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As leis que protegem (e outras que ameaçam) a preservação da Amazônia

O número de incêndios na Amazônia bateu recordes esse ano. E as mudanças na legislação ambiental sinalizam um cenário ainda mais desanimador

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 29 ago 2019, 16h33 - Publicado em 29 ago 2019, 16h30
Queimadas na Amazônia
 (Wikimedia Commons/Reprodução)
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Era uma vez um Brasil que perdeu 93% da Mata Atlântica para a exploração madeireira e para o avanço de monoculturas como o café e a cana-de-açúcar. E se te contassem que esse passado distante e colonial caminha para se repetir no Brasil do século 21, mas agora com a maior floresta tropical do mundo todo? 

O avanço do desmatamento na Amazônia é 170 vezes mais rápido do que foi a destruição da Mata Atlântica no Brasil, de acordo com um documento intitulado “Desmatamento Zero”, publicado pelo Greenpeace em 2017. Somos recordistas mundiais no desmatamento de nossas florestas, cerca de 55 milhões de hectares de árvores da Amazônia foram derrubados só entre 1990 e 2010. Aproximadamente 20% da mata original já deixou de existir. 

As perdas que a destruição da Floresta Amazônica representam são imensas. Além dos riscos à biodiversidade, as árvores derrubadas são muito importantes para a regulação do clima no Brasil e para o combate ao aquecimento global, já que absorvem uma grande quantidade de gás carbônico (CO2). Por outro lado, as queimadas — que são uma das etapas do desmatamento — emitem uma grande quantidade de gases que poluem o solo, o ar e as águas. 

Neste ano, o número de queimadas na Amazônia cresceu 82% em relação ao mesmo período do ano passado, e é o maior desde 2010. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontou a ocorrência de 78.383 focos de incêndio desde o começo do ano. 

Mas foi só na segunda-feira da semana passada, 19 de agosto, que o mundo ficou atento ao fenômeno. Neste dia, o céu de São Paulo, a maior metrópole do Brasil, escureceu às 15h. Embora alguns institutos de pesquisa tenham divergido nas explicações, vários deles, como o Inmet e especialistas da Universidade de São Paulo (USP), concordaram que a escuridão repentina foi resultado da combinação de uma frente fria com a fumaça de queimadas na Amazônia, na Bolívia e no Paraguai. Um corredor de fumaça percorreu diversos pontos da América do Sul.

Com o acontecimento, as queimadas da Amazônia entraram em foco no debate público e as autoridades brasileiras tiveram que se explicar nacional e internacionalmente sobre o controle de desmatamento no país. 

Apesar do cenário parecer desolador, o estudo do Greenpeace aponta que existem caminhos para frear a destruição e, como o título sugere, até atingir uma taxa zero. Para isso, seria preciso uma postura inflexível do Estado contra o desmatamento ilegal, aplicando as leis existentes, criando novas e honrando acordos internacionais importantes como o Acordo de Paris. 

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E quem pensa que a proposta da organização é utópica ou distante da nossa realidade, tem a Indonésia para desmentir. As semelhanças com o Brasil não são poucas: o país, subdesenvolvido, de grandes dimensões e com um histórico de ditaduras e governos corruptos, também ficou sob uma enorme nuvem de fumaça há quatro anos. Os  incêndios destruíram mais de 2,6 milhões de hectares de floresta tropical. Milhões de pessoas ficaram doentes com a poluição gerada nesse país que, nos últimos anos, tornou-se o maior desmatador do planeta.

Só que desde 2015 as coisas mudaram por lá e o país vem registrando a cada ano menos focos de incêndio. Como? A principal chave para a mudança foi o aumento da fiscalização e o controle das atividades agrícolas. A Indonésia aumentou o investimento na área e criou agências que monitoravam de perto e multavam empresas e pessoas responsáveis por incêndios. Além disso, o governo envolveu também a sociedade civil na busca por soluções por meio de concursos. A Indonésia está tentando provar que uma legislação forte em defesa do meio ambiente e a aplicação dessas regras podem manter florestas de pé.

As leis contra o desmatamento na Amazônia

No Brasil, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como novo código florestal, derrubou o Código Florestal brasileiro de 1965 e é a mais abrangente legislação sobre preservação florestal. O projeto de lei que deu origem a ela tramitou por mais de uma década até ser aprovado definitivamente em 2012, com 12 vetos da presidente Dilma Rousseff e 32 propostas de alteração. 

Embora tenha desagradado partidos da oposição e proprietários rurais em alguns pontos, o novo código florestal foi mais comemorado pelos ruralistas do que pelos ambientalistas. O Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável classificou a lei como retrocesso ambiental por “anistiar” os proprietários rurais que desmataram áreas protegidas até a lei entrar em vigor. Cerca de 47 milhões de hectares desmatados ilegalmente foram anistiados e isentos de multas. 

De maneira geral, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa determina qual é a área de Reserva Legal, as Áreas de Preservação Permanente (APPs), a definição de matas ciliares, a exigência de recomposição de áreas desmatadas e outros pontos. 

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O relatório do Greenpeace aponta que o desmatamento tem sido acelerado desde a aprovação da lei, mas indica que outras medidas institucionais, como as que foram aplicadas entre 2005 e 2012, poderiam se mostrar efetivas para frear a destruição. Conheça algumas delas.

Moratória da Soja

A Moratória da Soja foi um pacto ambiental firmado pela primeira vez em 2016 e que contou com a participação de entidades representativas de grandes produtores de soja, ongs e o governo federal. Ela foi proposta pela Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec), que convidou organizações como o Greenpeace para contribuir com a redação do texto do acordo. A fim de reduzir o plantio na área protegida da Amazônia, a moratória impede a compra e financiamento de safras cultivadas na região amazônica. 

