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Enem 2021: confira redações sobre invisibilidade e registro civil

Professores exemplificam como a proposta de redação do Enem deste ano poderia ser desenvolvida

Por Juliana Morales
Atualizado em 23 nov 2021, 11h15 - Publicado em 22 nov 2021, 18h02
Caderno de questões do Enem 2021
 (Luccas Diaz/Divulgação)
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Os candidatos que fizeram a primeira prova do Enem 2021, no domingo (21), dissertaram sobre a “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. Professores entrevistados pelo GUIA consideraram o tema da redação pertinente e dentro do padrão do exame.

Se ficou em dúvida sobre como poderia desenvolver a proposta de texto desta edição, apresentamos a você quatro modelos de redação. O primeiro deles foi  feito pelo Danillo de Aquino Guedes, professor de Redação do Curso Pré-Vestibular da Oficina do Estudante de Campinas (SP) e o segundo é de autoria da Marina Rocha, professora de redação do Colégio e Curso AZ. Os dois últimos foram elaborados pelos professores do Descomplica.

Os quatro textos seguem as competências exigidas pela banca. Além de ajudar o candidato que prestou o Enem a ter uma ideia do que esperar da nota, são bons exemplos para todos os estudantes de argumentação para os vestibulares. Confira!

Modelo 1

Segundo o dicionário Houaiss, o termo cidadão designa aquele que, sendo membro do Estado, usufrui de direitos civis e políticos garantidos pelo governo. Assim, para que o status de cidadão seja alcançando, o primeiro passo, mínimo, a ser cumprido é o registro civil do indivíduo, logo nos primeiros dias de seu nascimento. Caso isso não ocorra, em termos legais, é como se a pessoa não existisse, ou seja, há uma completa invisibilidade do cidadão, impedindo que ele tenha garantido o acesso à cidadania, isto é, aos direitos fundamentais fornecidos pelo Estado, como os benefícios sociais e a saúde.

Em uma primeira análise, a falta de certidão de nascimento impede que a pessoa tenha acesso a qualquer outro tipo de documento, como documento de identidade ou cadastro de pessoa física. Nesse aspecto, as implicações práticas dessa simples, ainda que crucial, obrigação legal são múltiplas, podendo ser mencionada a impossibilidade de acesso a benefícios sociais, a exemplo do auxílio emergencial, pago a famílias de baixa renda – público no qual as pessoas sem registro civil se encaixam –, uma estratégia de mitigação do aprofundamento da desigualdade social provocada pela pandemia de Covid-19. Então, sem qualquer assistência do Estado, essas pessoas – infelizmente, uma população considerável, de cerca de 3 milhões – são tragicamente abandonadas à própria sorte.

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Em uma segunda análise, além de não conseguirem obter benefícios sociais, as pessoas sem registro civil também não conseguirão acessar o sistema de saúde. Dessa forma, todo esse contingente não poderá realizar procedimentos simples, como consultas, internações, intervenções medicamentosas ou, até mesmo, vacinação. Nesse sentido, ainda levando em conta o contexto pandêmico, há ao menos uma dupla tragédia na vida dessas pessoas: a econômica e a sanitária, pois as vacinas já em distribuição e aplicação no país em prevenção à Covid-19 não chegarão a essas pessoas. Dessa forma, estarão vulneráveis a mais um problema: um vírus de proporções mundiais, uma vez que pandêmico.

Em suma, a falta de registro civil invisibiliza pessoas e lhes nega o direito a fazerem parte da sociedade como cidadãos, sendo-lhes negados direitos, em particular, benefícios sociais e saúde. Portanto, é de suma importância que as defensorias públicas se engajem, por meio de uma força-tarefa, com vistas a mapear a população sem registro civil, agindo com celeridade, com o intuito de concederem a ela esse documento. Por conseguinte, essas pessoas passarão à condição de cidadãs, tendo direito a fazer parte do Estado, acessando benefícios sociais, saúde e todos os direitos necessários ao bem-estar social.

