Única brasileira indicada ao ‘Nobel dos estudantes’ foi desincentivada na escola
Millena criou um programa que incentiva a participação em olimpíadas do conhecimento e desenvolve pesquisas científicas no Ensino Médio
Millena Xavier, de apenas 17 anos, tem um currículo impressionante. Natural de Minas Gerais, é uma das cinquenta finalistas na edição de 2024 do Chegg.org Global Student Prize, premiação internacional conhecida como o “Prêmio Nobel estudantil“, que homenageia alunos que realizam projetos de destaque ao redor do mundo. Por trás da indicação de Millena, que é a única brasileira finalista, estão alguns projetos de sua autoria, como a Prep Olimpíadas, organização que fundou aos 14 anos para auxiliar estudantes que se preparam para olimpíadas científicas, e a plataforma Autinosis, uma ferramente de triagem de autismo que utiliza Inteligência Artificial. Em 2023, foi a mais jovem a ser nomeada na Forbes Under 30 na categoria Educação e Ciência.
Para a estudante, que tem na ciência e no conhecimento uma paixão desde a infância, a indicação ao Global Student Prize é um reconhecimento de todo o caminho que trilhou até agora. “Ser considerada uma das cinquenta melhores estudantes do mundo foi um processo de muito sucesso e muita resiliência, de ir contra o sistema, de buscar fazer atividades extracurriculares – algo que é visto como perda de tempo aqui no Brasil”, diz.
A premiação nasceu em 2021, derivada de outra também muito conhecida no mundo da educação, o Global Teacher Prize, que desde 2015 premia professores ao redor do globo.
Na primeira edição, o Nobel estudantil concedeu o prêmio a Jeremiah Thoronka, estudante da Serra Leoa que fundou uma startup que fornece energia limpa a comunidades sem acesso à eletricidade. Em 2022, quem venceu foi o ucraniano Igor Klymenko, homenageado pela criação de um dispositivo de detecção de minas terrestres a partir de drones. Já na terceira edição, em 2023, quem levou foi o estudante Nhial Deng, do Sudão do Sul, que promoveu programas de educação e empreendedorismo em campos de refugiados no Quênia.
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Caso ganhe, Millena será a primeira mulher a receber o prêmio de 100 mil dólares – e também a primeira vencedora do continente americano. Só de chegar aos 50 finalistas, no entanto, já pode se considerar uma vitoriosa: foram mais de 11.000 indicações, de 176 países diferentes.
Os critérios da banca para a seleção dos finalistas, e posteriormente do vencedor, estão no edital: realizações acadêmicas; impacto sobre seus colegas; serviços em prol da comunidade; superação de adversidades; criatividade e inovação; e comprometimento com a cooperação global. Na última edição, dois brasileiros foram indicados entre os finalistas: Henrique Peixoto Godoi, de Goiânia (GO), e Bianca Bearare, de São Paulo (SP). Ainda não houve um brasileiro entre os dez primeiros colocados.
Prestes a concluir o terceiro ano do Ensino Médio, Millena aguarda ansiosamente o anúncio da premiação – que deve ocorrer em setembro. Enquanto isso, se prepara para o vestibular de Engenharia Biomédica… mas não no Brasil. “Estou prestando para bolsas em Stanford, Harvard, Yale, Columbia, MIT”, elenca. Ela também prestará o PISM (vestibular da Universidade Federal de Juiz de Fora) e o Enem, como segunda opção.
O GUIA DO ESTUDANTE conversou com Millena e te conta tudo sobre a trajetória da estudante.
Paixão pela ciência desde cedo
Para Millena, a fome de estudar como o mundo funciona vem desde a infância. A jovem sempre gostou das aulas de Ciências, História e Biologia, e via nelas a oportunidade de exercitar a sua curiosidade natural. Não demorou para começar a dizer que, quando crescesse, se tornaria uma cientista. A paixão pelo conhecimento logo a levou a se interessar por métodos de aprendizado, e, ainda no sexto ano do fundamental, passou a ler sobre maneiras eficientes de estudar e aplicar no seu dia a dia as dicas de aprovados que via na internet.
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“No caso, como eu não sabia do processo dos Estados Unidos, eu estudava o processo do Brasil mesmo, pesquisava como ir bem nos vestibulares e via videoaulas sobre o assunto”, lembra. No mesmo ano, leu na escola um livro sobre 50 mulheres cientistas que mudaram o mundo, e se encantou com as carreiras de Marie Curie e Ada Lovelace. Ainda que ninguém de sua família fosse da área científica ou acadêmica, passou a ter certeza que era isso que queria seguir.
