O beliscão como gesto de amor
O livro Memórias de um Sargento de Milícias (1853), de Manuel Antônio de Almeida, costuma aparecer na lista de grandes vestibulares. O personagem principal é o filho de um casal português que foi morar no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século 19. Apesar de todo mundo ser meio desajustado naquela história, chamam a atenção as demonstrações de afeto descritas ali.
Olha como os pais do herói se conheceram:
“Estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.”
Parece absurdo, mas esse tipo de coisa era comum em Portugal no século 18 – e, muito provavelmente, também no Brasil. Segundo historiadores, atos como beliscões e pisadas de pé estão associados ao “namoro cortês” e simbolizavam a vida rural. O texto “Do beliscão ao beijo: uma história dos gestos de amor”, publicado na Aventuras na História em 01/12/2003, explica:
“No universo camponês das sociedades pré-industriais, o domicílio familiar não significava somente local de vida social, mas também de produção de quase todos os bens do cotidiano. Do alimento às roupas, tudo era produzido pelo casal. Daí os rituais que simbolicamente avaliavam a resistência e força dos noivos.”
E havia regras para beliscões – cada circunstância pedia um tipo diferente. Leia mais aqui.
Veja também:
– “Memórias de um Sargento de Milícias” – Análise da obra
– “Memórias de um Sargento de Milícias” – Resumo da obra