Fiscalização dos municípios

Em 2008, uma lista com os 43 municípios que mais desmatam serviu como base para aumentar a fiscalização nessas áreas. Estima-se que a medida tenha evitado o desmatamento de 355.100 hectares por ano entre 2009 e 2011.

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Resolução 3545

Criada em 2008 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a Resolução 3545 criava novas regras para a concessão de crédito rural na Floresta Amazônica. Para obter crédito, se tornou necessário cumprir com algumas adequações legais e restrições ambientais. O Climate Policy Initiative Rio de Janeiro (CPI-RIO) apontou em um estudo que, apenas entre 2008 e 2011, R$ 2,9 bilhões deixaram de ser emprestados a investidores rurais. Os municípios mais afetados pela redução na concessão de crédito foram também os que mais reduziram o desmatamento. 

Cadastro Ambiental Rural

Previsto na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um registro público obrigatório para todos os imóveis rurais. Por meio dele, é possível monitorar a atividade nessas propriedades e de que forma ela interage com as áreas protegidas por lei — se há nascentes ou matas originárias no seu perímetro, por exemplo. Em 2013, a fiscalização por meio do CAR reduziu em 10% o desmatamento nos imóveis cadastrados. 

O acordo de Paris e a meta brasileira

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O Acordo de Paris é um tratado que foi assinado em 2015 por 195 países que se comprometeram a reduzir as emissões de gás carbônico a partir de 2020 para frear o aquecimento global. Cada país fixou metas e as apresentou às Nações Unidas, e entre as metas brasileiras contidas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) estava zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. 

No relatório de 2017, o Greenpeace criticou a meta distante de zerar o desmatamento apenas daqui a uma década. Este ano, estivemos prestes a deixar o Acordo de Paris. 

Retrocessos

Não é de hoje que o Brasil tenta driblar legislações de proteção ambiental. O estudo “The uncertain future of protected lands and waters” (“O futuro incerto das terras e águas protegidas”), publicado no meio desse ano pela ONG Conservação Internacional, concluiu que dentre os nove países cobertos pela vegetação amazônica, o Brasil é o que mais altera as leis de preservação do território. Entre 1961 e 2017, das 115 alterações de leis feitas, 66 eram brasileiras. Dessas, 45 foram feitas com o objetivo de reduzir a área preservada, e as outras na tentativa de ampliar o uso do solo ou até extinguir a proteção. 

Algumas propostas de Lei, especialmente a partir do governo Temer, reforçaram essa tendência e colocam em risco não só a vegetação amazônica, como o futuro das populações indígenas e ribeirinhas que vivem lá. 

Lei 13.465/2017 

Busca de Cursos

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Aprovada em julho de 2017, a lei diz respeito a regularização fundiária urbana e rural e foi criticada por movimentos sociais e ongs. Segundo essas organizações, as mudanças da lei facilitam a grilagem — falsificação de documentos para tomar posse de terras do Estado ou particulares — por estender os prazos para regularização das terras tomadas e isentar de multas. A prática de grilagem está fortemente associada ao avanço dos pastos e desmatamento. 

Projeto de Lei 8.107/2017

Apresentado no final de 2016, já no governo Temer, o projeto de lei propunha a redução da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no Pará, que está dentro de uma área de conservação. Segundo ambientalistas, a intenção era também acomodar grileiros. 

Projeto de Lei 3729/2004

O Projeto de Lei 3729, conhecido como Lei Geral de Licenciamento Ambiental, tramita há quase 15 anos no Congresso com propostas para reduzir as exigências em licenciamentos ambientais. Esse ano, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), relator do projeto no Câmara, alterou diversos pontos do projeto, promovendo uma mudança que, segundo especialistas, torna o licenciamento a exceção, e não a regra. O projeto ainda está tramitando. 

As mudanças no governo Bolsonaro

Ameaçado de extinção logo nos primeiros meses depois da posse de Jair Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente vem perdendo forças ao longo dos últimos meses. O Serviço Florestal Brasileiro, por exemplo, que tem entre seus objetivos a proteção e ampliação de áreas florestais no país, saiu da alçada do Meio Ambiente e foi para o Ministério da Agricultura. 

Por outro lado, o próprio ministro Ricardo Salles já tomou uma série de medidas que colocam a Amazônia e os acordos climáticos em risco. A política de fiscalização é uma das mais afetadas: Salles já reprimiu publicamente fiscais que destruíram equipamentos de criminosos que exploravam madeira ilegal — procedimento permitido — criou os “núcleos de conciliação” para rever multas e o Ibama, sob seu comando, passou a noticiar as áreas onde faria fiscalização. O anúncios, que nunca aconteciam nas operações do Ibama, soaram como um aviso para que os criminosos se preparassem para a chegada dos fiscais. 

Além disso, Salles criticou a gestão do Fundo Amazônia, por meio do qual países europeus contribuem com a manutenção e preservação da floresta. As críticas geraram problemas diplomáticos com a Noruega e Alemanha, principais contribuintes, que doam juntas R$ 3 bilhões. 

Do Senado, saiu uma proposta de lei de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) que defende o fim das reservas legais — áreas protegidas por lei dentro das propriedades — por considerar que elas “ferem o direito de propriedade”.

Por fim, tramita ainda para ser aprovada na Câmara e no Senado a Medida Provisória (MP) 867, que tem como objetivo alterar o Código Florestal e já entrou em vigor no ano passado. Inicialmente, ela tinha como único objetivo alterar o prazo para regularização de terras fora das normas do Código Florestal, mas ganhou 35 adendos na Câmara que ameaçam inclusive metas do Acordo de Paris. 

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As leis que protegem (e outras que ameaçam) a preservação da Amazônia
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