De acordo com o influente relatório The Future of Jobs, o Fórum Econômico Mundial prevê que empregos na área de informática e matemática tenham uma alta de 3,21% pelo mundo até 2020, influenciada principalmente pela urbanização, pelo crescimento de países em desenvolvimento e por avanços tecnológicos.
É a área com taxa de crescimento mais expressiva entre as analisadas, mas que vem com uma ressalva importante. “Há uma forte dimensão de gênero esperada na mudança”, escrevem os autores. “Há poucas mulheres nas famílias de trabalho da área STEM [Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática], o que aponta, de acordo com as tendências atuais, para um gap de gênero que vai se deteriorar com o tempo.”
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Lidar com essa lacuna que já se faz presente a tempo de corrigi-la é uma das principais preocupações de Carine Roos, fundadora da consultoria de inteligência de gênero e inovação UP[W]IT, que já ofereceu treinamentos e workshops para mais de 700 mulheres.
A organização recentemente lançou um ebook em parceria com a Cia de Talentos, Mulheres Líderes na Tecnologia: Como promover a equidade de gênero e reter talentos nas empresas, sobre carreira em tecnologia para mulheres no Brasil.
A situação no Brasil
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, 8 em cada 10 alunas de Tecnologia da Informação desistem do curso no primeiro ano. E elas já são poucas na área. Em cursos como Ciências da Computação e Engenharia, mulheres somam apenas 15% dos alunos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Computação.
Os problemas continuam depois da faculdade. Quando entram no mercado – conquistar a primeira oportunidade de trabalho está entre os maiores obstáculos, segundo o especial –, as mulheres são duas vezes mais propensas a deixar o trabalho em empresas de tecnologia.
“O problema dos espaços de tecnologia para as mulheres – sejam universidades ou empresas – é a predominância masculina e, consequentemente, do machismo”, explica Carine. “Quando elas se deparam com esses ambientes, enfrentam muitas dificuldades apenas por serem mulheres: têm suas capacidades testadas o tempo todo, são mais exigidas, seus salários são menores se comparados aos dos homens que ocupam os mesmos cargos, encontram pouco espaço para a colaboração, a troca de conhecimento e o aprendizado.“
A baixa autoestima e a falta de crença em suas próprias capacidades alimentam um ciclo vicioso de insegurança entre as profissionais, que piora com a situação hostil em ambientes de trabalho e de estudo, atualmente pouco preparados para lidar com a questão. “Entender o sentimento de insegurança que a mulher enfrenta em todas as etapas da sua carreira, desde o ingresso na universidade até a construção do seu legado, é uma chave importante para pensarmos em soluções para o seu fortalecimento”, continua.
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O que fazer
Carine acredita que, para alterar o cenário, é preciso envolver tanto as mulheres quanto universidades e empresas em reflexões que resultem em mudança de comportamentos. “Todos têm um papel fundamental para a transformação desse cenário desigual e injusto.”
Entre as sugestões de melhoria que o especial faz estão a promoção de hackathons e grupos de networking inclusivos nas universidades, a criação de planos de carreira e grupos de apoio dentro das empresas, horários de trabalho mais flexíveis e a conscientização de lideranças e áreas de recursos humanos sobre a questão.
Já para as mulheres que querem trabalhar com tecnologia e crescer na carreira, o primeiro passo recomendado por Carine é o autoconhecimento.
“As mulheres não saberão quais caminhos seguir, quais são seus limites e objetivos sem antes aprofundar seu conhecimento sobre elas mesmas”, começa. “Entender seu comportamento as auxilia nas escolhas e a mudar tudo aquilo que incomoda.”
A carreira em tecnologia para mulheres
Na entrevista abaixo, Carine Roos fala sobre liderança, primeiros passos, o caso brasileiro e dá conselhos para jovens que querem trabalhar nesse setor.
O que diria para as jovens que se pensam em desistir das aulas ou do trabalho em tecnologia?
Carine Roos: Não desistam jamais. As habilidades delas são raras e possuem altíssimo valor para o mercado. Hoje, mesmo em tempos de crise no Brasil e no mundo, há uma demanda altíssima por profissionais de tecnologia. Milhares de vagas não são preenchidas na área de TI por falta de profissionais nesse mercado. Uma profissional boa de tecnologia dificilmente ficará desempregada por mais que uma semana.
Como empresas podem garantir um ambiente mais acolhedor para mulheres?
CR: Precisamos pensar em empresas mais colaborativas e menos hierárquicas, fomentar a troca de conhecimento e o aprendizado com outras pessoas, oferecer capacitação técnica e de desenvolvimento de liderança, incentivar a criação de grupos de apoio dentro das empresas, promover eventos e ações de mulheres/diversidade.
Além disso, as empresas precisam contratar mais mulheres e oferecer salários mais competitivos. Também é muito importante estabelecer horários de trabalho mais flexíveis e que as empresas busquem ser mais transparentes incentivando a autonomia de seus colaboradores. Precisamos desenvolver novos modelos de liderança mais colaborativos e inclusivos.
