Municípios debatem volta às aulas com criatividade e segurança
Mucambo (CE) e Jundiaí (SP) colocam em prática novas possibilidades para a Educação
Mais de 1 ano se passou com 99,3% das escolas brasileiras obrigadas a adotar aulas à distância em decorrência da pandemia de Covid-19, segundo o Censo Escolar. Em agosto, a maioria dos estados começam o retorno às aulas presenciais.
GUIA conversou com professores e gestores de Mucambo (CE) e Jundiaí (SP) para mostrar novas possibilidades para a volta às aulas adotadas nos respectivos municípios.
Além dos muros da escola
Em Jundiaí, cidade a 56 Km de São Paulo, a volta às aulas presenciais, dentro dos protocolos sanitários de prevenção à Covid-19, não significa necessariamente retorno à sala de aula, aos conteúdos e exercícios escritos na lousa e algumas dezenas de alunos sentados em carteiras escolares. O município promoveu aquilo que chamou de “desemparedamento” das aulas. Mas melhor seria dizer que expandiu as possibilidades de “espaços de aprendizagem”, como afirma a gestora de desemparedamento de Educação do município, Vasti Ferreira Marques.
“A gente mostra para que serve o conteúdo na vida das pessoas de forma prática, levando as crianças para as vivências do cotidiano. As possibilidades de estudar ciência no bairro, percebendo as suas necessidades, as possibilidades de entender quanto custa uma cesta básica, o que a sociedade discute hoje”, afirma a gestora. “A gente traz essa necessidade da ludicidade e da possibilidade de pensar o conteúdo a partir desses elementos. O desemparedamento vem com essa função de ressignificar essa aprendizagem.”
O projeto de criação de novos espaços de aprendizagem nasceu de um longo período de estudos, iniciado em 2018. Com a pandemia, viu-se a possibilidade de implementá-lo. No ano passado, as escolas municipais de Jundiaí – assim como aquelas da rede estadual, com quem a prefeitura trabalha em parceria – adotaram um formato híbrido. As turmas foram divididas e escalonadas: aqueles que tinham aulas presenciais em determinados dias, tinham aulas virtuais em outros dias. Foi a saída encontrada para reduzir os danos do ensino exclusivamente à distância – num contexto de desigualdade, que marca todas as cidades brasileiras – e proteger estudantes, professores e servidores da educação da pandemia.
Entre as atividades desenvolvidas estão regras de três num jogo de amarelinha, leituras ao ar livre, criação de hortas para falar de alimentos e educação alimentar, aulas de inglês durante passeios nos arredores da escola.
“Numa escola que nós temos na periferia, criamos um programa de recuperação [da defasagem de aprendizado dos alunos]. Nele, por exemplo, uma professora saiu com 15 crianças com uma prancheta para que elas identificassem os nomes das ruas. Isso é uma atividade de alfabetização”, afirma Marques. “Nossas creches, trabalhando com os quatro elementos da natureza, resolveram construir fogões à lenha nos quintais. E estão cozinhando uma vez por semana com as crianças.”
Com 423 mil habitantes, Jundiaí tem 40 mil estudantes somente na rede municipal. Metade dos servidores do município – 4.100 – atua na área da educação. Segundo a gestora, o projeto de “desemparedamento” passa tanto pelo conhecimento da realidade dos estudantes quanto pela formação dos professores. “Nós precisamos trabalhar com uma formação bastante significativa para nossos educadores de forma que tenhamos consistência na formação escolar olhando para a diversidade”, afirma Marques.
Hoje, Jundiaí já conta com 80% dos seus estudantes em aulas presenciais. Algumas escolas já retornaram completamente. A expectativa é que, em setembro, com todos os profissionais da educação já devidamente imunizados, haja o retorno presencial completo da rede escolar do município. Isso não significa, todavia, abandonar o que foi aprendido ao longo de 2020 e 2021. “Vamos voltar sem abandonar a educação hibrida. Nossa preocupação é manter o que a gente conquistou. Não é porque a gente está voltando presencialmente que vai abandonar o que era feito pela internet ou planejar pesquisas. A gente pode ir melhorando e fortalecendo outras formas de aprender e ensinar”, afirma Marques.
++ 10 filmes que se passam em escolas
Campeã do Ideb
No sertão cearense, fica a cidade de Mucambo. O município de 14.549 habitantes desbancou no ano passado Sobral (CE), pegando para si o título de campeã do Indíce de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), motivo de orgulho para todos os seus cidadãos.
O município conta com 3.072 estudantes e permanece com as aulas de forma remota. Mucambo tem, ao todo, dez escolas municipais, divididas igualmente entre as áreas urbana e rural.
“Nós temos encontrado diversas situações. Em alguns casos, o sinal de internet não é muito bom. Em outros, há limitação da internet ou do celular [compartilhado por um ou mais moradores da residência]. No caso onde os alunos não têm acesso a internet, eles recebem visita do professor”, afirma o secretário municipal de educação José Carlos Rodrigues Gomes. “Os professores tiveram que desenvolver uma série de atividades.”
Entre essas atividades, está a “maleta viajante”, com livros paradidáticos. A criança teria de ler os livros e escolher um deles, de sua preferência, para ser lido em uma filmagem (com celular) em um cenário de sua casa. “Muitos alunos resolveram filmar de todos os livros. Eles se preocuparam em fazer uma boa leitura e [criar] cenários muitos interessantes. Teve criança em cima da árvore fazendo leitura. Surgiram vídeos interessantíssimos”, conta Tatiana Ximenes Feijó de Aguiar, gerente do MAIS PAIC, o programa de alfabetização do governo cearense. Os vídeos acabaram se tornando um concurso literário local. “Era encantador.”
O número de estudantes que um professor ou professora visita varia de acordo com cada escola. O que a Secretaria de Educação procura fazer, afirma Gomes, é estar próxima da gestão escolar. “Toda sexta nós temos nossos encontros de gestores”, conta. As reuniões são uma maneira de avaliar as ações e compreender as demandas das escolas.
A Secretaria de Educação trabalha com a perspectiva de retorno às aulas em setembro, com todos os professores já completamente imunizados. E sabe que o cenário para manter a nota do Ideb é desafiador. Um desafio é a avaliação dos estudantes. “Avaliar de forma remota não tem sido uma forma muito fácil. Precisamos fazer de forma presencial. Mas não conseguimos 100% deles presentes [ainda].”
Só a avaliação presencial de 100% dos estudantes da rede municipal permitirá que se veja o “tamanho do prejuízo” causado pela pandemia e adotem medidas como o “reforço contra turno” – ou seja, fora do horário de aula – para manter os estudantes mucambenses no topo da cadeia estudantil brasileira.
Resposta educacional à pandemia de Covid-19 no Brasil
Indíce de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2019