“Quando se trata de carreira, a sociedade é como um tio-avô que te prende em feriados e faz um monólogo de 15 minutos, de conselhos não solicitados e incoerentes, e você se desliga o tempo todo porque é super claro que ele tem pouquíssima ideia sobre o que está falando e tudo o que diz está 45 anos desatualizado. A sociedade é como esse tio, e a sabedoria convencional é como seu discurso. Exceto que neste caso, em vez de ignorar, prestamos muita atenção em cada palavra e tomamos decisões importantes sobre a carreira com base no que ele diz.”
Este parágrafo é a introdução ao texto de Tim Urban, do blog Wait But Why, sobre a importância de um planejamento profissional que leve em conta seus anseios e a realidade de forma justa. No artigo “Como escolher uma carreira (em que você, realmente, se encaixa)”, o autor sugere um caminho para você construir este planejamento. Você: que apesar de não ser expert nisso – como ninguém é – é o mais qualificado para descobrir o que é melhor para si mesmo.
O próprio autor diz ter passado os últimos 20 anos de sua vida em um “estado perpétuo de análise” de sua carreira. Não ajudou o fato de que já mudou de ideia diversas vezes – de querer ser uma estrela de cinema quando tinha 7 anos, a presidente quando tinha 17 anos, a querer escrever resenhas de filmes quando tinha 22 anos a empreendedor quando tinha 24 anos até querer escrever musicais quando tinha 29 anos. E, finalmente, ser escritor, o que é hoje.
Entenda, a partir da explicação de Tim, como escolher uma carreira adequada especificamente a você, e ajustável – porque atualmente as trajetórias são (e precisam ser) flexíveis – por meio da análise do seu passado, dos seus anseios e da realidade.
A dificuldade inicial de planejar a carreira
Parte do problema vem do fato de que não somos ensinados sobre como planejar uma trajetória. Até a infância, seguimos um caminho pré-definido. Na faculdade, além de mais oportunidades para seguir interesses próprios, nos deparamos com a necessidade de, finalmente, comandarmos nossas vidas.
“Você passou a vida toda se tornando um estudante profissional, deixando você com zero experiência sobre ser CEO de qualquer coisa.”
Até então, as responsabilidades eram micro – “Como ser um bom estudante?” – e agora são macro responsabilidades e macro questões, como “Quem sou eu?” e “O que é importante na vida?”
Não só não somos ensinados quando mais novos. Muitos de nós sequer melhora nessa habilidade durante a vida. “O que faz com que muitas pessoas olhem para trás e vejam um caminho de vida que realmente não faz sentido, dado quem são e o mundo em que viviam”, explica Tim.
Seu mapa de carreira
Formado por três caixas, a do “querer” (want box), da realidade (reality box) e a piscina das opções possíveis (option pool). Preenchê-las é mais difícil do que parece e precisa de uma investigação do subsconsciente.
Sua caixa do “querer” (want box)
A caixa do “querer” é complexa porque somos formados por várias facetas, e cada uma delas têm seus próprios desejos e medos. Não dá para satisfazer todas, então é necessário balancear e sacrificar alguns pontos.
O “polvo dos anseios”
O autor brinca com a figura do polvo para demonstrar que possuímos vários aspectos – no caso, simbolizados pelos tentáculos – e, dentro deles, diversos anseios específicos. Apesar de mudarem de pessoa para pessoa, alguns são comuns:
Anseios pessoais (personal)
O mais particular de todos. É um reflexo da nossa personalidade e dos nossos valores. Carrega o fardo da necessidade humana mais complexa e desafiadora: realização. Acaba sendo o mais negligenciado porque tem o conjunto de anseios mais difícil de conseguir. Um tentáculo de anseios pessoais menosprezado “é, muitas vezes, a explicação por trás de uma pessoa muito bem-sucedida e muito infeliz”, diz Tim.
