No jogo Among Us, sucesso do momento, os jogadores precisam completar uma missão para manter a nave espacial funcionando. Tudo seria mais fácil se, no meio deles, não houvesse um ou mais impostores. Esse jogador do mal tem a mesma aparência dos restantes, agindo de forma discreta. O objetivo dele é aniquilar os outros sem alarde. Ele sabota, dificulta e gera desconfiança.
Em 1978, duas psicólogas norte-americanas mapearam mulheres de alto desempenho e analisaram um fenômeno que lembra o conceito do impostor. Assim como no jogo, existia algo desconhecido que sempre tentava sabotar e invalidar o sucesso delas. O artigo de Pauline Clance e Suzanne Imes mostrava que, mesmo com ótimos resultados acadêmicos e profissionais, elas continuavam acreditando que não eram realmente inteligentes e assim, estavam enganando quem pensasse que elas eram.
O “algo desconhecido” estava dentro delas – aí uma diferença em relação ao jogo! – e afeta muitas mulheres talentosas, fortes e inteligentes ao longo das gerações. O fenômeno conhecido como “síndrome do impostor” é marcado pela desconfiança constante de si próprio e de seu potencial e pela autoimagem depreciativa. Apesar de poder ocorrer em homens, é muito mais frequente entre as mulheres. “O indivíduo sofre com a ideia de que seu sucesso pode ser decorrente de sorte, engano ou distorção da percepção do outro, pondo em xeque o merecimento de conquistas já consolidadas”, explica Andrea Valente, psicóloga do Serviço de Apoio Psicopedagógico (SEAP) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Sinto tantas inseguranças como os demais. Ainda tenho um pouco de síndrome do impostor, ela nunca vai embora. Aquele sentimento de que vocês não deveriam me levar tão a sério nunca me abandona.
Michelle Obama
Sintomas e sinais que podem indicar a Síndrome do Impostor:
- Baixa autoestima;
- Ansiedade;
- Medo;
- Depressão;
- Autossabotagem;
- Dedicação exaustiva a uma função;
- Procrastinação de tarefas;
- Medo de exposição;
- Necessidade de aprovação integral.
Na carreira
Qualquer um pode ser afetado por esse mal, incluindo homens. A especialista explica que as mulheres acabam sendo mais afetadas porque, no modelo patriarcal de sociedade e cultura, as mulheres são convocadas a exercerem desde cedo atividades mais relacionadas aos cuidados e às áreas de humanas, enquanto os homens são mais incentivados a ocuparem espaços públicos e seguirem para os campos das ciências exatas e tecnológica. Vários estudos mostram, inclusive, que eles tendem a superestimar seus resultados em provas. Elas, por outro lado, tendem a esperar resultados piores do que os de fato acabam tendo.
Além disso, é também um reflexo de uma sociedade que, historicamente, incentiva mais os homens a assumirem posições de poder e se sentirem seguros diante disso. “Neste sentido, as mulheres que se arriscam nestes terrenos predominantemente masculinos sentem a necessidade de se empenharem com muito afinco, percebendo-se em posição desprivilegiada em relação aos colegas homens”, afirma Andreia.
Segundo relatório de gênero do LinkedIn, as mulheres se candidatam a 20% menos cargos do que os homens na rede social. O levantamento indica que elas só buscam as vagas de emprego para as quais se sentem realmente qualificadas. Por outro lado, os homens arriscam mesmo sem os pré-requisitos necessários descritos para a função.
Mas as mulheres, ainda que enfrentem dificuldades históricas e estruturais que reforçam o sentimento de impostora, têm demonstrado talento em posições de liderança.
Uma pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial e pelo think tank Center for Economic Policy Research, chamada “Liderando a luta contra a pandemia: Gênero ‘realmente’ importa?”, em tradução livre, mostrou que países liderados por mulheres tiveram resultados “sistematicamente e significativamente melhores” no combate à covid-19. Com medidas rígidas de isolamento antecipadas, estes países reduziram pela metade o número de mortes em relação a nações encabeçadas por homens.
Ter consciência desse fenômeno pode ajudar estudantes a repensar suas escolhas. Você se sente uma fraude e está pensando em desistir de prestar engenharia, por exemplo? Por medo de fracassar na prova ou ser incapaz de exercer a profissão no futuro, muitos jovens desistem da carreira que tanto sonham. Mas não deveriam!
Como vencer o impostor ou a impostora?
Andreia conta que não há uma receita universal para combater esse problema, mas buscar as causas na forma de funcionar de nossa sociedade e na cultura pode ajudar na compreensão deste sentimento, especialmente para as mulheres.
Foi o que fez a consultora de comunicação Anna Terra, a @terrinha, que “convidou a impostora para um chá e uma conversa”. Ela criou um podcast, o Chá com a Impostora, para falar sobre como a síndrome influencia a vida e as decisões em diferentes aspectos. Ela recebe convidadas de várias áreas para compartilhar dores, ideias e saídas. Além disso, conta com relatos recebidos por ouvintes, de forma anônima ou não.
Vale ressaltar que a ajuda de um psicólogo é muito necessária, principalmente, quando a sabotagem e a insegurança são paralisantes e impedem vocês de desfrutar suas conquistas profissionais ou pessoais. O profissional vai ajudar a entender a motivação individual desse sentimento e encontrar maneiras de elaborá-lo e ressignificá-lo. Vamos nos inspirar em Michelle Obama, essa mulher maravilhosa, assumir o sentimento e continuar mudando o mundo!