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Golpe de 1964 faz 60 anos. Veja o que foi a ditadura militar em 9 atos

Em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart foi deposto pela cúpula das Forças Armadas: foi o início da ditadura militar, imposta ao país por 21 anos

Por Paulo Zocchi
Atualizado em 2 abr 2024, 14h48 - Publicado em 31 mar 2024, 10h00
Carro oficial passa em frente ao Palácio do Planalto com o presidente Castelo Branco (mandato de 1964 a 1967) e os generais (e futuros presidentes) Ernesto Geisel (à esq.) e Costa e Silva
Carro oficial passa em frente ao Palácio do Planalto com o presidente Castelo Branco (mandato de 1964 a 1967) e os generais (e futuros presidentes) Ernesto Geisel (à esq.) e Costa e Silva (CPDOC/FGV/Editora Abril)
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Há exatos 60 anos, teve início o mais longo período de supressão das liberdades democráticas no Brasil republicano: a ditadura militar, que se instalou com o golpe de 31 de março de 1964 e durou 21 anos. Foi um período marcado por prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores, praticados por funcionários a serviço do Estado brasileiro.

Apesar de terminada há quase quatro décadas, suas marcas persistem e afetam a sociedade brasileira.

Chamada por seus apoiadores de “Revolução de 1964”, teve, no recente governo de Jair Bolsonaro (PL), um defensor declarado na Presidência, bem como seus colaboradores do alto comando das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, setores da sociedade continuam exigindo que os crimes cometidos em nome do regime militar sejam apurados, e que seus responsáveis sejam punidos, como ocorreu com países vizinhos ao nosso.

Iniciada com a derrubada do governo eleito de João Goulart, a ditadura militar se caracterizou pelo controle da cúpula militar sobre o Estado, pela cassação dos direitos políticos de opositores e pela violação das liberdades individuais. Durante o regime militar, houve cinco presidentes, todos marechais ou generais do Exército, escolhidos pelo comando das Forças Armadas e referendados em colégios eleitorais sem poder.

Ditadura militar ato 1: Golpe e junta militar

O golpe de 1964 não foi um raio em céu azul. O Brasil havia entrado nos anos 1960 em grave crise institucional, causada pela renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, com apenas alguns meses de mandato. O vice, João (Jango) Goulart, fazendeiro gaúcho, considerado de esquerda, sofre oposição de militares e conservadores, e só consegue assumir a Presidência ao aceitar um governo parlamentarista, chefiado por um primeiro-ministro, o mineiro Tancredo Neves. Mas, em janeiro de 1963, Jango restabelece o presidencialismo, após vencer um plebiscito sobre o modelo de governo.

O país enfrenta, então, um período de radicalização política, com greves e manifestações pelas “reformas de base” – agrária, bancária e fiscal – propostas pelo presidente. Ao mesmo tempo, há uma mobilização de setores conservadores.

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Em 13 de março de 1964, Jango lidera o Comício pelas Reformas, em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, com cerca de 300 mil pessoas. Seis dias depois, em São Paulo, há uma resposta: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pelos conservadores, militares e setores da Igreja Católica, reúne 200 mil participantes. O golpe de Estado promovido pela cúpula das Forças Armadas, em 31 de março de 1964, tem como pretexto o combate à ameaça comunista, à corrupção e à crise político-econômica. O Exército ocupa as principais cidades. Jango vai para o exílio, e em seu lugar assume uma junta com três chefes militares.

O golpe recebe apoio de setores da elite nacional. Uma onda de repressão atinge entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as Ligas Camponesas. Milhares de pessoas são presas. A Junta decreta Atos Institucionais (AI) para dar força de lei a suas ações. O Ato Institucional nº 1 (AI-1), de 9 de abril de 1964, dá ao Congresso Nacional o papel de Colégio Eleitoral para sacramentar o nome do presidente da República. Com a cassação dos parlamentares de oposição, os apoiadores do golpe tornam-se maioria no Parlamento, que referenda no cargo de presidente o marechal Humberto de Alencar Castello Branco.