Anseios sociais (social)
É provavelmente o nosso lado animal mais primitivo, que remonta ao nosso passado tribal. Isso significa que busca aceitação, inclusão e ser apreciado, ao mesmo tempo em que fica petrificado com constrangimento, julgamento negativo ou desaprovação. Nele também há o ego, que é um personagem semelhante, mas ainda mais carente. Seu ego não quer apenas ser aceito; quer ser admirado, desejado e bajulado – idealmente, em grande escala.
Anseios de estilo de vida (lifestyle)
Estes impulsionam seu desejo de ser capaz de fazer o que quer, quando e como quer, com as pessoas que mais gosta. De acordo com os anseios relacionados ao estilo de vida, precisamos ter muitos momentos divertidos e experiências ricas, poucos problemas, sem trabalho duro e sem obstáculos na estrada.
Anseios morais (moral)
Esse tentáculo considera os outros muito autocentrados e autoindulgentes. Essa é a parte responsável por olharmos “ao redor e vermos um mundo grande que precisa de consertos”, segundo Tim.
Anseios práticos (practical)
Basicamente, o tentáculo prático quer ter certeza de que você tem o que comer, roupas para usar, que tem como comprar o remédio de que precisa e que não vai morar na rua. Ele não se importa realmente como essas coisas acontecem – só quer que aconteçam.
“Você tem o ‘polvo dos anseios’ em sua cabeça com cinco tentáculos (ou quantos você tiver), cada um com seus próprios propósitos, que muitas vezes conflitam entre si. Ainda há os anseios individuais distintos em cada tentáculo, muitas vezes também em conflito entre si. E, se isso não bastasse, às vezes existe um conflito forte dentro de um único anseio.”
Quando pensamos nos nossos objetivos profissionais, medos, esperanças e sonhos, nossa consciência acessa a soma dos anseios mais evidentes dos “tentáculos”. No entanto, nem todos os aspectos da personalidade que afetam nossos anseios são evidentes – muitos ficam nos “porões” do subconsciente. O jeito de investigar é partindo do que a sua consciência já conhece sobre seus medos e anseios.
Se você não está trabalhando na carreira que quer, tente descobrir por que. Descobrir apenas que isso tem raízes no medo de falhar, por exemplo, não é uma análise profunda o bastante aqui. É preciso encontrar a fonte exata de cada medo.
Exemplos: É um medo social de constrangimento, ou de ser julgado pelos outros como não tão inteligente, ou de parecer que não é tão bem-sucedido para seus parceiros? É um medo de prejudicar a sua própria auto-imagem – de confirmar uma suspeita sobre si mesmo que assombra você?
Procurando responder este tipo de questão, você não só vai entender o que origina seus medos e anseios, como quais deles são mais pronunciados e responsáveis pelas suas decisões.
Investigação
A investigação começa com você perguntando a cada anseio: como você acabou aqui, e por que você é do jeito que é?
Depois deste processo minucioso, três resultados são possíveis:
1. Você vai descobrir que são reais.
2. Você vai descobrir que foram implantados em você por outras pessoas – anseios “impostores.
3. Você vai ficar na dúvida entre 1 e 2, mas no fundo saberá a real raiz – basta “cavar” mais.
Para Tim, o ponto aqui não é que é errado viver de acordo com a opinião de algum parente ou pensador famoso, ou amigos que você respeita. Mas, sim, entender se você escolheu acreditar nas informações ou se simplesmente acreditou como se você mesmo tivesse pensado nelas.
Envolve também tentar descobrir as partes que ignoramos sobre nós mesmos, por serem dolorosas ou porque as influências externas causaram isso. A análise profunda vai liberar espaço para que elas apareçam. Investigar isso é um processo complexo e, provavelmente, doloroso.
“A sabedoria não está correlacionada com o conhecimento, está correlacionada com estar em contato com a realidade. Ela dói no começo, mas é o único lugar onde o crescimento real acontece.”
