O governo federal decretou uma reforma no curso do Ensino Médio com a lei 13.415, em 2017, mas ela ainda não começou – e não há certeza de quando começará. Essa incerteza, dentre várias, resulta da forma confusa como ela foi encaminhada.
Recordando: o governo federal a enviou ao Congresso por Medida Provisória em 2016, o que gerou protestos estudantis e ocupação de escolas em várias capitais do país, além de críticas de pedagogos e até do apresentador Faustão! Isso porque o texto final não foi discutido com a comunidade acadêmica. De qualquer forma, o andamento da reforma e sua chegada às escolas dependerão de vários fatores. Vamos entendê-los.
O que a reforma estabelece
Já havia convicção entre os educadores de que é necessário fazer uma reforma. Ela está sendo feita também, por exemplo, em países como Portugal e México. Considera-se que os estudos no Ensino Médio atualmente trazem conteúdos demais (13 disciplinas) e precisam ser repensados, que as aulas devem incorporar novas tecnologias e novos métodos pedagógicos, que os estudantes vão mal nas notas, há muita repetência e muitos desistem e abandonam o curso. De modo geral, concorda-se que o curso tem de ser mais interessante para os alunos e que eles devem poder escolher o que mais gostam de estudar em parte do curso. A reforma decretada na lei 13.415/2017 pretende também ampliar a oferta de cursos técnicos.
Veja a seguir os principais aspectos do que ficou decidido pela lei:
♦ Matérias obrigatórias A lei determina que as matérias Matemática, Português e Inglês serão obrigatórias nos três anos do curso, para todos os alunos. Os conteúdos de Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia foram mantidos, mas não necessariamente como disciplinas na grade regular de aulas, poderão ser abordados em outras aulas ou em projetos. A lei não proíbe as escolas de oferecer essas disciplinas, as escolas privadas tenderão a mantê-las, mas isso poderá não ocorrer nas escolas públicas. Tudo dependerá dos novos currículos que serão feitos por secretarias de educação estaduais e municipais.
♦ Trilhas formativas A lei cria dois universos de aula: o da base curricular ampla, com os conteúdos de todas as matérias, e outro, em que o estudante, em tese, poderá escolher em qual das áreas gosta mais de estudar: Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza, Ciências Humanas ou Matemática. Essas áreas de escolha são chamadas de trilhas formativas, ou de áreas de concentração. Cada escola será obrigada a oferecer pelo menos uma trilha, mas não todas. Nas escolas em que há curso técnico, ele é considerado pela lei como uma trilha formativa e poderá não haver oferta de outra. Nesses casos, o estudante teria apenas os conteúdos da base ampla, mais os do curso técnico.
♦ Quanto de cada A lei determina um limite de horas das aulas da base curricular ampla, em 1.800 horas de aula na soma dos três anos do curso. Ela não define isso em percentual, mas no número total. Atualmente, nas escolas em que há 4 horas de aula, o total no ano soma 200 dias x 4 = 800 horas; 2.400 horas no total dos três anos, e a área que o estudante escolher representará 25% do total. Conforme o total de horas aumentar, apenas as aulas da trilha escolhida pelo estudante crescerão. Nas escolas em que já há 7 horas de aulas diárias (4.200 horas de aula em três anos), a parte escolhida pelo estudante será de 2.400 horas de aulas (57% do total do curso).
♦ Dúvidas A regulamentação da aplicação das trilhas deverá ser ao menos orientada pelo Conselho Nacional da Educação. Não se sabe, por exemplo, se as aulas da trilha formativa deverão ser distribuídas durante os três anos do curso, ou se poderão ser apenas no primeiro ano, ou no último ano. Também não se sabe como ficarão as provas do Enem, se elas terão ou não provas para cada trilha formativa, além da prova geral, decisão que deverá ser tomada pelo MEC. Também será preciso definir se as escolas oferecerão todas as trilhas obrigatoriamente, porque oferecer uma trilha formativa, como está na lei, não permite a plena escolha pelos estudantes.