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Ditadura militar ato 2: governo Castello Branco

Castello Branco prometeu que a intervenção militar seria breve e o poder voltaria aos civis logo que o país superasse a crise. Mas, em seu mandato, de 15 de abril de 1964 a 15 de março de 1967, ele consolida os mecanismos ditatoriais. De início, edita o AI-2 – dissolvendo os partidos políticos existentes e permitindo ao Executivo cassar mandatos. É assim criado o sistema bipartidário do período. A Aliança Renovadora Nacional (Arena) abriga as forças de apoio direto ao regime, e as demais se reúnem no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), uma frente de oposição moderada.

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Em fevereiro de 1966, o governo edita o AI-3, acabando com as eleições para governadores. Em novembro de 1966, o AI-4 fecha o Congresso e o transforma em Constituinte. Votada em janeiro de 1967, a Constituição da ditadura incorpora os atos institucionais, amplia os poderes do presidente e reduz os do Congresso. Na economia, Castello Branco faz uma política recessiva até 1967, com o seu Plano de Ação Econômica, cuja meta era conter a inflação, com o corte nos gastos públicos e o aumento de impostos.

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Ditadura militar ato 3: Costa e Silva e o AI-5

Castello Branco é sucedido pelo marechal Arthur da Costa e Silva, chefe de Estado de 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969. Durante o seu mandato, o descontentamento popular e a oposição ao regime se ampliam, e as manifestações populares se multiplicam. Em 1968, o estudante Edson Luiz Lima Souto morre no Rio de Janeiro como resultado da repressão policial a uma passeata. Dias depois, em 26 de junho, o centro da cidade é tomado por uma manifestação que ficou conhecida como a Passeata dos Cem Mil. Cerca de mil estudantes são presos num congresso clandestino da UNE, em 12 de outubro, em Ibiúna (SP),

Em setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, faz da tribuna da Câmara duras críticas aos militares. Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal pede ao Congresso autorização para que o parlamentar seja processado. Diante da recusa dos parlamentares, em 13 de dezembro de 1968, o governo baixa o Ato Institucional nº 5 (AI-5) e fecha o Congresso, iniciando a fase mais dura do regime militar.

Além de tornar possível o recesso do Congresso, o AI-5 permite ao presidente intervir diretamente nos estados e municípios, cassar parlamentares, confiscar bens, suspender a garantia de habeas corpus, instituir a censura prévia nos meios de comunicação e limitar a ação do Judiciário. As forças policiais e militares passam a ter carta branca para prender opositores do regime sem precisar de acusação formal nem registro, e fica facilitada a prática da tortura. O AI-5 vigora por dez anos, até janeiro de 1979. Durante os anos da ditadura, 173 deputados federais e 8 senadores são cassados, a maior parte deles durante a vigência do AI-5.

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A repressão policial se acentua, levando parte da esquerda a refugiar-se na clandestinidade e a adotar a luta armada contra o regime. Grupos radicais organizam-se para a guerrilha urbana, passam a promover atentados e, para obter fundos, a assaltar bancos. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT) integrava um desses grupos. Depois, foi presa e torturada.

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Estudantes são presos durante o Congresso da UNE, no sítio Murundu, em Ibiúna (SP), em 12 de outubro de 1968
Estudantes são presos durante o Congresso da UNE, no sítio Murundu, em Ibiúna (SP), em 12 de outubro de 1968 (Carlos Namba/Editora Abril)

Ditadura militar ato 4: a junta militar

Afastado do poder por problemas de saúde, Costa e Silva é substituído por uma junta militar, que governa o país por dois meses, a partir de agosto de 1969. Nesse curto período, institui a pena de morte a quem praticasse ações “subversivas” e reabre o Congresso Nacional para que os parlamentares pudessem oficializar a escolha do novo mandatário, o general Emílio Garrastazu Médici. A junta cria ainda o decurso de prazo: se um decreto-lei do governo passasse 45 dias no Congresso Nacional sem ser votado, entraria em vigor automaticamente.

Ditadura militar ato 5: Médici e o “milagre econômico”

O governo Médici, fase mais repressiva do regime militar, ficou conhecido como os “anos de chumbo”. Até o final de seu mandato, em 15 de março de 1974, multiplicam-se acusações de tortura e desaparecimento de opositores. Nesse período, são mortos pela repressão os dirigentes de esquerda, ligados à luta armada, Carlos Marighella (1969) e Carlos Lamarca (1971).

