A estudante Luiza de Souza Mamede, 18, de Goiânia (GO), foi uma dos 22 candidatos que atingiram a pontuação máxima na redação do Enem 2021. O tema proposto na edição foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”.
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O texto de Luiza segue o gênero de dissertação argumentativa, padrão do exame, e se divide em quatro parágrafos. Ao longo do texto, a estudante cita o despertar da democracia na cidade grega de Atenas, o filósofo Aristóteles e o jornalista e escritor Gilberto Dimenstein.
Para analisar os caminhos utilizados pela candidata em cada parágrafo, o GUIA DO ESTUDANTE convidou Vanessa Bottasso, professora de Redação do curso pré-vestibular da Oficina do Estudante de Campinas (SP).
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Confira a redação nota 1.000 de Luiza Mamede na íntegra abaixo e em seguida os comentários da professora acerca de cada trecho.
Introdução
Uma das referências quando o assunto é democracia é a antiga cidade grega Atenas, onde surgiu essa forma de governo com a participação popular na política e a valorização da cidadania, a qual, contudo, era bastante restrita, visto que excluía mulheres, extrangeiros e escravos. Nesse sentido, é possível observar que o Brasil atual vive uma situação análoga à ateniense, dado que, mesmo sendo uma democracia – neste caso, indireta –, quase 3 milhões de brasileiros, segundo projeção do IBGE, não possuem registro civil, não sendo, por isso, reconhecidos como cidadãos. Assim, torna-se imprescindível discutir essa situação, pois ela repete erros antigos ao privar grupos sociais da participação democrática e se perpetua por conta da morosidade do Estado que afeta direitos constitucionais.
A introdução do texto cumpriu com a função fundamental dessa etapa da dissertação, que consiste em apresentar o tema proposto a partir de uma problematização e de um viés de análise. No caso específico do tema do Enem 2021, o candidato acerta ao indicar que o problema social proposto consiste na negação da cidadania à parcela populacional que não possui registro civil, interpretação sugerida na frase-tema da prova e cuja abordagem caberia aos candidatos. Além disso, ao estabelecer um paralelo com a cidade ateniense, o texto encontrou um meio para a apresentação da sua tese, que aponta para a privação de direitos e a morosidade do Estado como parte do detalhamento desse debate. Essa divisão da análise em duas partes corresponde à organização do detalhamento argumentativo que virá nos dois parágrafos de desenvolvimento a seguir.
Desenvolvimento I
Sob essa ótica, cabe frisar que a garantia do registro civil a todos os brasileiros é essencial e urgente, porque permite a sua participação na sociedade. Acerca disso, o filósofo grego Aristóteles, segundo o conceito de Zoon Politikon, afirmava que o ser humano é um animal político e que a sua finalidade é a obtenção da felicidade, adquirida ao exercer o que lhe é substancial: pensar e viver em sociedade. Dessa forma, evidencia-se a problemática de falta de acesso à cidadania no Brasil, uma vez que as pessoas que não são reconhecidas pelo Estado, devido à falta de documentação, são, por conseguinte, privadas da participação política e negligenciadas pela sociedade, impedidas de exercer a sua finalidade e de alcançar a felicidade.
Como antecipado na introdução, o segundo parágrafo aborda a primeira etapa do detalhamento argumentativo, que consiste na identificação dos problemas relacionados à falta de registro civil. Embora tenha empregado um termo que possa parecer estranho aos leitores em geral (algo que deveria ser evitado em textos dissertativos), o candidato apresenta um conceito aristotélico relativamente conhecido por estudantes de ensino médio, pois vincula-se aos estudos da filosofia. Ao se referir ao ideal do “homem político” (Zoon Politikon), o texto inspira a indicação de desdobramentos relacionados à participação social negada aos cidadãos sem registro, como é o caso da exclusão do sistema democrático e da negação da felicidade. Assim, o candidato encerra a abordagem do primeiro aspecto indicado na formulação de sua tese.
Desenvolvimento II
Ademais, é válido apontar que essa exclusão política e social vem sendo perpetuada pela lentidão administrativa do Estado. Nesse contexto, relembra-se que o sociólogo Gilberto Dimenstein, em sua obra “O Cidadão de Papel”, afirma que, embora o Brasil possua um sólido aparato legislativo, ele mantém-se restrito ao plano teórico. Dessa maneira, verifica-se a materialização do apontado por Dimenstein no fato de que os direitos previstos na Constituição Cidadã de 1988 não são garantidos a todos os brasileiros na prática, o que ocorre em grande parte devido à burocracia e à morosidade do Estado, que dificultam o registro dessas pessoas. Logo, sem documento, esses cidadãos invisíveis são privados do pleno acesso aos seus direitos constitucionais.
O candidato demonstra um bom domínio da articulação entre as partes do texto ao iniciar o terceiro parágrafo indicando a continuidade da sua linha argumentativa por meio do elemento coesivo aditivo “Ademais” (vale destacar que, ao longo de todo o texto, o candidato demonstra bom uso dos elementos articuladores da argumentação em geral). Quanto ao detalhamento argumentativo, como previsto na introdução, o terceiro parágrafo do texto se propôs a abordar o outro aspecto da tese, segundo o qual o Estado tem responsabilidade nesse problema social ao atuar de forma lenta e ineficiente no registro civil de seus cidadãos. A referência à obra do jornalista e escritor Gilberto Dimenstein serviu para a ilustração do ponto principal dessa etapa do texto, que consiste em destacar a contradição entre a teoria e a prática na garantia dos direitos aos cidadãos que vivem no Brasil. Assim, atingiu também outro aspecto importante que fora sugerido pelo tema do Enem 2021: a invisibilidade social.
Conclusão
Portanto, infere-se que é mister que o Estado – cumprindo seu papel de garantir a cidadania a todos os brasileiros e de efetiva a Constituição Federal – combata as razões de sua própria lentidão, por meio do destino de verbas para a construção de novas zonas de registro e para a contratação de profissionais para esse fim. Isso deve ser feito a fim de que não mais existam grupos excluídos da participação democrática, como ocorria em Atenas, e se garantam a cidadania e os direitos, além da plena vivência política, a toda a população do Brasil.
Ao finalizar seu texto, cumprindo com a última etapa necessária à dissertação, o candidato reitera a tese defendida na introdução e organiza uma proposta de ação social. De forma adequada às expectativas da prova de redação do Enem, essa proposta aparece detalhada, pois apresenta os cinco elementos necessários à compreensão da medida defendida: o ator social (quem fará?), a ação propriamente dita (o que deve ser feito?), o meio ou modo de execução (como pode ser feito?), a finalidade (qual o efeito esperado?) e uma especificação de algum desses elementos (qual o melhor detalhamento?). Após esse trabalho, o candidato arremata o texto com a retomada da referência a Atenas e, assim, encerra a reflexão em torno da superação da invisibilidade social e da consequente garantia da cidadania aos brasileiros.
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