Com 400 metros de comprimento e 219 mil toneladas, o navio Evergreen encalhou em um ponto extremamente estratégico para a navegação mundial: o Canal de Suez. Após seis dias, na segunda-feira (29) o navio contou com uma ajudinha dos céus (a lua cheia causou uma maré alta que facilitou a movimentação da embarcação) e foi retirado do local restabelecendo assim o tráfego na rota de navegação mais curta entre Europa e Ásia.
O ocorrido foi destaque nos noticiários e chamou a atenção do mundo. Mas afinal por que o Canal de Suez é tão importante? E será que isso pode cair nos vestibulares? Para esclarecer essas questões, conversamos com o Alex Perrone, professor de Atualidades do Poliedro Curso, Paulo Inácio Vieira Carvalho, coordenador de Geografia do Colégio Etapa e o professor de Geografia no Colégio Oficina do Estudante, Luis Felipe Valle.
Para começar, é importante saber que estamos falando da principal ligação marítima entre a Ásia e a Europa. Além disso, o fluxo de mercadorias que passa pelo canal, corresponde a cerca de 12% de todo o comércio global. Para se ter uma ideia, em 2019, aproximadamente 50 navios passaram por dia no canal, o que equivale a quase um terço do tráfego mundial de navios de contêineres.
Histórico
O Canal de Suez é uma passagem construída em 1859 e 1869, quando o Egito era colônia inglesa, conectando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho e, por extensão, o Oceano Atlântico ao Oceano Índico. A rota “economiza” uma enorme volta que seria necessária em um trajeto alternativo pelo Cabo da Boa Esperança, ao sul do continente africano, que levaria no mínimo 10 dias a mais.
Sua história está relacionada à influência das nações imperialistas europeias e seus respectivos interesses comerciais: a iniciativa para a construção foi resultado da colaboração da França e do Reino Unido. A participação francesa foi efetivada por meio do apoio técnico; já a britânica, por meio do apoio financeiro. Além disso, franceses e ingleses controlaram grande parte do comércio realizado no canal ao longo dos anos.
Segundo Valle, o comércio entre a Ásia e a Europa intensificou-se muito no século 19 e, mais ainda, nos séculos 20 e 21, com o aumento dos fluxos de produtos em uma economia cada vez mais globalizada costurada por rotas interoceânicas em “gigantescos navios lotados de enormes contêineres”, explica o professor.
“Frente à gigantesca competitividade entre empresas transnacionais, economizar com um frete eficiente e um tempo de entrega reduzido é essencial para praticar um preço de mercado que vença a concorrência – e, nesse aspecto, o Canal de Suez é fundamental”, diz.
Em 1956, o Canal de Suez foi nacionalizado pelo Egito, por iniciativa do presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser. A França e Reino Unido, com o apoio de Israel, não aceitaram o processo de nacionalização e declaram guerra ao Egito (Crise de Suez). Após uma semana, ocorreu a intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU), que exigiu a retirada das tropas inglesas, francesas e israelenses, temendo uma guerra de proporções mundiais.
“Em 1967, o Canal foi tomado por Israel em resposta à derrota árabe na Guerra dos Seis Dias, mas por ser um território importantíssimo para o Egito, o país fez de tudo para reaver o controle sobre a passagem e negociou, inclusive, tréguas com o então inimigo, tamanha a urgência e interesse na rota”, diz Valle. Atualmente o canal pertence e é mantido pela Autoridade do Canal do Suez (SCA), pertencente ao governo do Egito, e é utilizado por empresas privadas e estatais de grande porte do mundo todo, que fazem acordos comerciais e pagam tarifas para atravessá-lo.
Em 2015, foram inauguradas obras de expansão no Canal, visando melhorar seu tráfego. “A importância desse canal poderá ser diminuída quando a China completar sua ligação terrestre com a Europa, a chamada Nova Rota da Seda, que representará um caminho mais seguro e fluido para o transporte de mercadorias por meio de uma moderna infraestrutura envolvendo diversos modais”, afirma Carvalho.
Bloqueio do Canal
Perrone explica que, após seis dias do navio encalhado no Canal, os danos e custos ainda são difíceis de avaliar, porque terão um impacto em setores diferentes, mas estimativas apontam que as perdas econômicas ligadas de maneira direta ou indireta ao encalhe passem de R$ 300 bilhões, segundo empresas especializadas em comércio marítimo. “Além disso, o bloqueio eleva o custo do frete marítimo e pode prejudicar o abastecimento da cadeia global de suprimentos, fato responsável por um aumento de preços para o consumidor”, diz.
Por mais Phd's que tenhas em RI, Economia ou Negócios Internacionais, nunca terás uma função tão importante para o comércio mundial como o trabalhador que está dentro desta retroescavadora no canal do Suez. pic.twitter.com/7zTA2mKM8t
— Jorge Campos (@Jorge_SCampos) March 25, 2021
O bloqueio do Canal impediu, por exemplo, o tráfego de cargueiros, com contentores e combustíveis. Isso prejudicou prazos de entrega e gerou desabastecimento de mercados consumidores pelo mundo. Segundo Carvalho, em um momento de crise econômica agravada pela pandemia, isso deverá influenciar uma alta dos preços de diversos produtos.
eu te amo, escavadorinha do Canal de Suez, eu te amo. pic.twitter.com/TUQXbPlNFz
— thais fabris (@thatafabris) March 25, 2021
Nos vestibulares
Nas provas, esse tema normalmente é abordado a partir de aspectos geográficos (localização) e/ou à importância econômica do Canal. Mas o principal assunto refere-se à questão geopolítica, com o processo de nacionalização e o consequente conflito em 1956, segundo Perrone.
Outra dica do professor é lembrar que após 10 anos do início da Primavera Árabe, que apresentou o Egito como destaque, é importante estudar a situação atual política do país, marcada pelo autoritarismo e pela instabilidade econômica.
“Para os vestibulares, também é fundamental destacar que, apesar de uma economia globalizada cada vez mais veloz e integrada, graças aos avanços notáveis dos meios de transporte e de comunicação, ainda há barreiras físicas e entraves logísticos que podem colocar em risco o abastecimento das cadeias globais de produção e consumo e produzir crises e oscilações no valor do dólar e do petróleo, por exemplo, por conta de acidentes ou imprevistos”, diz Valle.
Além do Canal de Suez, o professor da Oficina do Estudante destaca que outros pontos estratégicos que merecem sua atenção são os chamados “gargalos logísticos” para o transporte marítimo: o Estreito de Ormuz (entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã), o Estreito de Malaca (entre Cingapura e Malásia) e o Canal do Panamá (no Panamá, América Central).
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