Durante o governo Médici, o país vive também o chamado “milagre econômico”. De 1969 a 1973, a economia brasileira cresce em média 11,2% ao ano, graças a uma política de subsídios e incentivos fiscais à produção industrial, de arrocho salarial (com os sindicatos sob intervenção de agentes do regime) e de apoio às exportações. O país aproveita a facilidade para obter dinheiro no mercado externo e faz empréstimos para ampliar a infraestrutura – como rodovias, usinas, telecomunicações. Como consequência, a dívida externa salta de 3,5 bilhões de dólares para 17 bilhões de dólares no período.

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Em 1970, o Brasil ganha a Copa do Mundo no México, conquista esportiva usada por Médici para angariar apoio ao governo. O regime apela ao ufanismo, e cria a imagem do “Brasil Grande“. Em meio à fuga de perseguidos para o exílio, adota o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

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Sob intensa repressão, a luta armada é extinta nas cidades e tenta se organizar no campo, com a Guerrilha do Araguaia, que acaba vencida e desarticulada. Em janeiro de 1971, o ex-deputado federal Rubens Paiva, cassado em 1964, desaparece dois dias após ser levado de sua casa por militares. A versão oficial é de que teria sido levado por desconhecidos ao ser transportado por agentes do DOI (Departamento de Operações de Informação), do 1º Exército, no Rio de Janeiro. Mais de 40 anos depois, em 2014, a Comissão Nacional da Verdade, após ouvir testemunhas, estabeleceu as condições do assassinato do ex-deputado, sob tortura, nas dependências do DOI, e da ação posterior para desaparecer com o seu corpo.

Ditadura militar ato 6: Geisel e a abertura

Acuado pela crescente pressão popular e pelos efeitos da crise internacional do petróleo, em 1973, que coloca fim ao milagre econômico, o presidente seguinte, general Ernesto Geisel, anuncia o projeto de abertura política “lenta, segura e gradual”. Em seu mandato, de 1974 a 1979, as denúncias de tortura diminuem, mas, em outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog é assassinado sob tortura no DOI-Codi (órgão repressivo do regime), em São Paulo. A versão oficial é de suicídio, mas as evidências do crime são claras, e um ato ecumênico em sua memória, uma semana depois de morte, reúne milhares de pessoas na praça da Sé, apesar da proibição das autoridades.

O descontentamento popular fica evidente nas eleições de 1974, nas quais o MDB conquista 16 das 22 cadeiras em disputa no Senado, ampliando sua bancada de 12% para 30% da casa. Na Câmara, o salto é de 28% para 48%. Como a “abertura” era estritamente controlada pelo regime ditatorial, em 1976, edita-se a Lei Falcão (elaborada pelo ministro da Justiça, Armando Falcão), que proíbe os debates no horário gratuito de rádio e TV.

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Em 1977, diante da iminência de nova derrota eleitoral no ano seguinte, Geisel fecha o Congresso e edita um conjunto de regras eleitorais conhecido como “Pacote de Abril”. A principal mudança foi mexer na composição da Câmara dos Deputados, ampliando a bancada do Norte e Nordeste, mais favorável ao governo, em relação à do Sul e Sudeste, onde a oposição era maior. Ampliou-se também o quórum para mudar a Constituição de 50% dos parlamentares para dois terços (o que será decisivo, em 1984, para a não aprovação das Diretas Já).

Criou-se ainda o senador biônico: dos três senadores representantes de cada estado, um passava a ser escolhido pelos deputados estaduais, e não pelos eleitores. O pacote frustra a expectativa de que se elegesse o sucessor de Geisel pelo voto direto. Como resultado das distorções, apesar de o MDB ter obtido 17,4 milhões de votos nas eleições para a Câmara dos Deputados em 1978, contra 13,1 milhões da Arena, o governo mantém a maioria na Câmara.

Ao mesmo tempo, Geisel procura limitar a atuação de militares da “linha dura” – contrários à abertura. Em 1977, exonera o ministro do Exército, Sylvio Frota, que se opunha à redemocratização. No mesmo ano, o regime assiste ao ressurgimento do movimento estudantil, com passeatas de protesto nas ruas, e das greves nas fábricas. Surge no ABC paulista o movimento metalúrgico, liderado pelo torneiro mecânico Lula, Luiz Inácio da Silva.