Priorizar
Quase tão importante quanto os próprios anseios é a prioridade que eles recebem. A hierarquia é fácil de perceber porque é revelada em suas ações.
“É importante lembrar que um ranking de anseios também é um ranking de medos. O polvo contém tudo que pode fazer você querer ou não seguir uma certa carreira, e o lado inverso de cada anseio é o medo do oposto que o acompanha”, explica o autor. Por exemplo, o seu desejo por se atualizar pode vir de um medo de se sentir insuficiente.
Quando a sua hierarquia interna estiver se delimitando, lembra de refletir novamente se a ordem das coisas tem a ver com apenas os seus desejos e características, e não está sendo influenciado por outros.
O autor sugere desenhar um modelo de prateleira para encaixar suas prioridades.
Sua caixa da realidade (reality box)
Até você calibrá-la, sua caixa da realidade mostra apenas sua percepção. Segundo Tim, costumamos ter a percepção de dois caminhos: carreiras tradicionais, como Medicina, Direito, mundo corporativo. E as menos tradicionais, das artes, empreendedorismo, política, etc.
“Essas são suposições perfeitamente razoáveis - se você vive no ano de 1952”, brinca o autor, antes de elaborar sobre alguns dos equívocos mais comuns sobre a realidade profissional.
Panorama profissional
De acordo com Tim, assim como ele, a maior parte das pessoas não tem a menor ideia do panorama profissional da área que se interessa. Por isso, se você consegue entender o cenário, terá uma vantagem sobre os outros.
Para isso, é preciso avaliar como é o caminho e quais tipos de perfis – pontos fortes e fracos – ele favorece. “É provável que existam dezenas de excelentes planos de carreira que combinem perfeitamente com seus pontos fortes naturais, e é provável que a maioria dos que tentem ter sucesso nesses caminhos esteja jogando com um livro de regras desatualizado”, diz Tim.
Seu potencial
Ao avaliar suas chances em uma determinada carreira, a principal pergunta é:
“Com tempo suficiente, você conseguiria ser bom o bastante para, potencialmente, alcançar qualquer que seja sua definição de sucesso nessa carreira?”
Ainda que muitas profissões tradicionais tenham um caminho mais “direto” – exemplo, para ser um grande cirurgião, você deve se tornar incrivelmente bom em realizar cirurgias – muitas envolvem outros fatores.
Uma conta que Tim sugere para calcular suas chances:
Progresso = ritmo X persistência
Persistência
Persistência, aqui, é do tipo a longo prazo. É mais simples que o ritmo. Basicamente, quantos mais anos você está disposto a comprometer na busca pela carreira que deseja, mais longe chegará.
Ritmo
Segundo o autor, tem a ver com três fatores:
1. Seu você é um “chef ou cozinheiro”. Analogia que faz chef X cozinheiro, em que o segundo segue receitas e o primeiro se dedica a criar. Aqui, quem tem perfil de “cozinheiro” vai andar em um passo mais devagar, porque a estratégia não implica tantas mudanças que alavancam radicalmente a carreira.
2. Seu estilo de trabalho. Alguém que escolhe um estilo de vida equilibrado vai demorar mais do que um workaholic, por exemplo.
3. Suas habilidades naturais. Pessoas mais inteligentes e talentosas evoluem mais rápido do que pessoas menos talentosas. Mas inteligência e talento são apenas dois tipos de habilidade natural que entram em jogo quando se trata de carreira – e existem muitas outras, tão ou mais importantes.
Preenchendo a caixa da realidade (e das opções)
Ao pé da letra, a caixa da realidade compreenderia todos os caminhos profissionais que você poderia considerar. Mas, Tim aconselha se limitar a incluir os que ficariam na piscina das opções possíveis (option pool), onde as duas outras caixas se sobrepõem.
Vá fazendo o cálculo do progresso e as que você considerar que tem grandes chances de chegar aonde quer, inclua na option pool. Não se preocupe em cálculos exatos aqui, basta uma ideia geral das possibilidades.
