“Residência Médica”: conheça a série feita por e para médicos
Acompanhamos uma das gravações da segunda temporada da websérie médica feita em um hospital real para estudantes de residência
Depois de uma longa caminhada, que começa na preparação pesada para um vestibular muito concorrido, passando por mais seis anos intensos na universidade, a maioria dos estudantes de Medicina, ao finalizarem o curso, enfrentam mais um grande desafio: a residência médica.
É por meio dessa modalidade de ensino que o médico consegue o título de especialista na área em que deseja atuar. Mas, assim como o vestibular, as provas de residência médica também são muito concorridas e exigem bastante dos candidatos.
Diante desse cenário, buscando deixar o estudo mais agradável, em 2017, a Medcel, do Grupo Afya Educacional, plataforma online focada na preparação para as provas dos principais concursos de Medicina do país, apostou no projeto de uma websérie médica feita em um hospital real com casos de doenças verdadeiras, que serve como material de estudo para os alunos.
“Nossa iniciativa foi criada como uma contribuição para ajudar a sensibilizar a mudança da educação médica. Ela tem que ser sólida, profunda e responsável, mas pode ser ressignificada e ficar mais leve”, afirma Rodrigo Paiva, VP de Aprendizagem e Conteúdo da Afya e idealizador da websérie.
Batizada como Residência Médica, a série nasceu com o objetivo de apontar caminhos para os estudantes de Medicina identificarem diferentes sintomas, mostrando as diversas possibilidades para um diagnóstico final. Para isso, foram criados os personagens Rúbia, Felipe, Mariana e Carlos, clínicos-gerais recém-formados. Além de morarem na mesma república, eles têm em comum o sonho de passar na prova de residência. Mas com histórias de vida e realidades diferentes, os jovens profissionais enfrentam problemas pessoais distintos.
A produção foi construída com base em dados e análises da plataforma. Para definir quais seriam as doenças abordadas, por exemplo, foram selecionadas as 150 patologias cobradas em 85% das 200 provas de residência dos últimos cinco anos. O número foi dividido em três temporadas (50 doenças por temporada). O perfil dos personagens escolhidos também seguiu dados tirados da plataforma.
A ideia de combinar esse conteúdo da prova com os recursos audiovisuais deu certo. A primeira temporada, lançada em 2018, alcançou seus objetivos, com mais de 50 mil acessos contabilizados. Com uma ótima expectativa, a segunda temporada (spoiler: nós fomos conferir os bastidores das gravações) estreou na última terça-feira (5). A trama dos personagens da primeira parte terá sequência, novos conflitos e resoluções, mas a preocupação é a mesma: fazer uma websérie para, de fato, ensinar.
O caráter educacional
Rodrigo Paiva ressalta a diferença do projeto de séries de sucesso que retratam o mundo médico, como Grey’s Anatomy ou House. “O centro das decisões nunca foi somente a qualidade da narrativa. Nós não temos licença poética. Mostramos o processo médico como ele é feito de verdade. Claro que temos o desafio gigante de ser também um produto de entretenimento”, afirma.
Para isso, o elenco é composto por 50 atores, sendo 17 deles professores médicos que participam de todo o processo de desenvolvimento da websérie. Eles escolhem as doenças abordadas, constroem microssinopses de como elas devem ser tratadas nos episódios e passam para os roteiristas, que adaptam os casos médicos para a linguagem narrativa, passando por revisão e ajuste dos professores. Todo esforço é concentrado em garantir que os procedimentos apresentados sejam reais e que os protocolos médicos corretos sejam seguidos.
Além de criarem e revisarem o conteúdo didático do roteiro, alguns dos professores participantes também trabalham como atores. Eles interpretam eles mesmos, para justamente mostrar com realismo a conduta comportamental de um médico. O infectogista Durval Alex Gomes e Costa, coordenador da preceptoria de Infectologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, aceitou o desafio e é um dos profissionais presentes na segunda temporada.
No seu primeiro dia de gravação, não escondeu a insegurança de novato na atuação, mas garantiu com sua experiência que o projeto é uma ótima ferramenta de estudo. “Eu dou aulas há muitos anos e percebo que o formato tradicional de aula sozinho não é mais suficiente para conseguir prender a atenção o tempo inteiro dessa geração de estudantes. A série é um formato dinâmico e surpreendente”, conta o médico.