Passeata estudantil toma o viaduto do Chá, no centro de São Paulo, em 1977, no início dos protestos que marcaram o período final da ditadura militar
Passeata estudantil toma o viaduto do Chá, no centro de São Paulo, em 1977, no início dos protestos que marcaram o período final da ditadura militar (Sergio Sade/Editora Abril)

Ditadura militar ato 7: Figueiredo e a anistia

A abertura continua “lenta e gradual” na gestão do general João Baptista Figueiredo, que assume em março de 1979 para um mandato de seis anos. A liberdade de imprensa é restabelecida. Figueiredo promulga a Lei de Anistia – após aprovação, numa votação apertada, contra o projeto da oposição, por 206 a 201 –, que permite a volta da maior parte dos exilados e liberta os opositores presos, mas exclui os condenados por “terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. Posteriormente, a lei acabou sendo usada para impedir a apuração de crimes dos acusados de cometer torturas e assassinatos de opositores sob as ordens da ditadura.

A Arena e o MDB são então extintos em dezembro de 1979, e o pluripartidarismo, restabelecido. A Arena transforma-se no Partido Democrático Social (PDS), enquanto o MDB vira PMDB. As forças de oposição dão origem a outros partidos, como PDT, PTB e PT. Em 1980, voltam à legislação as eleições diretas para governador, e acabam os senadores biônicos para as próximas eleições, em 1982. Ao mesmo tempo, setores contrários à democratização promovem ataques a bancas de jornal (incendiadas à noite) e organizam o atentado do Riocentro, quando, no estacionamento de um show, explode em um carro uma bomba que um sargento e um capitão do Exército haviam levado para simular um ato terrorista.

Em 1982, as oposições obtêm 25 milhões de votos para governador, contra 18 milhões do PDS. O partido do governo elege 12 governadores, e a oposição, dez – nove do PMDB e um do PDT –, incluindo os de São Paulo (Franco Montoro), Minas Gerais (Tancredo Neves) e Rio de Janeiro (Leonel Brizola). Faltava apenas restabelecer as eleições diretas para a Presidência da República.

Ditadura militar ato 8: Diretas Já

Pelo roteiro da abertura “lenta, segura e gradual”, o sucessor de Figueiredo deveria ser escolhido pelo Colégio Eleitoral em novembro de 1984. Um ano antes, porém, o PT organiza na praça Charles Miller, em São Paulo, um ato com 10 mil pessoas por eleições diretas. A iniciativa passa a receber apoio da população e de outros setores oposicionistas. Um novo ato ocorre na praça da Sé, em 12 de fevereiro de 1984, com mais de 200 mil pessoas.

O móvel da campanha é a emenda à Constituição do deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT), restaurando as eleições diretas para presidente já para o próximo mandato. A campanha ganha o nome de “Diretas Já” e realiza manifestações por todo o país. Um ato na Candelária, no Rio, em 10 de abril, reúne 1,2 milhão de pessoas. Seis dias depois, no Anhangabaú, em São Paulo, o público chega a 1,7 milhão. Apesar de tudo, em 25 de abril, a Emenda Dante de Oliveira não obtém os dois terços para a aprovação (estabelecidos pelo “Pacote de Abril” de Geisel): recebe uma expressiva maioria de 298 votos; 65 votam contra, três se abstêm e 114 não comparecem. Como eram necessários 320 votos, acabam faltando 22 para tornar lei as eleições diretas.

Ditadura militar ato final: Colégio Eleitoral

O regime, porém, estava definitivamente abalado. O PMDB e uma dissidência do PDS formam a Aliança Liberal e lançam o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, candidato a presidente no Colégio Eleitoral. Em 15 de janeiro de 1985, ele obtém a maioria com 480 votos, contra 180 de Paulo Maluf, do PDS. Tancredo, porém, adoece três dias antes da posse e morre sem assumir o cargo.

A Presidência foi então ocupada pelo vice, o senador José Sarney. A posse de Sarney, em 15 de março de 1985, é considerada o fim do regime militar. As oposições vencem sob as regras da ditadura militar, mas quem acaba assumindo é um político estreitamente ligado ao próprio regime militar, já que Sarney havia sido presidente da Arena, partido oficial do regime, a partir de 1979, e de seu sucessor, o PDS, até 1984.

Veja aqui uma linha do tempo com os principais acontecimentos da ditadura militar

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