Danillo de Aquino Guedes, professor de Redação do Curso Pré-Vestibular da Oficina do Estudante de Campinas (SP)

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Modelo 2

De acordo com o artigo 3 da Constituição de 1988, um dos objetivos da República Federativa do Brasil é o combate à desigualdade social. Contudo, percebe-se que a concretização dessa meta ainda é um ideal distante, visto que aproximadamente 3 milhões de brasileiros não possuem registro civil, fato que os impede de votar, estudar, trabalhar e de se inserir em qualquer prática cidadã. Escancara-se, desse modo, a desigualdade: enquanto a parcela que possui documentação adequada acessa seus direitos básicos, aqueles que não são registrados são invisíveis perante a nação. Diante disso, a insuficiência de ações governamentais e de debates sobre o tema podem explicar esse cenário.  

A princípio, destaca-se a dimensão política dessa discussão. Segundo o filósofo francês, Rosseau, as leis existem para encaminhar a justiça ao seu objetivo. No entanto, essa premissa se distancia da prática brasileira, pois a lei de 1997, que determinou a gratuidade do registro de nascimento, não conseguiu concretizar o justo acesso à documentação. Isso ocorre pois não se trata essencialmente de uma questão financeira, mas sim de um entrave político: não basta que a retirada do documento não seja paga, é preciso que seja oferecida de forma acessível. Nesse sentido, diante da ausência de medidas que criem ações populares para levar essa oportunidade à parcela invisível da população, o cenário tende a permanecer o mesmo. Como resultado disso, afastamo-nos do ideal de justiça proposto por Rosseau, uma vez que as leis existentes são ineficazes para garantir o combate à subcidadania.

Além disso, nota-se que há fatores culturais que corroboram esse contexto. Embora proposta pela Carta Magna de 1988, em seu artigo 3, a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” é afastada pela passividade diante da falta de democratização da documentação civil. De um lado, há aqueles diretamente atingidos por esse drama e que, sem acesso a informações sobre como e onde retirar seus documentos, mantêm-se alheios à discussão e à sua resolução, dando continuidade, inclusive, ao que é, muitas vezes, uma prática comum em suas famílias há gerações. De outro, as pessoas devidamente registradas, de modo geral, sequer percebem a existência do problema, pois são poucos os debates sobre a legião de brasileiros invisíveis, aos quais qualquer tipo de direito é negado. Com isso, liberdade, justiça e solidariedade são metas cada vez mais distantes.

Torna-se evidente, portanto, que a situação é grave e deve ser alterada. Para isso, é urgente que o Estado – haja vista sua função principal de visar ao bem coletivo – priorize a emissão do registro civil daqueles que ainda não o possuem. Isso pode ocorrer por meio de ações comunitárias que aconteceriam em espaços, como praças e colégios, em parceria com prefeituras, a fim de tornar acessível a retirada da documentação e, com isso, o exercício da cidadania. Ademais, a mídia deve estimular o debate consciente sobre o tema, para sensibilizar e informar a população. Somente assim, a invisibilidade de diversos brasileiros deixará de ser uma realidade e o combate à desigualdade finalmente será adequado, concretizando o ideal da Constituição nacional.          

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Marina Rocha, professora de redação do Colégio e Curso AZ. 

Modelo 3

A palavra “cidadania” desenvolve-se na sociedade desde os períodos clássicos. Hoje, ela está relacionada à qualidade de ser um cidadão e, consequentemente, sujeito de direitos e deveres, os quais também são garantidos pela Constituição Federal de 1988, denominada “cidadã”. Esta defende a participação ativa de um ser humano na sociedade. No entanto, essa garantia não é plenamente efetivada na sociedade brasileira, uma vez que a falta de registro civil perpetua uma invisibilidade social que necessita ser mitigada.

