – Livro 6)
- Um beijo inesquecível (Os Bridgertons – Livro 7)
- A caminho do altar (Os Bridgertons – Livro 8)
- E viveram felizes para sempre (Os Bridgertons – Livro 9)
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