Na mesma semana em que usuários do Twitter foram à loucura ao descobrir que Sherlock Holmes não foi uma pessoa real, a nova produção original da Netflix, Enola Holmes, ficou em primeiro lugar entre as mais assistidas da plataforma. Ela conta a história da irmã mais nova do detetive mais amado do cinema. O filme é baseado nas obras da escritora norte-americana Nancy Springer, que criou a personagem a partir do clássico de Arthur Conan Doyle. Apesar de a obra original do autor nunca ter contado com a irmã mais nova de Sherlock, a releitura de 2006 chamou atenção suficiente para virar filme este ano! E, além de um enredo intrigante e elenco cheio de estrelas, Enola Holmes ganhou destaque pela discussão do feminismo inserida no roteiro. Em cinco pontos, o GUIA traz algumas interpretações para pensar sobre isso:
Protagonismo feminino
A jovem Enola, de 16 anos, além de estar no centro do enredo, dá um novo tom à obra, ao quebrar a quarta parede desde o início do filme. Ela fala diretamente com o espectador, contando os passos de seu plano para reencontrar sua mãe – que some nos primeiros minutos do filme – e um pouco de sua infância. Olhando para a câmera, ela guia a atenção do público e conta, ela mesma, sua própria história – o que condiz muito com a mensagem do filme de tomar as rédeas do próprio destino. Mesmo acompanhada por Sherlock durante todo o enredo, é ela quem toma suas decisões e soluciona o caso. E assim, ela segue um dos maiores conselhos que sua mãe lhe dá: “Você pode seguir por dois caminhos: o seu ou o que escolhem para você”.
Direito ao voto
No filme, conhecemos também a mãe de Enola, Eudoria, que criou sua filha sozinha desde a morte precoce de seu marido. Ela representa, ao longo do enredo, a luta feminina pelo direito ao voto na Inglaterra dos anos 1880. Se reúne em sua casa, desde o começo da trama, um grupo de sufragistas. A liderança de Eudoria na luta traz uma reflexão importante quando se fala da luta por uma causa: o conflito entre interesses individuais e coletivos. Ela fica menos presente para a filha, abandona suas amigas do passado e deixa para trás tudo que amava em prol de um propósito maior, em busca deum futuro melhor. Uma de suas falas marcantes é: “Fui embora por você. Eu não suportava deixar esse mundo ser o seu futuro. Eu precisava lutar.”
Mudanças políticas e o papel masculino
Em meio a discussões políticas sobre uma possível reforma, as reuniões femininas como as conduzidas por Eudoria eram proibidas. O próprio Sherlock Holmes, em busca de sua mãe e de Enola, conversa com uma das participantes e se refere à luta como algo negativo. Como resposta, a mulher traz uma reflexão que se encaixa bem em várias discussões atuais: “Política não te interessa porque você não se interessa em mudar um mundo que está bom para você.”
A presença da voz masculina no debate do filme é extremamente relevante e mostra um pouco do cenário político no período retratado. Mas, além disso, ajuda a compreender a escolha de prioridades em reformas políticas até os dias atuais.
Educação para ser uma “boa mulher”
O filme mostra, em segundo plano, um pouco do estilo de educação da época e o quanto isso influenciava o futuro de garotos e garotas na Inglaterra – e também no resto do mundo ocidental. Desde pequena, Enola é criada de maneira diferente. Sua mãe não lhe ensina a bordar, cozinhar ou a ter as ‘boas maneiras’ de uma lady. Quando a mãe desaparece, sua guarda passa a ser de seu irmão mais velho, Mycroft. Ele, um conservador assumido, decide passar a responsabilidade da educação da menina para um internato feminino, comum na época. Lá, as futuras moças aprendem a se tornar o estereótipo que a sociedade de então esperava. É interessante notar as diferenças da escolarização de então com a atual, bem como o quanto foi necessária uma reforma na educação para que isso ocorresse.
Com uma mãe solteira, dois irmãos mais velhos distantes e uma mentalidade de detetive que o mundo já conhece na família Holmes, a jovem Enola consegue ensinar sobre o feminismo na prática, sem que seja necessário sequer mencionar este termo. Vale a pena conferir o filme e reparar não só na história principal, que é fictícia, mas também em todo o entorno. Ele está cheio de detalhes que enriquecem o debate não só sobre a luta das mulheres, mas sobre as mudanças políticas ao nosso redor.