Conectando os pontos do futuro
Escolher que opção da piscina de opções seguir é um passo difícil, no entanto, para Tim, não exige tanta pressão em nós mesmos, porque o mundo do trabalho hoje possibilita flexibilidade.
Não é mais como um túnel, em que suas decisões atuais determinam não só o presente, mas o futuro, de forma direta. Isso porque em um túnel, não é possível sair no meio. Além desta ideia de que o caminho escolhido é definitivo causar crises de identidade, também aumenta a ilusão de que o que fazemos é sinônimo de quem somos.
“Quando você pensa em sua carreira como um túnel, as apostas para fazer a escolha certa parecem tão altas que explode a sensação de ‘tirania de escolha’. Para os perfeccionistas, especialmente, isso pode ser totalmente paralisante.”
Hoje, o cenário é gigante, muito complexo e muda rapidamente. As carreiras, então, estão mais para “séries de experimentos científicos” do que túneis, diz Tim.
As trajetórias, por sua vez, se assemelham mais a pontos conectados do que linhas retas e previsíveis. Portanto, nosso foco deve ser apenas no próximo ponto a ser conectado (ou passo a ser dado) – porque é o único que conseguimos planejar no presente.
Quando o momento de dar os passos futuros chegar, você não só vai ter aprendido coisas novas sobre si mesmo, como terá mudado – e seus anseios também. Além disso, o panorama da realidade terá se transformado. Não vale a pena se preocupar com o que você não sabe ainda. Por isso, Tim aconselha resolver a conexão de um ponto de cada vez.
Tomando atitude
Depois de tanto refletir, na hora de tomar uma atitude, o “polvo dos anseios” também pode ajudar. “Seu comportamento em qualquer ponto específico simplesmente exibe a configuração do seu ‘polvo’. Se você decidiu dar um passo na vida e não consegue, é porque as partes de você que não querem se movimentar estão com mais prioridade no seu subconsciente do que as partes que querem”, explica o autor.
Isso quer dizer que você é um CEO que não está no controle dos seus funcionários. Neste caso, saber priorizar e moderar seus anseios é o primeiro aspecto a melhorar.
Depois do primeiro movimento
Após tomar as atitudes necessárias para começar a seguir a carreira que quer, o próximo momento provavelmente vai ser menos agradável do que você achava. Isso porque os anseios que você priorizou ainda não vão estar “satisfeitos” e os que você não priorizou vão estar “insatisfeitos”.
“Mesmo que as coisas corram bem, você será rapidamente lembrado do fato de que o ‘polvo’ é, geralmente, uma criatura infeliz”, diz Tim.
Este processo envolve o aprendizado de aceitar o “polvo insatisfeito”.
O autor explica: correr atrás da felicidade é para os amadores, porque ela nunca será completa nem permanente. Um objetivo melhor para se ter é o “contentamento” – sentimento de satisfação de que você está fazendo o melhor para ter uma boa trajetória. Ou, que “o que você está trabalhando pode ser uma peça do quebra-cabeça que vai te deixar bastante orgulhoso”, no fim das contas.
Próximos passos
Não dá para saber qual será o resultado no futuro, mas Tim prevê que todos os planos precisarão de ajustes nos pontos a serem conectados.
Em alguns casos, você vai perceber que a missão precisa de um avanço estratégico.
Em outros, pode ser que você sinta que precisa mudar a missão “macro”. Ele aconselha, de novo, investigar as razões e descobrir se não são apenas seus anseios que não foram priorizados se manifestando.
É por isso que entender eu subconsciente é importante, para que você tenha clareza sobre a fonte de tais impulsos – se são resultado de evolução verdadeira, ou de um viés momentâneo. E o melhor jeito de fazer isso, segundo Tim, é olhando para seu próprio passado.
Esta matéria foi publicada originalmente no portal Na prática, da Fundação Estudar.