Juntando a paixão pelos estudos e por novos conhecimentos, adentrar o mundo das olimpíadas científicas foi o match perfeito para a estudante. Só havia um problema: sua escola não participava de nenhuma olimpíada.
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Falta de apoio da escola incentivou criação de ONG
Ao pedir para participar de uma olimpíada científica sozinha, recebeu uma negativa da instituição em que estudava. “Eles disseram que iria tirar o meu foco do Enem e dos outros vestibulares, e, sem a escola, eu não conseguia me inscrever. Na pandemia, porém, isso foi flexibilizado, e passou a ser permitido você participar com uma escola que não fosse a sua”, explica. Nesse universo das olimpíadas científicas, Millena se encontrou. E encontrou também uma forma de ajudar outros estudantes que tinham a mesma dificuldade.
Foi percebendo a ausência de uma cultura de olimpíadas do conhecimento nas escolas que decidiu fundar grupos online para auxiliar outros interessados que queriam participar, mas não sabiam como. Assim, começou em 2020 a dar aulas online de Matemática para uma turma de 12 estudantes. O boca a boca fez a classe crescer e, em pouco tempo, já eram aulas de outras disciplinas, como Física, Química e Biologia.
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Millena viu no crescimento do projeto uma oportunidade de realizar algo concreto. Nasceu assim a ONG Prep Olimpíadas. Hoje são dezenas de voluntários e embaixadores pelo país, mais de 100 mil alunos impactados e mil medalhas acumuladas nas principais competições nacionais e internacionais.
Além das aulas teóricas e as de preparação, a organização auxilia a disseminar a cultura de olimpíadas pelo Brasil, promovendo palestras e eventos em escolas. “Foi um processo parecido com o de uma empresa, conforme ela cresce, você tem que começar a ir para cargos mais de administração, de gestão das pessoas, de gerir os voluntários, embaixadores”, comenta Millena se referindo ao seu cargo atual no projeto.
Aplicativo de triagem de autismo
Em 2022, Millena e a família optaram por trocar a garota de escola. Ela estava prestes a entrar no Ensino Médio e queria começar a carreira científica dando início a uma pesquisa. Escolheu prestar para o Coluni, colégio de aplicação da Universidade Federal de Viçosa, onde foi aprovada e estuda desde então. Lá, se deparou com a estrutura e o incentivo científico que tanto buscou. Por ser uma instituição de ensino vinculada à academia, os estudantes são estimulados a se aventurarem no mundo das pesquisas de extensão desde o fundamental.
Então, inspirada pelo diagnóstico de um amigo, usou o seu conhecimento adquirido nas olimpíadas para programar de maneira independente uma ferramenta de auxílio na triagem do autismo. “Criei o Autinosis, uma plataforma que ajuda na triagem do diagnóstico de autismo a partir de Inteligência Artificial, que é uma coisa que as pessoas falam que vai tirar o emprego dos médicos, mas é apenas uma triagem, o médico vai continuar diagnosticando como sempre, o objetivo é dar uma triagem para auxiliar”, explica.
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Millena já havia iniciado o projeto alguns meses antes de entrar no colégio de aplicação, mas foi lá que, por meio do PIBIC, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, conseguiu orientação de professores e uma bolsa de estudos. A partir do projeto, foi selecionada em 2023 pela BRASA, a Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior, para ser a única brasileira a ganhar uma bolsa integral na Polygence, uma famosa instituição de pesquisa nos Estados Unidos.
“E lá eu dou sequência à pesquisa com uma engenheira biomédica da Coreia do Sul, que estudou em Duke”, diz.
Mesmo com todo o sucesso e reconhecimento, a jovem ainda recebe questionamentos acerca do caminho que tem trilhado para a sua carreira. No início, a própria família não compreendia a vontade da garota de se engajar em atividades extracurriculares, projetos e competições, como as próprias olimpíadas.
“Já teve colegas que falaram ‘nossa, por que você está fazendo isso? Está perdendo tempo, não tem motivo’. Porque enquanto eles estudavam para o vestibular, eu fazia essas outras coisas”, conta. “Mas com o tempo eles viram que existe um outro lado, que não é só porque é um caminho diferente, que é errado. Não necessariamente todo mundo tem que ir fazer Medicina.”