FRIEDRICH NIETZSCHE
Por meio da Genealogia da Moral, Nietzsche acreditava ser preciso investigar a origem dos valores, em vez de simplesmente aceitá-los
Friedrich Nietzsche
ORIGEM
Rökken (Prússia, atual Alemanha) (1844-1900)
PRINCIPAIS OBRAS
Humano, Demasiado Humano (1876-1880); Assim Falou Zaratustra (1883); A Genealogia da Moral (1887); Além do Bem e do Mal (1889); O Crepúsculo dos Ídolos (1889)
FRASE-SÍNTESE
“O que quer que não pertença à vida é uma ameaça para ela.”
BIOGRAFIA
Friedrich Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844, em Rökken (Prússia, atual Alemanha). Criado em uma família de clérigos luteranos, Nietzsche foi preparado para ser pastor. Aos 18 anos, perdeu a fé em Deus e passou por um período libertino, quando contraiu sífilis. Nietzsche tornou-se professor de filosofia e poesia gregas com apenas 24 anos, na Universidade de Basileia, em 1869. Abandonou a universidade em 1879. Sofrendo de intensas dores de cabeça e de uma crescente deterioração da vista, levou uma vida solitária, vagando entre a Itália, os Alpes suíços e a Riviera Francesa – ele atribui à doença o poder de lhe conferir uma clarividência e lucidez superiores. Em janeiro de 1889, ao ver um cocheiro chicoteando um cavalo, abraçou o pescoço do animal para protegê-lo e caiu no chão. Havia enlouquecido? Muitos amigos que visitavam Nietzsche na clínica psiquiátrica duvidavam de sua doença e alguns de seus biógrafos afirmam que, longe de loucura, ele atingiu uma enorme sanidade. O filósofo morreu em 1900.
“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
A FILOSOFIA DE NIETZSCHE
Para Nietzsche, a filosofia, representada por Sócrates (o “homem de uma visão só”), instaura o predomínio da razão, da racionalidade argumentativa, da lógica, do conhecimento científico e do “espírito apolíneo” – derivado de Apolo, deus da ordem e do equilíbrio. Assim, perde-se a proximidade da natureza e de suas forças vitais, da alegria, do excesso e do “espírito dionisíaco” – derivado de Dionísio, o deus do vinho e das festas. A história da filosofia é, portanto, a história do triunfo da razão contra a “afirmação da vida”. Seria preciso, assim, resgatar o elemento dionisíaco da vida.
Entretanto, não foram apenas os filósofos que contribuíram para a decadência do homem e da cultura ocidental. Para Nietzsche, o cristianismo também teve o seu papel. Isso porque os cristãos defendem uma “moral dos escravos” ou do “rebanho” contra uma “moral dos senhores” ou dos “espíritos livres”. A “moral dos escravos” nega a vontade e o desejo, enquanto a “moral dos senhores” se relaciona com aqueles que afirmam a vida. Importante notar que o termo escravo deve ser entendido aqui não no sentido social, mas psicológico.
Devido à força do número, a mediocridade do rebanho venceu. A moral cristã é hostil à vida, uma forma de os fracos deterem os fortes. Os cristãos condenam os belos, os fortes e os poderosos a um inferno fictício, enquanto legaram aos escravos o céu. O cristianismo sufoca nosso impulso criativo, insaciável. Contra aquilo que pregam os cristãos e filósofos, é preciso ser fiel à vida: “Permanecei fiéis à Terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças supraterrestres! Envenenadores são eles”. Nietzsche propunha uma transvaloração de todos dos valores: por meio de seu método genealógico (A Genealogia da Moral), é preciso investigar a origem dos valores, em vez de simplesmente aceitá-los.
Ao falar da “morte de Deus”, Nietzsche, ao contrário do que se pensa, não se colocava como um “anticristo” no sentido evangélico do termo, mas como alguém que queria a morte das “muletas metafísicas”, ou seja, dos “apoios” fora da vida, de viver baseado num mundo que não existe. Como assim? Para acalmarem a angústia da própria existência, os homens ocidentais sempre procuram inventar em sua vida uma finalidade (um sentido, um motivo, uma razão para sua existência e para os acontecimentos da vida), uma unidade (o conhecimento científico, garantindo que podemos entender o universo) e uma verdade (uma moral, uma razão filosófica). Para Nietzsche, esses três conceitos são ilusões, ídolos.
Assim, o filósofo alemão derrubava os três pilares da cultura ocidental. Para Nietzsche, os principais temas abordados por todos os filósofos até o século XIX, como Deus, Ser, Razão, Sentido, Verdade, Ciência, Produção, Beleza, Ordem, Justiça, Estado, Revolução, Família, Demonstração, Lógica, seriam construções, valores morais ocidentais, que domesticavam o homem e anulavam sua criatividade. Os valores do mundo estão, portanto, baseados em nada – a cultura que não supera isso é uma cultura niilista.
Niilismo é a inversão dos valores vitais pelo cristianismo, que transforma em afirmação de poder o sofrimento e a lassidão de uma vida diminuída. O niilismo, assim, é a doença dos tempos modernos, a vida depreciando a vida. Paradoxalmente, niilismo é também a denúncia desses valores. Em O Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche declara guerra a esses falsos deuses que criamos: o Estado, as instituições, as ilusões da filosofia, a verdade.
Apenas os espíritos mais refinados têm asco a essas normas, negando Deus, a ciência, a verdade. Superando essa cultura do medo e do ressentimento, nos tornamos o super-homem ou além-homem. Zaratustra – protagonista do livro Assim Falou Zaratustra – é o além do homem (Übermensch), pois ele viu muitas coisas, sofreu muito, amou, odiou, foi guerreiro, experimentou a morte, comemorou a vida. Em seu caminho cheio de pedras, ele superou a si mesmo. Zaratustra é o homem superior, cujo querer emancipado de todo ressentimento, de toda culpa, de toda negação, assume plenamente o sentido da vida em todas as suas formas e a justifica inclusive no que ela tem de mais ambíguo e de mais assustador. Livre de espírito e de coração, sua felicidade está em vencer a si mesmo. O super-homem não se pergunta “qual é a verdade?”, e sim: “qual é o valor da verdade para a vida?” ou “o que é que o verdadeiro quer de nós?”.
VIDEOAULA: NIETZSCHE E O CREPÚSCULO DOS ÍDOLOS
Nietzsche nunca foi tão lido quanto na atualidade. Um dos motivos é a crise dos diversos “ismos” – quer dizer, noções que guiam a vida civilizada, chamados de industrialismo, liberalismo, socialismo, positivismo, cristianismo, protestantismo. Muitos estão descrentes de noções como o progresso: progresso para quê? Progresso para quem? A manutenção de problemas como a fome e a desigualdade, bem como o agravamento dos problemas ambientais, tornou muitas pessoas céticas em relação ao nosso progresso.
Outra ideia em crise é a noção de verdade: diante da pluralidade enorme de visões de mundo nos dias atuais, poucos duvidam da relatividade da verdade. E o que dizer sobre as “utopias” tão fortes no século XX: quem ainda têm um projeto de sociedade ideal para o século XXI? Por mais que esses “ismos” ainda tenham muita força, ninguém duvidaria que hoje, mais do que em outras épocas, não são poucos os que duvidam da validade e utilidade dos alicerces da nossa “civilização ocidental”, já questionados pelo filósofo prussiano no século XIX. Nesse sentido, o “filósofo das marteladas”, que se opunha a todos os dogmas da sociedade civilizada, parece mais atual do que nunca.