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Quão importante é o envolvimento de líderes para que esses esforços tenham resultado?
CR: As lideranças precisam estar sensibilizadas e engajadas no mais alto nível para que a equidade de gênero esteja transversalizada em todo o planejamento da empresa. Também precisam receber treinamentos inclusivos para eliminar o viés implícito de gênero e reconhecer esse problema como um atraso para a organização e uma barreira para a inovação e produtividade.
Como vê o avanço do Brasil nessa área?
CR: O caso do Brasil não é muito diferente de outros países. Em nenhum país atingimos a equidade de gênero e também em nenhum país atingimos a equidade de gênero na tecnologia. Todos os países estão “engatinhando” nessa questão, já que estamos falando de uma mudança cultural que leva muitos anos ainda para ser efetivamente resolvida.
No Brasil e no mundo ainda estamos no processo de conscientização sobre o problema. Nesse aspecto, o papel dos debates nas escolas, empresas e eventos tem um efeito importante para jogar um pouco de luz nas diversas dimensões do problema. Da mesma forma, há o papel da mídia em sensibilizar e educar.
Mas precisamos avançar muito ainda em termos de políticas, ações concretas, treinamentos de gestores e RHs e a sociedade como um todo para avançarmos na redução do machismo e dos estereótipos de gênero.
Como desenvolver atitudes de liderança e protagonismo pode ajudar mulheres?
CR: A maioria dos ambientes de tecnologia manifesta vieses que moldam os padrões de gênero atualmente, ou seja, eles tentam apagar a mulher, questionar suas habilidades e ignorar suas ideias, pois acreditam que ela não é capaz.
É por isso que ter atitudes de liderança como se posicionar ou defender uma opinião é importante para se blindar de situações como essas e reduzir a chance de não ser reconhecida. Treinamentos de liderança como o Programa ELAS (programaelas.com.br) ajudam a fortalecer as decisões da mulher, treinando suas habilidades de comunicação para serem mais claras e assertivas, e principalmente, não tendo medo de expor suas ideias ou questionar o status quo.
Quais são os primeiros passos para uma mulher determinada a ter sucesso na área?
CR: O primeiro passo é o autoconhecimento. Conhecer suas fraquezas e criar um plano para resolvê-las. Valorizar suas habilidades e fazer com que as pessoas tenham conhecimento sobre elas. O próximo passo é exercitar seu conhecimento técnico.
Se há dificuldades em acompanhar todas as inovações tecnológicas ou se as aulas da faculdade estão cada vez mais complexas, é hora de buscar alternativas para suprir demandas. Uma boa opção é participar de eventos e buscar cursos online gratuitos.
Depois, é muito importante que ela tenha definido um plano de carreira efetivo. Uma mentora ajudará muito nesta questão. Outro ponto importante é exercitar as habilidades de comunicação e negociação.
Tem algum recado para leitoras que pensam nessa carreira?
CR: Busquem comunidades de apoio como o MariaLab, Programaria, Reprograma e tantas outras para se fortalecer e reconhecer que ela não está sozinha na área. Também busquem capacitação não apenas com cursos técnicos, mas principalmente ampliando a perspectiva sobre a capacidade delas mesmas com coaching, mentoria, descobrindo todas as suas potencialidades.
Muitos desafios ocorrerão no caminho e o medo não deve paralisá-las, mas ser um combustível para seguir adiante, pois só assim há crescimento, senso de contribuição e realização pessoal. Permitam-se ser imperfeitas também. Com certeza vão errar muitas vezes até acertar, mas tudo bem: os grandes líderes e as grandes líderes também erraram muito antes de atingir o topo.
Para saber mais
Abaixo, Carine Roos elenca iniciativas, comunidades e programas para mulheres em tecnologia:
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- PrograMaria: Atua em São Paulo e oferece curso de introdução à programação com foco em desenvolvimento web
- PretaLab: iniciativa do Rio de Janeiro que atua no protagonismo das meninas e mulheres negras e indígenas nos campos da inovação e tecnologia
- Reprograma: atua em São Paulo inspirando, empoderando e educando mulheres, por meio de conhecimentos de computação e ferramentas de capacitação profissional
- MariaLab: coletivo em São Paulo que tem como objetivo encorajar, empoderar e unir mulheres através do interesse pela cultura hacker
- PyLadies: comunidade mundial que foi trazida ao Brasil com o propósito de instigar mais mulheres a entrarem na área tecnológica
- InfoPreta: serviço de manutenção e informática feita por e para mulheres negras
- Django Girls: comunidade que oferece workshops de desenvolvimento web para mulheres iniciantes
- Meninas Digitais: programa que apresenta as áreas de TI para alunas do ensino médio/tecnológico
- Mulheres na Tecnologia: organização sem fins lucrativos que contribui para o protagonismo feminino na era digital
Este artigo foi originalmente publicado por Na Prática, portal da Fundação Estudar.