Diante desse cenário, cabe destacar a importância do registro civil do nascimento para o início da cidadania no país. No livro “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, os filhos de Fabiano são identificados como “mais velho” e “mais novo”, evidenciando ausência de um nome pelo qual eles pudessem ser identificados e, principalmente, particularizados. Essa questão não é vista somente na ficção, uma vez que o Modernismo tinha o propósito de promover as denúncias sociais por meio da literatura. Assim, nota-se que por mais que seja um benefício gratuito garantido pela Constituição Federal, muitas crianças ainda não são registradas e, consequentemente, não são cidadãs brasileiras efetivas.

Além disso, outro aspecto importante a ser destacado é como a ausência de documentos pode afetar a vida de um cidadão em relação ao recebimento de ações afirmativas.De acordo com o Mapa da Invisibilidade, divulgado pelo IBGE, quase 4 milhões de brasileiros não possuem documentos básicos. Essa questão impactou negativamente a população brasileira durante o período de pandemia, uma vez que para terem acesso ao “Auxílio Emergencial”, benefício fornecido pelo governo para um enfrentamento mais digno da crise. Logo, torna-se necessária a execução de medidas para diminuir a quantidade de cidadãos que ainda não podem usufruir dos seus direitos.

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Fica claro, portanto, que medidas são necessárias para eliminar a invisibilidade social provocada pela ausência de registros civis. Nesse sentido, é importante que os Tribunais de Justiça de todo o território nacional ampliem o programa chamado “Justiça Itinerante”, o qual percorre as cidades brasileiras para garantir a documentação de nascimento da população. Isso pode ser feito por meio da aquisição de mais ônibus e a circulação em cidades que porventura ainda não tinham sido contempladas. Assim, será possível garantir com que mais cidadãos tenham acesso pleno aos seus direitos e possam participar ativamente da sociedade.

Descomplica

Modelo 4

A letra maiúscula

Dar nome é registrar a existência no mundo. A partir de um viés linguístico, a classe dos substantivos é responsável por isso. Temos substantivos próprios e comuns, os primeiros, iniciados com letra maiúscula, nomeiam, principalmente, pessoas. Os demais concretizam, entre tantas outras coisas, a denominação de lugares, objetos ou até sentimentos. Promover o acesso ao registro civil de nascimentos é garantir a visibilidade de todos os brasileiros.

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Em primeira análise, cabe perceber a falta de acesso ao direito de personalidade previsto no Código Civil de 2002. A obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, da Segunda Geração Modernista, traz um retrato mimético dos sertanejos, esses homens, que com esforços incansáveis, passam por uma vida insignificante e sem perspectivas. Fabiano e Sinhá Vitória têm dois filhos, “o menino mais velho e o menino mais novo”. Percebe-se aqui uma cultura decorrente da marginalização e da absoluta falta de acesso. Crianças nascem e nunca chegam a ser registradas em cartórios de registro civil das pessoas naturais. Não tendo o documento que garante seus direitos e deveres: a certidão de nascimento.

Assim, é essencial atacar um problema crônico do país: o sub-registro civil. A partir de dados do Mapa da Invisibilidade, do IBGE, o númerode indivíduos sem documento pode chegar a quase 4 milhões de pessoas. Em uma situação de pandemia, como a vivida no globo em 2020 e 2021 por conta do coronavírus, o dilema pode se tornar ainda mais grave, uma vez que não existem registros seguros para acesso às políticas afirmativas ou serviços básicos.

Em suma, é essencial construir condutas de conscientização e acesso para o registro civil. O Governo Federal em parceria com o Ministério da Cidadania e da Cultura devem criar campanhas midiáticas para divulgar a gratuidade dos serviços de documentação primordial. Além disso, é absolutamente relevante a ampliação de projetos como o Programa de Justiça Itinerante do Estado do Rio. O projeto adapta modais de transporte variados e chega em pontos esquecidos do Brasil. Levar tais serviços é garantir o direito à letra maiúscula, assim, assegurando dignidade à existência humana em território nacional.

Descomplica

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