A confusão envolvendo a reforma
Se há uma concordância geral quanto à necessidade de uma reforma na educação, há um consenso também de que, para que a reforma seja feita, é necessário construir uma nova base curricular para todo o país. A base curricular é um documento orientador dos conteúdos dos cursos para que os estados e municípios façam novos currículos, e abrange todo o conjunto da Educação Básica, a partir da Educação Infantil.
Pois bem. A nova base foi feita entre 2012 e 2016 e estava pronta para ser enviada ao órgão que fará a aprovação final, o Conselho Nacional da Educação (CNE, formado por representantes do governo e da área da educação da sociedade). Porém, assim que assinou o decreto da reforma, em fevereiro de 2017, o governo anunciou também que havia retirado do documento final toda a parte do Ensino Médio.
O MEC anunciou que entregaria outra versão dessa parte ainda neste ano, mas não fez isso até o início de setembro. Tudo indica que não haverá tempo para que o CNE, mesmo que receba o conteúdo ainda em 2017, consiga aprová-lo neste ano. Ou seja, a base curricular do Ensino Médio só deverá ser aprovada em 2018. Isso porque será necessário fazer audiências públicas nas diferentes regiões do país para discuti-la.
Ela vai afetar você?
Para descobrir a resposta, precisamos analisar as seguintes questões:
♦ Prazos A lei diz que todas as secretarias estaduais e municipais de educação do país terão o ano seguinte ao ano da aprovação da nova base curricular para preparar os novos currículos e, a seguir, treinar as suas equipes. Como a base provavelmente será aprovada em 2018, esse ano de preparação será 2019, para que a reforma comece em 2020. Além disso, será preciso produzir livros didáticos totalmente novos, o que indica que as escolas terão de esperar esses livros. Esse é o principal cenário para a rede pública de estados e municípios.
♦ Implementação A maioria das fontes entrevistadas pelo Guia do Estudante acredita que nenhuma mudança será iniciada no meio do curso para quem já estiver cursando, porque isso jamais aconteceu antes. Uma mudança assim precisa começar pelas turmas do 1º ano do ensino médio. Portanto, quem já está cursando o Ensino Médio em 2017 não será afetado pela mudança curricular da reforma, principalmente nas escolas públicas. Nas escolas particulares é possível que alguma mudança comece para quem ingressar em 2019, mas isso é pouco provável.
♦ O que pode acontecer A mesma lei define que as escolas aumentem o período atual de 4 horas de aula por dia para 5 horas em um prazo de 5 anos (até 2021). Nas escolas particulares nada muda, pois a maioria absoluta já atua com pelo menos 5 horas diárias de aula. Na rede pública, é possível que algumas escolas que têm turmas apenas de manhã e à tarde aumentem a carga para 5 horas já em 2018. Porém, ninguém sabe como isso poderá ser feito para os cursos noturnos, nos quais a aula começa quase sempre às 19h00. Avançar até a meia-noite parece preocupante e inseguro para os alunos; antecipar para as 18h pode ser inviável para quem já trabalha. Caberá ao Conselho Nacional de Educação decidir, ou aos governos e prefeituras.
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Conclusão: se você já está cursando o Ensino Médio, em escola pública ou particular, não deverá ser afetado por mudanças pedagógicas e de rotinas que ocorrerão com a Reforma do Ensino Médio. Na rede privada, a reforma poderá começar para quem ingressar em 2019. Na rede pública, provavelmente para os que ingressarem em 2020, mas não há certeza de que isso vá ocorrer.
Consultoria: Priscila Fonseca da Cruz, presidente-executiva da organização Todos Pela Educação; Roberto Catelli Jr, coordenador da Unidade de Educação de jovens e Adultos da ONG Ação Educativa; Patrícia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Fundação Itaú Social; Cristina Fernandes de Souza, do Instituto Unibanco; Wagner Cafagni Borja; vice-diretor da Escola Nossa Senhora das Graças; Harlei Florentino, diretor-geral do Colégio Oswald de Andrade.