Para complementar o conteúdo de prova que está dentro do roteiro dos episódios, a plataforma criou também conteúdos pílulas, vídeos curtos, que trazem os professores especialistas fazendo mais uma explicação sobre o assunto ali abordado. O aluno pode usar esse recurso durante a exibição do episódio para entender melhor.
Segunda temporada
As gravações da segunda temporada aconteceram durante os meses de novembro de 2019 e fevereiro deste ano, no Hospital Vera Cruz, em Campinas (SP). A parceria para as cenas serem gravadas em um hospital de verdade foi uma ferramenta muito importante para trazer o realismo que os idealizadores queriam para chamar a atenção de seu público.
O GUIA acompanhou um dia de gravação e conheceu os bastidores da websérie. Depois de passar por alguns corredores e escadas, ali estava uma sala de hospital tomada por equipamentos de filmagem, luz e câmeras. Atores, médicos e cinegrafistas trocando experiências. Andrea Klaczo, gerente de conteúdo e processos editoriais, estava lá desde cedo. Ela faz a ponte entre os professores e a equipe de audiovisual e trabalha para a harmonia entre o conteúdo e entretenimento.
Cabe a ela observar os detalhes para trazer a maior dose de realismo possível para a série. Uma das cenas do dia acontecia em uma sala de reunião do hospital que os estudantes “invadem” para estudar. Andrea se atentou para que os livros de estudos não ficassem todos organizadinhos na mesa, mas que houvesse um movimento que mostrasse que os estudantes tinham mexido para ler e pesquisar.
Em cena, apareceu a personagem Rúbia, uma estudante do quinto ano de medicina que está se preparando para a prova de residência. Sempre estudou em escola particular e fez dois anos de Jornalismo antes de decidir ser médica. Naquele episódio, ela estudava com Mariana, que já se formou e trabalha como clínico geral para juntar dinheiro antes de fazer a residência. Diferentemente da amiga, sempre estudou em escola pública e precisou de bolsa para conseguir fazer cursinho preparatório.
As duas analisavam um erro médico, pensando nos protocolos e como agir em determinada situação. Além do conteúdo que era abordado, durante a cena as amigas falaram de suas inseguranças sobre o curso, como se sentiam e compararam suas realidades tão diferentes. E, assim, a série ganha outro papel, o de abordar também a questão comportamental. “O aluno sente, guarda, lembra do arco dramático e do problema falado e consegue fazer relações”, acredita a gerente de conteúdo, Andrea Klaczo.
O fio condutor de todos os episódios da segunda temporada, inclusive, é a saúde mental do aluno, que, por sofrer muita pressão, se vê muitas vezes em processos depressivos ou com Síndrome de Burnout, por exemplo.
A série está aberta gratuitamente para estudantes de Medicina, médicos e profissionais da saúde. Para isso, basta fazer um cadastro no site da Medcel para ter acesso completo à primeira e segunda temporadas.
Como funciona a prova de residência médica
Os processos seletivos para residência médica são concursos que testam conhecimentos gerais dos interessados em ingressar nas diferentes especialidades. Cada instituição tem o seu processo seletivo, alguns têm duas fases (prova teórica e entrevista), e outros, três (prova teórica, prática e entrevista). “Os hospitais que não possuem um processo próprio utilizam um concurso unificado, geralmente elaborado por uma organização médica, para ingresso dos candidatos”, explica Jader Burtet, professor de ginecologia e obstetrícia da Afya.
O conteúdo da prova compreende conhecimentos gerais das cinco grandes áreas da Medicina: clínica médica, cirurgia geral, ginecologia/obstetrícia, pediatria e saúde coletiva/epidemiologia. “A maioria das instituições brasileiras elabora provas com 100 questões, divididas em 20 questões para cada uma dessas cinco áreas”, conta Burtet.
Após a aprovação, o residente passa a aprender as habilidades relativas à especialidade médica escolhida. Cada especialidade tem um tempo de formação regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A ginecologia e obstetrícia, por exemplo, têm três anos de formação.